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plexo associativo que lhe determinava uma atracção particular pela rapariga que o pronunciasse naquela modalidade do-a-muito. aberto. Este provincianismo de pronúncia ainda se sente bastante na região vareira.

Na Família inglesa também aparece a expressão. É Cecília que pronuncia a mágica. palavra :

<< -- Esteve doente, Cecília ?»-preguntou Jenny, acomodando o chapéu da amiga.

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Não, por que mo pregunta?

«Nem eu sei. Parece-me ler-lhe no rosto... e depois... veio tão tarde.

«< - Ai, menina» — replicou Cecília, sorrindo e ajeitando o cabelo que o chapéu desordenara «é que se soubesse... Hoje fiz de fidalga. Levantei-me depois das oito horas.

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Sim, preguiçosa? E querem então ver que se esqueceu de trazer aqueles cabeções de que me falou ?

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- Agora. Olhe; trago êsses e até mais alguma coisa...» (1)

Mas não é só nesta passagem que a preferida de Carlos Whitestone junta êste atractivo

(1) Júlio Denis, Uma Família inglesa, ed. cit., pág. 142.

e

tão particular às suas qualidades afectivas. Conversando com o pai, o Manuel Quintino,que delicado diálogo é êsse!-trocam-se estas frases:

<«<-Pois o que eu queria pedir-lhe» disse Cecília passando os dedos por entre os cabelos brancos do pai-- «era que comprasse outro guarda-chuva, que, a falar a verdade, aquele sempre está !

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---

- Ora! Cuidei que era outra coisa!
Não importa, mas prometeu.

Pois sim, mas escuta...

Àgora escuto, que tenho mais que fazer.»>

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Chegámos até a convencer-nos de que fôsse Cecília que não conseguimos identificarquem tivesse atraído o romancista com O curioso provincianismo.

Nos seus inéditos, aqui e acolá, aparece a interjeição com todo o seu ar regional (1), o que nos leva a concluir que o vocábulo era, de facto, um pequeno atractivo feiticista que prendeu o romancista nos seus devaneios.

(1) No inédito Similes Similibus, por exemplo, aparece o vocábulo na bôca da engraçada Livínia. É de notar que a acção se passa no Pôrto e que esta Livínia tem todo o ar de ser a mesma Cecilia dos seus devaneios dos vinte anos.

Daniel diverte-se em Ovar com a Francisca do João da Esquina, resolve conquistar o coração de Clara e acaba por namorar Margarida, a pupila que mais interessava o sr. Reitor. Ora pela maneira por que a descreve não há dúvida de que a insinuante rapariga era D. Ana Soares Barbosa Simões, filha de Tomé Simões de Rèsende, recebedor de décimas no concelho de Ovar. Júlio Denis passava horas à conversa na recebedoria, em que, como dissemos no primeiro capítulo dêste trabalho, se reüniam o dr. João da Silveira, o Cura Dias, o dr. Arala, além de Tomé Simões, e onde êle pôde estudar algumas das personagens do romance.

Este amor que Júlio Denis despertou no coração da atraente aldea, não desapareceu com a ausência do romancista. Perdurou durante anos, e transformou-se mais tarde na saudade que com ela viveu no recato, nunca desvendado, dos seus melhores afectos.

Estamos em crer que, pelo seu lado, o romancista também lhe correspondeu, mas não com a mesma intensidade. Sobretudo foi efémera a duração dêsse afecto. Não foi muito além do tempo em que esteve em Ovar.

Mais tarde teve remorsos; e não os teria se essa afeição não tivesse tido um certo relèvo na sua vida sentimental.

Há na colecção das suas poesias uma fla

grante alusão a êste estado de espírito. Bem merece ficar aqui arquivada, porque é, de facto, a prova da afeição que conseguiu despertar em Margarida, e cuja recordação o compungia tempos depois :

EM HORAS TRISTES

«Ela vivia só naquela aldeia,

Sem ter um coração que a compreendesse..
Passei um dia ali, falei-lhe, amei-a...
Ai! Se êsses tempos esquecer pudesse!

«E julgou-se feliz! Pobre criança !
Era feliz naqueles curtos dias;

E eu deixei-lhe nascer, sem esperança
E sem porvir, aquelas alegrias!

« Ó! Como é sem piedade a juventude!

Como é cruel a idade dos amores!
Desfolhamos as flores da virtude
Como se fossem verdadeiras flores!

«Sopra-se ao coração, que a nós se entrega,
A lavareda de violenta chama,
E ao capricho cruel da paixão cega
Sacrifica-se tudo quanto se ama.

«E eu fí-la entrever em doce enleio
Dum mundo novo as mal sonhadas scenas ;
E senti-a còrar e arfar-lhe o seio,
E delirante suspirar apenas!

«Parti, jurando amá-la tôda a vida.
Pude fazer aquele juramento!

Ela ficou chorando-me, iludida,

E eu paguei-lhe a ilusão com o esquecimento.

«Perdido dos prazeres no tumulto,
Levado nessa rápida voragem,
Não mais pensei naquele doce vulto;
Nunca mais entrevi a sua imagem.

«E ela?... Talvez no coração ferida
Por minha leviandade criminosa,
Vivesse dias de enlutada vida,

Sem ter na terra a sagração de espôsa.

«Ai, memórias cruéis do meu passado,
Como pungentes me ferís agora!
Poupai, poupai-me o coração magoado,
Livrai-me do remorso que o devora.»

Esta poesia foi escrita muito mais tarde, em 1869, no Funchal. D. Ana Simões deixou vestigios na sua passagem pelo coração do romancista. Nem de outra forma se compreende que pudesse recordá-la seis anos depois!

Júlio Denis ainda escreveu algumas cartas a D. Ana Simões-a Margarida das Pupilas.Mas, passado algum tempo, do amor que lhe dedicou apenas ficou o remorso que, nestes casos, é ainda um sucedâneo próximo dêsse afecto dominador.

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