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Apenas um outro se lhe aproxima pela finalidade. É êsse interessantíssimo conto que se intitula: Uma flor dentre o gélo.

No Canto da Sereia é um adolescente que dá a vida para poder fitar, uma vez ao menos, aquela em que concentrou tôda a sua existência afectiva. Em Uma flor dentre o gélo é o velho doutor Jacob, preso pelos encantos de Valentina, que, após uma vida equilibrada de labuta clínica, se envolve nas trevas da loucura.

Mesmo os espíritos mais desanuviados, que se esforçam por, na vida, só quererem ver o que ela tem de bom, de nobre e de elevado, caem, por vezes, em horas de desalento. E transparecem, então, em aspectos aparentemente discordantes como aqueles que Júlio Denis traduziu nestes dois pequenos romances: inesperadas manifestações do seu vigoroso talento de escritor.

XII

«AS PUPILAS DO SR. REITOR»

NTRE todos os romances de Júlio Denis ocupam as Pupilas o mais alto lugar. Tiveram, desde logo, uma grande expansão. Concorreu

para isso o sucesso inicial, quer nos folhetins do Jornal do Porto, quer na primeira edição que se lhe seguiu, e se esgotou num mês, e ainda o desenvolver-se a acção no meio campesino, o que atrái sempre os leitores desejosos de repousarem a imaginação no entrecho simples das scenas rurais. Mas acima de tudo, o romance impôs-se porque o autor soube dar vida a personagens que ficarão para sempre na tradição popular. Romance de costumes, dum flagrante realismo, saindo dos modelos das publicações similares da época, marcou o advento duma nova escola. A obra de Júlio

Denis, fundamentalmente portuguesa, apologia entusiástica da vida das nossas aldeias, reprodução fiel dos tipos que a nobilitam, que viveram e hão de viver sempre na tranqüilidade da vida campesina, não fenecerá, como tantas outras que só um público especial pode compreender e apreciar. E as Pupilas são a sua obra prima por excelência (1).

São páginas cheias de verdade. As personagens aproveitadas pelo romancista são, mais do que em qualquer outra obra, copiadas do natural e as scenas do campo descritas com um cui

(1) Os lucros das primeiras edições de Júlio Denis não foram grandes. De um dos seus apontamentos extraímos a seguinte nota que se refere a tôdas as obras publicadas:

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dado e meticulosidade que nunca foram excedidos.

As Pupilas foram escritas em Ovar. Sôbre o assunto não encontramos discordâncias. Nem pode havê-las depois que vieram à luz da publicidade uma das notas em que êle próprio o declara e algumas das suas cartas dessa época (1863), em que há referências a lugares e a personagens que se encontram nas Pupilas.

O romance não foi só escrito em Ovar; de lá tirou o autor todos os elementos para o escrever. Ora isto é que tem sido contestado. Chegaram alguns críticos a julgá-lo um produto de imaginação. Como se alguém pudesse conseguir figuras tão reais como as que exibe Júlio Denis, e especialmente nas Pupilas, sem que elas fôssem tiradas do natural! Como se fosse fácil fazer as admiráveis aguarelas das suas scenas, cheias de vida e de côr, em que a

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verdade anda a jorros, sem as copiar fielmente de episódios aldeãos!

Mas mesmo os que concedem a Júlio Denis qualidades de escritor realista, não admitem a localização que fazemos do romance a terras vareiras. Antero de Figueiredo, num artigo que publicou nos Serões, em 1906 (1), emite opinião contrária. Para o ilustre escritor, Júlio Denis levava consigo para onde ia as paisagens e as personagens:

«Essas equilibradas figuras bemquistas, consertara-as mais a sua índole do que as viram seus olhos. Uma vez criadas em sua poética imaginação e afagadas as asperezas da realidade que feriam a sua alma terna, buscava uma atmosfera de branda simpatia que não interrompesse seus sonhos imprecisos e primorosos de idealista».

Somos de opinião oposta. O criador do romance naturalista em Portugal pôs apenas a imaginação ao serviço dos pequenos enredos em que envolve as suas personagens. Estas atraem, principalmente, pela verdade com que são apresentadas em scenas regionais.

E dizemos regionais, referindo-nos a Ovar

(1) Serões, n.o 14, Agosto de 1906.

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