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E segue neste tom, exagerado por vezes, numa ânsia de novas e, de há muito, desejadas sensações. Laura viu nestes versos a explosão da sua sentimentalidade amordaçada e que ela conseguira despertar. Denunciavam-no, tal como era, sem restrições, em tôda a pujança de vida, em tôda a exuberância de uma adolescência reprimida..

Laura não se teve que não lhe observasse :

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É preciso não se deixar também arrastar pela corrente oposta. Acredite-me: se se enganou procurando a ventura no isolamento, não menor desengano o espera se a procurar nessa vida de agitação em que fala».

Escusado é dizer que, àparte êsté ligeiro incidente, o diálogo entre Laura e Valentim terminou ràpidamente, por um completo entendi

mento amoroso.

Quando Valentim se retirava, D. Ana Soares, a mãe de Laura, convidou-o para a acompanhar no passeio matinal do dia seguinte, pois desejava falar-lhe de um negócio de consciência. Valentim aceitou.

Não podemos, porém, satisfazer a curiosidade dos leitores que nos tenham acompanhado nesta digressão através do precioso inédito de Júlio Denis.

Este interrompe-se na altura em que, tendo-se

defendido Valentim de ouvir o caso de consciência de D. Ana, «por ser novo para a aconselhar e não lhe ter ainda o sacerdócio dado autoridade para julgar em casos de tanta montá», a confidência ia a ser ouvida, porque se tratava de Laura. Termina exactamente neste ponto o manuscrito.

Há neste último capítulo uma descrição que merece ser arquivada. É a que D. Ana faz da paisagem que se disfruta da esplanada onde resolveu descansar, antes de começar a conversa com Valentim, e que ficava junto à Casa de Alvapenha:

«-...Repare, já viu outro panorama assim? Como a vista se estende suavemente por esta encosta abaixo, por êstes prados matizados de azul, para se elevar acolá, àquele montículo, tão vestido de verdura, onde se escondem as casas alvas como gêlo e, depois, mais além, a cinta de pinheiros que parecem coroar esta perspectiva e deixam atrás de seus estreitos troncos perceber a orla azulada do mar tranquilo...»

Esta paisagem é mais uma vez a descrição de terras de Ovar. Não há dúvida. A Morgadinha nasceu naquelas paragens, viveu nos primitivos esboços manuscritos a vida ignorada que hoje vimos trazer a público, e só mais tarde adqui

riu aquela doce e inteligente compostura que lhe conhecemos, na forma definitiva do romance, quando apareceu em 1867. A paisagem onde nasceu não é a minhota, onde veio afinal a fixar-se. Também parece que o romancista, a-pesar da predilecção com que a escolhe, não a considera acima de outras, entre as quais a da Beira-Ria.

Na Família inglesa (1), escreveu o roman

cista:

«Pois por serem belos os vergéis do Minho, perdem a beleza as lezírias do Vouga, ou até as paisagens alpestres de Trás-os-Montes ?»

E nas lezírias do Vouga está incluida a região de Ovar.

(1) Júlio Denis, Uma Família inglesa, ed. cit., pág. 136.

VII

ORIGENS DO ROMANCE
«A MORGADINHA DOS CA-
NAVIAIS »

IV

O exame do manuscrito que acabamos de fazer deduz-se que o romance inicial donde devia sair a Morgadinha dos Canaviais, era afinal uma scena singela com um esbôço simples de dramatização que não podia prolongar-se por muitas páginas sem perder o interêsse, pecado de que não pode acusar-se Júlio Denis.

Era exiguo o elenco, fraco o movimento e limitada a enscenação. Procurámos nos papéis inéditos do romancista a explicação do facto, tanto mais que a Morgadinha é dos mais agitados romance de Júlio Denis.

Não encontrámos coisa que inteiramente nos satisfizesse. Contudo, são curiosos os novos subsídios que um outro manuscrito nos forneceu. Já citámos o seu título:

Capítulo II Scenas e retratos de família.

Por baixo escreveu a sr.a D. Ana Gomes Coelho da Silva, a paciente e inteligente coleccionadora dos manuscritos de seu tio, estas palavras a lápis, já bastante sumidas: «Escrito antes da Morgadinha, de que dá uma idea» (1).

Neste capítulo segundo (2), fala-se de Torcato, o nosso conhecido sr. Torcato, criado da sr.a D. Vitória e das meninas, no romance definitivo; homem honrado e de confiança, já um pouco da família; e de Angelo, que era o filho da casa. Refere-se o romancista, nestes apontamentos, a uma maldade que Angelo fizera a Torcato, mas cujas particularidades ficam desconhecidas, por se ter perdido a primeira parte do manuscrito.

(1) No manuscrito Á porta do templo, que acabamos de largamente apreciar, está também escrita uma nota da mesma senhora, que diz: «Desta obra aproveitou alguma coisa para a Morgadinha.»

(2) Perdeu-se o primeiro e apenas existem algumas páginas do Capítulo III, que se intitula: Uma inquirição inocente,

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