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personalidade de Júlio Denis desenha-se fàcilmente depois do que temos escrito. Do seu fundo moral, da sua nobreza de carácter, das suas qualidades afectivas, quer dentro da família, quer na constância das suas relações. com os amigos, falam os seus livros, retratos da sua maneira de sentir, e as suas cartas particulares, documentação preciosíssima em apreciações desta natureza. Todos os seus biógrafos, alguns dos quais com êle viveram e outros que tiveram ao seu dispor fontes directas de informação, são concordes em pôr em relêvo as altas qualidades que o distinguiam. Nem um só deixa de acentuar. Procuram assim mostrar a harmonia do seu modo de ser pessoal com a sua obra de romancista, em que as per

sonagens apresentadas são, em geral, modêlos de virtudes.

A obra de Júlio Denis seduz por êste aspecto moral, embora tivesse sido esquecida, se outras qualidades, que já pusemos em relêvo, a não recomendassem. Entre tôdas avulta a verdade com que soube copiar do natural. Todos os que conhecem os meios onde se desenvolvem as scenas dos seus romances as podem surpreender a cada passo, tirando uma ou outra dramatização mais violenta, pois, felizmente, a vida das famílias não anda constantemente ao baldões de perturbações invulgares, embora admissí

veis.

Por outro lado, Júlio Denis é um psicólogo delicado. Não desce à apreciação dos subterrâneos das almas torturadas. Pesava-lhe mesmo fazê-lo; mas consegue pôr em relêvo o que nas almas boas e delicadas há de mais subtil e generoso. Respira-se bondade nos seus romances, nas suas poesias, nas suas cartas, nos seus inéditos das primeiras idades, nos seus apontamentos particulares. Tem-se a certeza, depois de passar em revista todos êsses documentos, que a sua estrutura moral está inteiramente de acordo com aquilo que dêle escreveram os seus críticos.

«A sua vida decorreu geralmente serêna» -escreve Sousa Viterbo- «semelhante ao lago

cristalino, cujas águas nunca se increspam pela tormenta, reflectindo apenas as sombras de algumas nuvens passageiras. Diversas circunstâncias contribuiram para êste resultado, não sendo menor a do seu temperamento, sòlidamente constituido, insensível às fortes comoções perturbadoras. O seu espírito recto, bem equilibrado, como que parecia obedecer às ponderações do cálculo». (1)

Não lhe faltaram, como dissemos, desgostos e contrariedades. Viu desaparecer, uma a uma, pessoas da família que lhe eram queridíssimas: sua mãe e seus irmãos; sentiu, pouco a pouco, o seu aniqüilamento, pois a tuberculose ia-lhe minando, dia a dia, as fracas energias orgânicas que tinha; mas a sua resistência psíquica valia mais que o descalabro dos seus pulmões.

«Além de um cérebro finamente equilibrado>> -prossegue o mesmo crítico- «de um espírito esclarecido, de uma enérgica fibra moral, outros motivos não menores influiram para contrabalançar as desditas e contrariedades que são os marcos miliários que mais freqüentemente se

(1) Sousa Viterbo, in prólogo do volume I dos Inéditos e Esparsos de Júlio Denis, 22.a edição, pág. 7.

levantam no caminho que nos é dado percor

rer».

Esta nota apreciativa do seu complexo psíquico é partilhada por muitos outros. Rodrigues Cordeiro, no prólogo que antecede as últimas edições das Poesias, diz, referindo-se à sua obra:

«Os romances de Júlio Denis eram a imagem do seu carácter. Homem honesto, singelo, pundonoroso, grato, amigo do seu amigo, entusiasta do belo, de escrupulosíssima consciência, sem invejas nem ambições, cheio de modéstia e talento... >>

A êste côro de encómios, que, da apreciação da obra, caíram mais fervorosos e mais entusiastas sobre o autor, junta-se Alberto Pimentel, que o conheceu pessoalmente, com estas expressivas palavras:

«Coração de ouro, afectuoso, impressionável, carácter honesto, justo, incapaz duma ligeira ofensa, a si mesmo se daguerreotipa involuntàriamente nos seus romances, nas suas personagens admiráveis de candura e pureza, porque em tôdas elas há alguma coisa da sua alma.» (1)

(1) Alberto Pimentel, loc. cit., pág. 32.

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