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a corrução do idioma. E' coisa que espanta a facilidade com que tôda a gente se mete a traduzir. Basta gaguejarem algumas palavras de francês, para se lançarem às mais aventuradas empresas. Creem que, para se escrever, só se há mister de tinta, papel e atrevimento.

A Tradução é de ordinário o veículo por onde entra, sem sentir-se, o contrabando da barbárie; e já houve quem, entendidíssimo nos segredos e regras da arte de escrever, declarou não querer entremeter-se no ofício de tradutor, por lhe parecer mais dificultosa cousa o traduzir com acerto que o escrever correctamente.

Um nome célebre na literatura demonstrará palpavelmente esta verdade. Camilo Castelo Branco foi escritor que sempre se estremou por sua correcção, pela elegância de seu estilo, por seu copioso e castico vocabulário, por seu conhecimento de nossa língua, e de seus prodigiosos recursos, e pelo seu respeito às regras da gramática. Mas, nas suas versões de obras francesas topamos com incorrecções, galicismos e demais barbarismos em que raras vezes ou nunca incorria, quando compunha livros do seu próprio

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engenho ou invenção, e sem ter diante o modêlo francês....

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E' necessário mostrar aos que estudam e fazem timbre de depurar a linguagem, extraindo-lhe as escórias que a viciam, não só frases e modelos correctos, senão também frases más e viciosas, e ensiná-los a convertê-las em frases correctas e de bom quilate. Toma nas mãos um leitor ordinário uma tradução qualquer feita pelo grande Camilo, com o propósito de estudá-la e segui-la por modêlo. Se não está prevenido e doutrinado, imitará mais de-pressa os defeitos do que as belezas. O mau e vicioso é mais pegadiço e propaga-se com extrema facilidade...

(Da Rev. de Lingua Port., n.o 1, 2.a ed., Rio, 1920, pág. 95.)

ESTUDO E DEFESA DA LINGUAGEM

Nota-se com mágoa a sempre crescente decadência dos estudos da nossa língua. De dia para dia a boa linguagem se cor

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rompe e vai perdendo, com a facilidade e a falta de escrúpulo na introdução de vocábulos e modos peregrinos.

A raíz do mal está em que vaidosamente cremos saber a nossa língua, e não a estudamos, ou estudamo-la imperfeitamente os Dicionários, que se deviam manusear assiduamente, pois são os únicos livros que, senão tôda, conteem quási tôda a língua; os Dicionários, que os maiores mestres das letras confessam abrir quatro ou cinco vezes em-quanto escrevem uma página; não merecem a honra de um olhar, e o tempo que utilmente se empregara em os ler, reler, estudar, gasta-se na leitura de livros estranjeiros, principalmente franceses, que são o amor e encanto da gente de agora, ou na de frívolas e balofas novelas que hoje em dia se escrevem apestadas de galicismos.

Os dignos mestres que procuram difundir o uso e amor da língua portuguesa pura e castiça, fazendo-lhe a propaganda com livros, nas cátedras onde ensinam, em jornais ou revistas, são ridiculizados. com os apodos de puristas, pedantes, gramáticos, por aqueles que, em vez de con

fessar que empregam as construções viciosas ou bárbaras por ignorância das castiças e correctas, preferem fazer do sambenito gala, e mofar dos que manteem os foros da sintaxe portuguesa.

Ninguém tem tempo ou paladar para leituras clássicas; e, sem embargo, os nossos bons e antigos escritores são a fonte onde a moderna fala deve purificar-se, e o antídoto contra a barbárica licença em matéria de língua. Para escrever português é indispensável ter lido e ler português...

(Dos Novos Estudos da Lingua Portuguesa, 2. ed., Rio, 1921, pág. 370 e 371.)

XXXIII

Martins Fontes

(Poeta brasileiro)

NA FLORESTA DA ÁGUa negra

Para que eu te traduza a majestade rude,
Mas de uma forma tal, precisa e manifesta,
Que demonstre o poder da tua juventude,
¿A que hei-de exactamente igualar-te, ó floresta?
Só posso comparar-te à lingua portuguesa :
Porque ela é que possui os tesouros da tua
Basta, e brava, e brutal, e bárbara beleza,
Que a lingua mãe, na terra virgem, perpetua!

(Do Verão, Santos, 1917, pág. 55.)

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