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treita amizade, & como era muy sagaz & manhoso nessas côpras & vedas daua muytos ardijs com que aproueitaua muyto a fazenda del rey de Portugal, & assi a do capitão, feytor & de todos os outros officiaes da fortaleza co o que teue gråde amizade com todos & muyta familiaridade, principalmête cô ho capitão & feytor com que tinha entrada cada vez q queria, & parele nã auia neles ocupação nenhua, & em todo ho tepo êtraua na fortaleza, que era o que ele desejaua pera effeytuar sua treição. E como teue segura esta familiaridade com ho feytor & capitão, descobriose a esses mouros principais de Malaca, pera que trazia as cartas del rey de Bintão, & deulhas dizendo pera o que vinha, & que el rey de Bintão lho encomĕdaua, porq sem sua ajuda não podia dar fim ao q desejaua, & disselhe a familiaridade q tinha com ho capitão & com ho feytor, & q a do feytor estimaua muyto mais que a do capitão, porq não auia medo se na ao feytor que lhe parecia pera muyto, & por isso determinaua de ho matar primeyro que ho capitão, que polo que conhecia dele se ele ficasse viuo posto q matasse todos os outros da fortaleza, ele sô abastaria pera a cobrar, & que ja tinha dentro na fortaJeza quem ho ajudasse, q erão certos homes principais de Bintão que forão catiuos, & estauão presos no apousentamento do alcayde môr, & tinha quem lhos soltasse por peita, dando a entêder que era pera fugirem, & q não queria deles outra cousa se não que lhe acodissem como ho capitão, feytor & alcayde moor fossem mortos & ho liurassem dos nossos que auião dacodir, que teuessem pera isso prestes a mais gente que podessem. O que lhe eles prometerão, mostrado q folgarião muyto de ser Malaca tirada do poder dos nossos. E posto q ho desejauão nã ousauão de bolir cõsigo, porq não tinhão cabeça q os regesse. E q se ele acabasse o q dizia, ale de fazer tamanho seruiço a Mafamede como aqle seria, eles ho farião ho mais principal de Malaca despois del rey. Animado coisto ho escriuão a fora a

&

ousadia tinha de seu natural pera fazer qualquer treyção, buscou dia pera fazer esta & nã curou desperar mais, porq nesta cõjunção adoeceo ho capitão, não que esteuesse ĕ cama, mas não saya da fortaleza, & assentou de fazer o que determinaua hu dia ao meyo dia, q era ho tepo pera isso mais desposto, porq então repousauão todos. E ho capitão, & ho feytor estauão sôs, & auia menos gête na fortaleza q em nhua parte do dia. E tedo dado auiso aos mouros pera q esteuesse prestes, foyse â fortaleza às horas q digo, & entrou logo detro & deixou â porta ate trinta homes q sempre trazia consigo, sabião parte do feyto, & estauão auisados que como ouuissem rumor matassem ho porteiro, & êtrassem & matassem dos nossos quatos podessem. E entrado na fortaleza, foyse primeyro a casa do feytor, & antes que entrasse a ele pos se a hua genela que estaua parede meos com hữa casa do alcayde mòr, onde os catiuos de Bintão estauão presos, q por peitas que derão thes foy aquele dia deixado ho troco aberto. E posto â genela, tirou hua carta que trazia escripta em sua lingoa, em q dizia aos catiuos como hia matar ho feytor, que matassem eles être tãto ho capitão que estaua soo, & leoha tão alto q os catiuos a ouuirão & entêderão & fizeranse prestes: & ele entrou onde estaua ho feytor Soo em sua camara lãçado em hu esquife pera dormir a sesta, & começou de lhe dar conta de seus tratos. E vindo sono ao feytor, rebolueose pera a outra parte, & em se reboluendo leua ho escriuão dhum cris & dalhe hua crisada que ho passou de parte a parte: ho feytor como era muyto esforçado & de grande acordo, dà consigo fora do esquife & lançasse por hûa escada abaixo caminho da porta da fortaleza, bradando. Treyção, treição, & ho escriuão confiado nos q deixaua à porta que ho acabarião de matar não quis ir a pos ele, & ele correndolhe grandes enxurrados de sangue chegou à porta da fortaleza, & carrou ho postigo que estaua aberto, metedo dous ou tres dedos do ferrolho polas armelas,

bradado. Treyção, treyção, & não pode mais meter porque cayo morto. E isto foy tão de supito que os do escriuão que estauão de fora não poderão acodir, porque. parece que quis nosso senhor que desatentassem da porta, & quando acodirão era fechada, & ainda algus me-. terão os crises polas gretas, cuydando q ferissem que fechaua ho postigo, que se eles acodirão a fortaleza fora tomada. Os catiuos em ouuido os brados do feytor, sairão logo dõdestauão, & quis Deos que acharão dous, criados do alcayde moor com que se deteuerão em os matar, & aos brados destes se pos ho capitão em saluo, çarrando muy bem suas portas. E sentindo esta volta tres nossos que estauão na torre da menaje, bradarão muyto alto que auia treição na fortaleza, ao q logo acodirão oyto dos nossos assi desarmados como andauão q forão mortos polos do escriuão que estauão aa porta da fortaleza, & eles tambem não viuerão muyto, porque como os nossos acodirão mataranos logo. E buscando maneyra pera abrir ho postigo da porta da fortaleza, etrarão dentro, & matarão ho escriuão & os catiuos de Bintão. E ouuindo os mouros ho rume que hia na fortaleza, cuydando que teuesse ho escriuão sua treyção posta por obra, acodirão todos com suas armas pera se leuantar contra os nossos, & quando os acharão senhores da fortaleza & morto ho tredoro, dissimularão, & disserão ao capitão que lhe hião acodir, & fizeranse muyto de nouas da treyção do escriuão, & mostrarão folgar muyto com sua morte: pore a eles lhes pesou assaz de ele não leuar auante o que começou, que eles fazião conta que a fortaleza era del rey de Bintão, & assi esteue ela tomada se ho nosso senhor não atalhara por sua misericordia, porque a fora a cousa estar assi armada, auia neste tempo pouca gente em Malaca, porque Ivão lopez daluim capitão moor do mar era aa laoa com tres nauios pera trazer certos bahares de crauo que hi madou Nacoda ismael do emprego q leuou a Maluco, & sendo laa Ioao lopez, indo ter ao porto onde Pateonuz

tinha varado ho seu jugo em que escapara a Iorge botelho, mandoulhe grandes presentes porque lho não queymasse, & dizendolhe quanto se honrraua de ho ter ali, & offrecêdose por muyto grande amigo dos Portugueses. E loa lopez aceitou sua amizade, & prometeolhe de nã fazer nenhů mal ao jungo. E tomando ho crauo que hia buscar, tornouse a Malaca, onde tabem ao tempo desta treyção não estaua Iorge botelho que era darmada sobre Bintão. E neste mesmo dia pelejou com certas lancharas del rey, & as desbaratou co morte de muytos mouros, & sem morrer nenhum dos nossos. E por amor desta treyção se não fiou dali por diante de nenhum mouro na fortaleza, & quando entrauão nela era cỡ muyto recado. E sabendo el rey de Bintão a fim q ouuera ho seu escriuão, perdeo a esperança por hûs dias de poder tomar Malaca por nenhů ardil.

CAPITOLO CXII.

·De como ho gouernador inuernou na ilha de Camarão, & das causas porque não fez hi fortaleza.

Ficando o gouernador aquele inuerno em Camarão

mandou dar pendor a todos os nauios da sua frota: & pera saber se da pedra da ilha se poderia fazer cal, mandou que se fizesse. E quando a gente vio que se armaua forno pera isso, & despois fazerse cal, ficou toda pasmada cuydando q queria ho gouernador fazer fortaleza, & darlhe nouo trabalho sobre o que tinhão passado na viajem, & passauão em inuernar naquela ilha sem tere que comer, & trabalharem no pendor que se daua aos nauios da frota, & assi ho dizião. E ho gouernador ho sabia, mas dissimulaua: & bem quisera ele poder deixar ali hua fortaleza, mas não se atreueo a fazela, porque pera a deixar segura tinha necessidade de ver primeyro ho porto de çuez pera saber que força tinha criada ho Soldão, porque sendo grande ficaua a fortaleza

em perigo de se perder, ou era necessario pera sua seguraça ficar ho gouernador sobrela com toda a frota, porque pera ir â India & mandarlhe de laa socorro, não podia se não em Feuereyro, & ele auia de partir pera a India em Agosto, & pera ficar com toda a frota em goarda da fortaleza não podia ser, que lhe era forçado tornar aquele anno aa India, porque quando partira de laa não sabia ainda nenhữa noua de Malaca, ne deixaua assentado de todo a Calicut nem a Diu, que vendoho tanto tepo fora da India, se poderião fazer em corpo & darlhe oppresam co tomar algua fortaleza. Assi que segurando ho estreito com a fortaleza de Camarão, que não seguraua sem ver çuez arriscaua a India que era o principal daquela conquista. E pera tambem deixar parte de sua frota sem saber o que hia em quez, era muy to pouca cousa pera pelejar com a armada do Soldão que se dezia ser muy grande, & que leuaria nas vnhas a nossa que ficasse, & ela leuada leuarião tambem a fortaleza. Assi que se teuera fora a duuida de çuez, cuja vista foy a principal causa que ho fez entrar no estreito, podera fazer a fortaleza em Camarão, & deixarlhe no mar alguas carauelas latinas & nauios de remo, porque podem em todo tempo nauegar ho estreito, & atrauessalo de hua banda a outra, & senhorearão toda a costa Darabia da porta do estreito ate ho Toro, porque os lugares que jazem nesta costa sam pequenos, & por se na verem destruidos pagarão parias, com que os nossos, assi os da fortaleza como da armada que lhe ficara forão pagos de seus soldos & mantimentos, & desta maneyra dera esta fortaleza grande trabalho aas terras do Xeque Dadem que jazião naquela costa, porque lhes tolherão os mantimentos que lhes vão de Barbora, Zeyla & doutros lugares da terra do Preste. E não auendo armada do Soldão em quez, não auia outra que podesse impedir a nossa, porque se não podia fazer por não auer em todo ho mar roxo lugar em que aja madeira pera isso nein ferro, nem outros materiais necessa

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