heroe, attesta, porém, a sinceridade do poeta e a certeza da sua intuição. A's Musas agardeça o nosso Gama Porque o amor fraterno e puro gosto Encontrando-se, face a face, o litterato e o poeta, um a impôr a admiração dos modelos classicos, outro accesa a imaginação pelo patriotismo: Camões cuja rude franqueza lusitana infringira as regras da arte para confessar a verdade ingenua do seu pensamento, não duvida tambem deprimir os seus maiores, Homero, Virgilio: Esse que bebeo tanto da agoa Aonia, Cantem, louvem e escrevão sempre estremos 1 C. v, 99-100. Ventos soltos lhe finjão e imaginem Essa verdade é o patriotismo, que se tornou uma fé absoluta : cesse por ella a fama de todos os antigos heroes, cesse à gloria de todos os poetas antigos, Que eu canto o peyto illustre Lusitano O sentimento firme da grandeza dos actos praticados, a consciencia da nobreza da gente e da excellencia do tempo, esse optimismo absoluto, é o que torna possivel a epopeia e determina a concepção do poema. Os Lusiadas andavam dispersos no pensamento de todos os portuguezes: Camões foi o verbo nacional que exprimiu o sentimento collectivo. Ha em todos o desejo de verdade, que constitue um dos traços ingenuamente populares do poema. Quer-se a deposição dos factos. Venha cada qual e diga se tudo o que se conta succedeu ou não. Não se trata de fabulas, trata-se de realidades que, de facto, excedem toda a fabula. a Os turcos em suas cantigas, diz João de Barros , louvam os feitos de armas e cavallarias de seus capitães, e em toda a Europa mais proveito de tal musica nasceria do que nasce de saudosas cantigas e trovas namoradas). Esta condemnação do lyrismo petrarchista é a expressão ingenua da confiança epica dos espiritos. Quando Baccho, perseguindo os lusitanos, se queixa a Neptuno dos seus atrevimentos, diz-lhe: 1 C. v, 87-89. —2 C. 1, 3. -3 Paneg. de D. João III. Vistes que com grandissima ousadia Ora, os portuguezes do tempo acreditavam sinceramente, e com bastante razão, com effeito, que em verdade estavam praticando as ousadias denunciadas por Baccho. Na Africa tinham maritimos assentos : uma gargalheira de feitorias que a cerE como revelaram os mundos todos, exgotando a terra, nada mais restava a fazer, pois a gente portugueza cava em toda a volta. Na Asia, eram mais que todos soberanos, desde que Albuquerque, estendendo o imperio desde a Arabia até à China, lhe pozera os tres pontos cardeaes em Ormuz, em Goa, em Malaca. Aravam além d'isso os campos na quarta parte nova, a America, descoberta por Pedr Alvares Cabral. Por isso, o poeta prophetisava que os lusitanos Novos mundos ao mundo irão mostrando. 2 1 C. vi, 29. - 2 C. 11, 45. Se mais mundo houvera, lá chegára, 1 uma vez que nada a assusta, e perante ella, de joelhos, o poeta exclama incendiado em enthusiasmo : Oh gente forte e de altos pensamentos A apotheose da nação está feita; o poeta vae cantar os seus actos, os seus heroes : Hum Pacheco fortissimo, e os temidos Mas para o fazer pede ... hũa furia grande e sonorosa, «Nasce de tal musica mais proveito do que de saudosas cantigas ou trovas namoradas), dizia tambem João de Barros. E o proveito, o lucro, a utilidade, são idéas que véem tambem sommar-se a todas as anteriores no pensamento de um poema inspirado pelas façanhas da navegação e do commercio, desabrochando ao sol da sciencia que na Renascença pairava já alto no firmamento mental da Europa. 1 C. VII, 14. – 2 C. :1, 47.-S C. 1, 14. - 4 C. 1, 5. |