CORRESPONDENCIA DE D. ANTÃO D'ALMADA Carta a Francisco Xavier de Mendonça Furtado, de 29 de Setembro de 1766. Ill.mo e Ex.mo Sr. Quando os successos dependem da inconstancia do tempo, não pode segural-os a imaginação: cinco até seis dias havia de durar somente a nossa viagem desde essa cidade até este porto, mas foram dezouto os que gastamos nesta travessa, e em alguns com bastante incommodo e muito trabalho, pela rigorosa tormenta de vento sudoeste que no dia dezanove nos durou até o dia vinte e quatro, e suposto que eu passei bastantemente mal, tive a consolação de que a senhora D. Violante e meus filhos se não oprimirão de sorte que me dessem o maior cuidado. Chegamos em fim no dia vinte e outo do corrente a esta cidade e fico cuidando em dar principio ao governo de que Sua Magestade foi servido encarregar-me. Desejo que você se lembre sempre de favorecer-me, dirigindome para tudo o que for para maior acerto meu, e me permitta as suas noticias que estimarei conseguir, com os seguros de que você se conserva com perfeitissima saude, dando me sempre os honrosos empregos de servil-o. Deus guarde a você muito annos. Angra 29 de setembro de 1766 Ill.mo e Ex.mo Sr. Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Subdito e fiel amigo e captivo seu. (Arch. nac. da T. do T., Pap. do Minist. do Reino, Maç. 611.) Officio ao Conde de Oeiras de 29 de maio de 1767, sobre os excessos do Juiz contador da calfandega de Ponta Delgada. Ill.mo e Ex.mo Sr. Sendo me prezentes. logo que cheguei a esta Ilha os incivis e sinistros procedimentos do Juiz contador da Alfandega da Ilha de São Miguel, José Ignacio de Albuquerque, ja procedendo com manifesto dolo a uma nulla devassa de descaminhos da fazenda Real, em cazo que de nenhuma sorte lhe competia, dirigida somente a oprimir e vexar, com aquelle falso pretexto ao capitão Agostinho de Barros Lobo, Recebedor ou Feytor da mesma Real Fazenda, desN.o 30-Vol: V--1884. 8 lustrando ao mesmo passo o sargento mor commandante da dita Ilha Antonio Borges de Bittancurt; e ja commetendo varios conloios e extorsões, contra a dita Fazenda e seus rendeiros: com esta noticia plenamente comprovada pelos documentos juntos ao requerimento do sobredito feytor que me foi apresentado, determinei ao Provedor fizesse remetter å minha prezença a dita devassa para ser vista e examinada e tomar a este respeito a resolução que me parecesse justa, ordenando logo ao dito Commandante prendesse à minha ordem o mesmo Juiz contador no castello d'aquella cidade, o que com effeito assim se executou. Pela mesma devassa e documentos juntos, bem se evidencia a paixão desordenada do dito Juiz contador contra os sobreditos commandante e feytor da alfandega e a pessima conducta com que se havia portado no exercicio do seu cargo; pois não lhe sendo facultado semelhante procedimento, ainda de se darem os suppostos descaminhos, com que a quiz pretextar, sem expressa ordem de Sua Magestade pa ra conhecer do referido commandante, sobre a intendencia das obras das fortificações daquella Ilha, só a este incumbida pela secretaria de Estado, da mesma sorte lhe não era permittido o procedimento do sequestro contra a pessoa e bens do dito Feytor, não devendo este do seu recebimento couza alguma á Fazenda Real, como se mostra da certidão f. 78, acumulando a estes factos os constantes dos documentos f. 62, 105, 109, 143, 153, 156, 158, 16 e 162, na verdade dignos de um exemplar castigo. Em attenção do exposto e do mais que se ponderou na Junta particular de ministros que convoquei para o devido acerto no prezente cazo se resolveu por elles, depois de vista a devassa, e mais papeis. e que se faz patente do assento lavrado sobre este ponto, de que remetto a copia: e na sua conformidade se remetteo a dita devassa á Junta da Fazenda aonde foi julgada nulla, como se vê do accordão f. 169 v.o, e se passou ordem minha para a soltura do dito Juiz contador satisfazendo primeiro o que constava dever á Fazenda Real, fican do comtudo suspenso do exercicio daquelle cargo, não só pelas desordens acima referidas, que bem deixam conhecer a sua notoria incapacidade, mas tambem por me persuadir que na forma da Ley de 22 de dezembro de 1761, que aqui se manda praticar, se acha extincto este officio e seus officiaes Ao que acresce o haver na dita Alfandega Juiz privativo do expediente della que bem pode exercer um e outro emprego, como se pratica nas mais deste governo. Deste perverso procedimento da devassa, ainda que desfarçado na supplica que me fez para ser solto aquelle Juiz, a qual tambem remetto, foi verdadeiro auctor o advogado Antonio Rebello Borges da Silveira, como é constante por informações veridicas conspirando sempre pelo seu odio, contra os ditos commandante e Agostinho de Barros, de quem elle se declara capital inimigo, por estes não assenti tirem as diabolicas maximas do seu depravado intento, com que pretende subjeitar tudo ao seu despotismo, por meio de uma terrível parcialidade, de que elle é o cabeça, como ja ponderei a V. Ex.a a outro respeito; e chegando a tal excesso a sua malevolencia, que com o nome suposto da Regente do Recolhimento de Sant'Anna daquella cidade, se queixou falsamente a Sua Magestade do Desembargador Antonio de Mesquita e Moura, que fiz corregedor desta comarca, por este lhe fazer justiça, sem attenção aos seus desordenados interesses, sobre o particular de que rezultou aquella aleivosa queixa, cuja falsidade se verifica de plano, pela copia da carta da mesma Regente que vae assignada pelo secretario do governo o que tudo me parece devo communicar a V. Ex.a para que, pondo-o na prezença de Sua Magestade me determine o que for do seu Real Agrado.-Deus guarde a V. Ex. muitos annos. Angra 29 de Maio 1767-Ill.mo e Ex.mo Sr. Conde de Oeyras O governador e Capitão General das Ilhas dos Assores D. Antão de Almada. Auto da Junta convocada pelo Capitão General para resolver a questão do Contador; 8 d'abril de 1767. Copia Aos outo dias do mes de Abril de mil sete centos sessenta e sette no Paço da Alfandega em que assiste o Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Governador e Capitão General Dom Antão d'Alnada, ahi em Junta composta delle dito senhor Governador Presidente e do Desembargador Corregedor Alexandre de Proença Lemos, do Desembargador Antonio de Mesquita e Moura, do Desembargador Provedor da Fazenda Real o Doutor José d'Arriaga Brum da Silveira e do Juiz de Fora da mesma cidade Valerio José de Leão pelo dito senhor Governador foi dito e proposto que pelos injustos e escandalosos factos do Juiz, contador da Alfandega da cidade de Ponta Delgada na Ilha de S. Miguel José Ignacio de Albuquerque, ja procedendo a uma devassa nulla de descaminhos da Fazenda que lhe não competia pronunciando e procedendo por ella apaixonadamente, ja commettendo diversas extorsões contra os rendeiros e cobradores da Fazenda Real ou suas rendas, o que tudo melhor constava dos documentos que apresentou e de que elles ditos Ministros estavam informados, por cujo motivo o tinha mandado recolher ao castello de São Braz da dita cidade; e por quanto nesta prizão existia, havia trez mezes e meio, e elle prezo the requeria a sua soltura, excuzando-se dos taes factos com pretextos e desculpas ainda que frivolas, suficientes para em nada proceder sem o parecer delles Ministros, occupados no serviço de Sua Magestade, assim queria lhe patenteassem os seus pareceres, para no cazo de serem contrarios ao seu, se sugeitar ao que fosse acompanhado de maior numero de votos e se deliberar o proce dimento que nisto se havia de ter, e sendo assim proposto pelo dito senhor governador prezidente, ponderado pelos ditos Ministros tudo o que nos documentos havia de consideração, os quaes tinham examinado já de antes com madura e seria reflexão, procedendo-se a votos. na forma do estillo, se assentou uniformemente, que, vistos os factos constantes da devassa, e mais documentos juntos, com a queixa do pronunciado Agostinho de Barros, não só tinha sido justissimo o procedimento da prizão até este tempo, mas que ainda se faziam meritorios da prorogação desta. Porem que quando a piedade de Sua Excellencia o commovesse a facultar-lhe a soltura, nisto assentiam, por aquelle principio, mas com a declaração de que ficasse suspenso do officio de Juiz contador, vistos os erros que nelle tinha commettido, em quanto se desse conta a Sua Magestade para resolver sobre este incidente, ao que requereo o Ministro Provedor da Fazenda que na or dem da sua soltura se declarasse que esta se não daria a execução, sem que o dito prezo satisfizesse à Fazenda Real um resto que lhe constava dever, e tudo o mais de que se soubesse ser a ella devedor. E em quanto à devassa, se determinou que esta fosse remettida á Junta da Fazenda, de novo erecta nesta cidade, para ahi se lhe deferir conforme o seu merecimento, visto ser tirada sobre descaminhos da Fazenda, e por official della, e que para tudo se passassem as ordens necessarias; e a da soltura do Juiz contador em que convieram, com aquella declaração, e para que a todo o tempo constasse esta resolução, se lavrou este assento que assignou o dito senhor Governador com os ministros acima referidos. Dia ut supra &.a Dom Antão de Almada Alexandre de Proença Lemos Doutor José de Arriaga Brum da Silveira Antonio de Mesquita e Moura Valerio José de Leão. = BARTHOLOMEU DEZCALÇA E BARROS. Carta da Regente do Recolhimento de Sant'Anna, de Ponta Delgada; 3 de maio de 1767. Copia-Ill.mo e Ex.mo Sr. Por nomeação do Padroeiro deste Recolhimento de Santa Anna me acho Regenta delle, e por este empre go obrigada a ser molesta a V. Ex. com esta carta. Assim eu como as mais que rezidimos neste dito Recolhimento nos achavamos livres das perturbações do mundo e só cuidando em exercitar o que a elle viemos buscar; e gostosa da pouca lembrança do mundo experimentavamos delle, para com nosco, o mesmo esquecimento, mas porque (não) ha bem muito continuado, pareceu justo ao Doutor Antonio Rebello Borges da Silveira, fizessemos papel nas suas tragedias, e vencendo com rogos e arrogantes promessas para a nossa Igreja (no tempo da minha antecessora) o recolhermos para nossa com panhia uma D. Anna Maria da Camara, a cuja tutella estava incumbida uma sua neta de menos idade, que pretendia o sobredito casasse com seu filho, e com effeito entrando esta para o nosso Recolhimento, foi canza das dezordens que hão-de ter chegado á prezença de Vossa Excellencia cujos factos nos tem dissaboriado tanto, que me faltam palavras para os expor; formando queixas em nosso nome sem dellas termos noticia, obrigando com o seu respeito e grande amizade que tem com os Ministros, a que estes me mandassem fazer notificações para me vexar com o temor do que dellas me podia rezultar, do que ja me vejo livre por recta justiça de V. Ex.a, a quem beijamos os pés pela especial mercè de attender a tanta sem razão, que contra es ta pobre pupilla e nós todas se tem praticado. E com a reverente submissão o reprezento a V. Ex.a que ha pouco menos de um mez me mandou o dito Doutor Antonio Rebello (com promessa de grande interesse) pedir fizesse assignar um papel em branco pela pupilla de que estou encarregada, e, por não satisfazer a este pedido, me ameaça que me ha-de tirar de Regente e fazer-me o mal que costuma; e como ainda outros, que o não deviam temer, o receam, julgue V. Ex.a com que temor não fica uma pobre mulher, sem amparo algum. Porem espera achal-o na bondade de V. Ex.a, para que nani experimente os ultrajes que me promette. Assim o espero de tão poderosa protecção, e em quanto fico pedindo a Deus e a Senhora Sant'Anna illustre a Vossa Excellencia e lhe conserve a vida dilatada para remedio dos aflictos como eu fico com aquelles ameaços. Ponta Delgada 3 de maio de 1767.-Beijo as mãos de Vossa Excellencia De V. Ex. reverente creada Catherina Maria da Apresentação. a BARTHOLOMEU DEZCALÇA E BARROS. (Arch. nac. da T. do T., Pap. do Minist. do Reino - maço 611.) Officio ao Conde de Oeiras de 25 de maio de 1767. Ill.mo e Ex-mo Sr. Tenho a honra de segurar aos pés de V. Ex.a a minha veneração, a minha obediencia e o meu respeito dezejando ter os seguros de que V. Ex. se conserva com perfeitissima saude para remedio universal de toda esta Monarchia e para consolação particular dos que tem a fortuna do seu amparo; nelle firmo todas as minhas felices esperanças, tendo por certo, que como creatura de V. Ex. com o invariavel exercicio da minha resignação bei-de merecer ao seu favor a especialidade de continuar V. Ex. a dirigir-me com as suas particulares instrucções de modo que me possa conduzir feliz a a |