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que... agora me lembro; toquei á campainha, e tornei a descer sem saber o que fazia. (Thomaz faz um movimento de admiração como interrogando-o respeitosamente.) Decido-me hoje; não posso mais. Tenho cincoenta annos e quero morrer descançado. (Ponderando.) Descançado? E os que me perseguem? Aquelles que pozeram em mim a sua esperança, e que a minha va sciencia lançou na sepultura? Sabes o que é ter remorsos, Thomaz?

THOMAZ

Eu, senhor doutor ?!... eu... para lhe fallar verdade como costumo sempre, não senhor, não sei.

ALVARO, erguendo-se

Pois sei eu, meu pobre Thomaz; sei eu, infelizmente !

V. ex.?!

THOMAZ

ALVARO

Acaba de me morrer nas mãos o Manuel Epiphanio, aquelle honrado amigo, padrinho de minha filha, meu companheiro de Coimbra, que eu amava quasi como irmão!

THOMAZ

Era muito boa pessoa, coitado!... Mas que se lhe ha de fazer agora?

ALVARO

Enterral-o... Fui eu que o matei !

THOMAZ, supplicante

Pelo amor de Deus, não diga isso.

ALVARO

Mas juro-te que é o ultimo! Basta de de

cepções.

THOMAZ

Desculpe, senhor doutor... ha trinta annos que sou seu criado, e...

ALVARO

E ha quarenta que és meu amigo, bem sei; tens direito para dizeres quanto quizeres. Educou-te meu pae, passaste da sua casa para a minha, e se me serves é porque nunca quizeste outra posição digna de ti e das tuas qualidades; mas adverte que nem minha filha me faria mudar de proposito,

ainda mesmo que se tratasse do seu fu

turo!

THOMAZ, inclinando-se

N'esse caso, calar-me-hei.

ALVARO

É melhor, meu amigo. Tu não sabes o que é ser medico sem ter ainda a consciencia pervertida; por isso não podes avaliar a situação e o soffrimento de um desgraçado como eu á cabeceira de um amigo, de um pae, de uma esposa ou de um filho moribundo!

THOMAZ

Valba-nos Deus, senhor; mas isso acontece a todos.

ALVARO

Acontece, sim; porém, se os outros téem animo ou philosophia para supportar o infortunio d'esta profissão, não o tenho eu... Não posso, nem quero. Nego a medicina como sciencia ou como arte de curar, e não devo illudir os meus similhantes em nome d'essa funesta invenção, que faz dos homens

mais probos e mais intelligentes uns charlatães.

THOMAZ

Isso pode ser assim... é assim, visto que v. ex.a o diz; comtudo, a sociedade carece dos medicos...

ALVARO

A humanidade seria mais feliz sem elles. -Já veiu minha filba?

Não, senhor.

THOMAZ

ALVARO, encaminhando-se para a porta da direita fundo

Se alguem me procurar, dize que estou doente de cama; que vão chamar outro. Previne as criadas.

SCENA III

Sae.

THOMAZ, SÓ

Sim, senhor. (Depois de breve pausa.) Ora vejam se ha outro homem assim ! Um lente da Escola-medica, medico de Sua Magestade, com uma clinica numerosissima, e diz agora que não quer matar mais doentes! Isto não

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póde ser!... (Ponderando.) Porquê, sr. Thomaz? Porque era um escandalo! Que diriam os collegas, que são tão honrados e conscienciosos como elle? (Respondendo a si.) Que lhe importa a vossemecê o que diriam os collegas? (Replicando.) Importa-me por credito de meu amo. (Irado.) Pedaço d'asno! Cada um é juiz perante a sua consciencia; seu amo é um justo. (Tornando ao tom de quem responde.) Lá isso é verdade! (Reflexionando.) Porque um homem se suicida, devem suicidar-se todos os que estão nas mesmas circumstancias? Absurdo, senhor Thomaz, absurdo!

Entra pela esquerda, ouve-se tocar á campainha.
Thomaz volta a abrir a porta.

SCENA IV

OLYMPIA LEOPOLDINA

OLYMPIA, para dentro do corredor, ao fundo

Meu bom Thomaz, faça favor de dizer ao papá que já voltei, e que desejo muito ir abraçal-o, se elle não estiver a trabalhar.

LEOPOLDINA, sentando-se

Tratas os creados com um mimo!... (Imi

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