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LXXVIII.

Não canses, que me cansas: e se queres
Fugir-me, porque não possa tocar-te,
Minha ventura he tal, que inda que esperes,
Ella fará que nao possa alcançar-te.

Espera quero ver, se tu quizeres,

:

Que subtil modo busca de escapar-te,
E notarás no fim deste successo,

« Tra la spiga e la man qual muro è messo. »

LXXIX.

O' não me fujas! Assi nunca o breve
Tempo fuja de tua formosura!
Que só com refrear o passo leve
Vencerás da fortuna a força dura.
Que Imperador, que exercito se atreve,
A quebrantar a furia da ventura?
Que em quanto desejei me vai seguindo;
O que tu só farás não me fugindo.

LXXX.

Poens-te da parte da desdita minha?
Fraqueza he dar ajuda ao mais potente.
Levas-me hum coração, que livre tinha?
Solta-mo, e correrás mais levemente.
Não te carrega essa alma tão mesquinha,
Que nesses fios de ouro reluzente
Atada levas? Ou despois de presa
Lhe mudaste a ventura, e menos pesa?

LXXXI.

Nesta esperança só te vou seguindo;
Que ou tu não soffrerás o pezo della,
Ou na virtude de teu gesto lindo,
Lhe mudarás a triste e dura estrella:
E se se lhe mudar, não vás fugindo,
Que amor te ferirá, gentil donzella ;
E tu me esperarás, se amor te fere;
E se me esperas, não ha mais que espere.

LXXXII.

Já não fugia a bella nympha, tanto
Por se dar cara ao triste que a seguia,
Como por ir ouvindo o doce canto,
As namoradas magoas que dizia.
Volvendo o rosto já sereno e santo,
Toda banhada em riso, e alegria,
Cahir se deixa aos pés do vencedor,
Que todo se desfaz em puro amor.

Oh

E

LXXXIII.

que famintos beijos na floresta! que mimoso choro que soava!

Que affagos tão suaves! Que ira honesta,

Que em risinhos alegres se tornava!

O que

mais passam na manhaa, e na sesta, Que Venus com prazeres inflammava, Melhor he exprimenta-lo que julga-lo, Mas julgue-o quem não pode exprimenta-lo.

LXXXIV.

Desta arte em fim conformes já as formosas
Nymphas, co'os seus amados navegantes,
Os ornam de capellas deleitosas,

De louro, e de ouro, e flores abundantes;
As mãos alvas lhe davam como esposas :
Com palavras formaes, e estipulantes
Se promettem eterna companhia
Em vida e morte, de honra e alegria.

LXXXV.

Huma dellas maior, a quem se humilha
Todo o coro das nymphas, e obedece,
Que dizem ser de Cælo e Vesta filha,
O que no gesto bello se parece,
Enchendo a terra, e o mar de maravilha,
O Capitão illustre, que o merece,
Recebe alli com pompa honesta e regia,
Mostrando-se senhora grande e egregia.

LXXXVI.

Que despois de lhe ter dito quem era,
C'hum alto exordio de alta graça ornado,
Dando-lhe a entender, que alli viera
Por alta influição do immobil fado;
Para lhe descobrir da unida esphera,
Da terra immensa, e mar não navegado,
Os segredos, por alta prophecia,
O que esta sua nação só merecia :

LXXXVII.

Tomando-o pela mão o leva, e guia,
Para o cume d'hum monte alto e divino,
No qual hu'a rica fabrica se erguia
De crystal toda, e de ouro puro, e fino.
A maior parte aqui passam do dia
Em doces jogos, e em prazer contino:
Ella nos paços logra seus amores,
As outras pelas sombras entre as flores.

LXXXVIII.

Assi a formosa, e a forte companhia,
O dia quasi todo estão passando,
N'huma alma, doce, incognita alegria,
Os trabalhos tão longos compensando.
Porque dos feitos grandes, da ousadia
Forte e famosa, o mundo está guardando
O premio lá no fim bem merecido,
Com fama grande, e nome alto e subido.

LXXXIX.

Que as nymphas do Oceano tão formosas,
Tethys, e a ilha angelica pintada,

Outra cousa não he, que as deleitosas
Honras, que a vida fazem sublimada :
Aquellas preeminencias gloriosas,
Os triumphos, a fronte coroada
De palma e louro, a gloria e maravilha,
Estes são os deleites desta ilha.

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XC.

Que as immortalidades que fingia
A antiguidade, que os illustres ama,
Lá no estellante Olympo, a quem subia
Sobre as azas inclytas da fama;
Por obras valerosas que fazia,
Pelo trabalho immenso, que se chama
Caminho da virtude alto e fragoso,
Mas no fim doce, alegre, e deleitoso :

XCI.

Não eram senão premios, que reparte
Por feitos immortaes e soberanos

O mundo co'os barões, que esforço e arte
Divinos os fizeram, sendo humanos:
Que Jupiter, Mercurio, Phebo, e Marte,
Eneas, e Quirino, e os dous Thebanos,
Ceres, Pallas, e Juno, com Diana,
Todos foram de fraca carne humana.

XCII.

Mas a fama, trombeta de obras tais,
Lhe deo no mundo nomes tão estranhos,
De Deoses, Semideoses immortais,
Indigetes, Heroicos, e de Magnos.

Por isso, ó vós que as famas estimais,
Se quizerdes no mundo ser tamanhos,
Despertai já do somno do ocio ignavo,
Que o animo de livre faz escravo.

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