me deitou uns olhos !... Parecia mesmo que queria dizer não sei o quê. THOMAZ Queria provavelmente dizer-te, que é prohibido ás mulheres da tua edade mostrar os pés, principalmente quando estão sem botas. RITA, interrompendo-o Eu sei lá o que queria; nunca fiando! THOMAZ Forte parvoice! Tratemos de coisas sérias. De hoje em diante nunca mais peças dinheiro ao senhor doutor. Quando te for preciso, para qualquer despeza, vem ter comigo. Se alguma vez fizeres o contrario, ponho-te na rua. RITA, benzendo-se Padre, Filho, Espirito Santo! Então o sr. Thomaz mandava-me embora? É agora o dono da casa? THOMAZ, gravemente Conheces-me ha muitos annos, Rita; e sabes que não costumo gracejar. Faze, pois, o que te digo. Tempo virá em que talvez sejas tu propria que venhas pedir para te ires d'esta casa. RITA, caindo n'uma cadeira Eu?! O velhinho emparveceu ! - Mas porquê? THOMAZ Porque não haverá dinheiro para te pagar o ordenado. RITA, erguendo-se indignada Quem cuida o senhor que eu son? Parece-me que em trinta e cinco annos devia ter tido tempo de me conhecer. Importa-me că o seu dinheiro, nem o do patrão! Se me quizer pagar, pague; se não quizer, não pague; mas não me injurie, se não olhe que apezar do medo que tenho de me chegar a um homem (Erguendo as mãos em ar de ameaça) sou capaz de esganar ! THOMAZ Não grites, mulher. RITA, gritando Qual não grites, nem meio não grites! Eu vou perguntar ao senhor se elle... SCENA III THOMAZ, RITA, Alvaro ALVARO Que é isso? Porque estão ralhando ? RITA Perdão, senhor doutor... THOMAZ Não é nada... ninharias. Rita tem muito bom coração, mas é teimosa e tem mau genio... RITA, rosnando Sim... mau genio e teimosa?... o que lhe vale é dizer que tenho bom coração... calo me... THOMAZ, baixo a Rita E faze o que eu disse. RITA Veremos. Sae. Sae. SCENA IV ALVARO, só É notavel o vacuo e o silencio que reinam em torno de um homem desempregado ! Ha um mez ainda que vinha aqui toda a gente; agora não apparece ninguem! N'esse tempo julgavam-me rico, sabio, influente, e precisavam de mim!... Hoje, sabem que sou pobre, que já não trato doentes, que não tenho empregos nem influencias, e fogem da minha casa como da morada de um leproso! Ah! mundo, mundo enganador!-como dizia o grande Garrett em seus ultimos momentos. — Restam-me apenas dois ou tres amigos fieis, pobres e obscuros como eu, apezar dos seus talentos e probidade! Quem é que conhece o talento e a probidade n'um seculo de charlatães? Apreciou alguem por ventura os motivos que me levaram a dar a minha demissão de sabio? Os jornaes publicaram a noticia sem commentarios, entre duas novidades da mesma importancia - um bebado que foi dormir á estação e o sr. João Fernandes que partiu para França. - Depois ninguem pensou mais n'isso; a minha historia passou ha duzentos annos; os meus discipulos mudaram de professor; os meus doentes morrem ou curam-se com a mesma implacavel casualidade; e os amigos dos dias de prosperi dade acham que não vale a pena cortejar um morto! Todavia, fiz o meu dever; o resto pouco importa. Não se deve ser homem de bem com a condição de que os outros o saibam. Que valeria a virtude se só dependesse da publicidade? (Passeando.) Occorre-me, porém, que dos poucos amigos que me ficaram posso ainda perder alguns, se souberem da minha pobreza... e em todo o caso devo poupar, por emquanto, maiores desgostos aos que me estimam devéras. (Indo á porta chamar.) O Thomaz? Ó SCENA V ALVARO e THOMAZ THOMAZ Senhor doutor? ALVARO De hoje em diante não recebo ninguem na livraria. Não convem que se note a falta dos livros. Mandarás entrar para aqui as pessoas que vierem ver-nos... se alguma vier. THOMAZ, depois de breve silencio Tenho pensado muito n'uma coisa, que talvez não seja de todo asneira... |