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Gomes Coelho e os Médicos, que João José da Silveira fêz a defesa da sua dissertação inaugural em 16 de Dezembro de 1841. Acrescenta o malogrado professor que esta tese se não encontra na colecção das dissertações da Faculdade de Medicina do Pôrto, e assim faz-se eco da opinião do sr. António Dias Simões, dizendo que tinha por título: Fistula do ânus.

Pudemos haver às mãos o exemplar dêsse trabalho, que deve ter sido pertença da Escola Médico-Cirúrgica do Pôrto, porquanto é escrito em boa caligrafia, que não é a do dr. João José da Silveira, e está ainda adornado com dois laços de fitas de sêda, um encarnado e outro amarelo, como era de uso nesse tempo.

Consta-nos que existe, ou existiu em Ovar, e nos papéis do próprio dr. João da Silveira, um outro exemplar escrito em papel de carta e pela sua própria letra. A-pesar das diligências empregadas, não pudemos examiná-lo. Devia ser o rascunho pelo qual se orientou o candidato na defesa do trabalho.

A dissertação que temos à vista é escrita em papel de ofício (1) e apresenta os seguintes di

zeres:

(1) Mede 22×18 cm. A tese não é paginada. Áparte a introdução, ocupa 17 páginas. Ao todo 19 incompletas.

«Dissertação sobre a Fistula do ano. Apresentada à Escola Médico-Cirúrgica do Pôrto por João José da Silveira.»

Na página imediata escreveu a seguinte dedicatória:

«Á Saüdosa Memória de Meus Pais. Por Gratidão e amizade oferece João José da Silveira.»

Segue-se um prólogo que, à maneira dos que lêmos nas teses de hoje, diz a razão do trabalho. É menos violento do que a maioria dos que hoje transitam pelas mãos dos professores e serve-o uma linguagem mais amaneirada, como era de uso na época. Não era João José da Silveira um estilista, nem parece que a palavra lhe escoasse rápida do bico da pena; mas nem por isso deixa de ser interessante transcrever o que na introdução ao trabalho êle dizia aos seus professores.

«Senhores:

«Forçado da necessidade, não é sem receio. que hoje venho submeter ao juízo tremendo de tão recto e ilustrado Magistério o ofício extremo de meus trabalhos escolares. É uma verdade fora de tôda a dúvida, que nenhuma sciência

humana joga com tão grande número de conhecimentos como a Arte de curar, e que a mais pequena parte encerra o todo em miniatura.

«Esta verdade, Senhores, deve fazer tremer sempre os talentos de primeira ordem quando tiverem de tratar de tão ampla e nobilíssima sciência: e eu, inteiramente desfavorecido da natureza, pois não conheci dêsses preciosos dotes, que ela com mão pródiga e caprichosa reparte com os seus favorecidos, não deverei arrecear somente, mas até descoroçoar de todo, e abrir mão a tão pesado assunto; todavia é mister tomá-lo a meus ombros, embora me seja muito onoroso em vista do que levo dito.

«Não é o amor da glória - bem o podereis presumir- cujas raias não desconheço e além das quais não é dado ir a minha ambição. Desejo pagar à Lei esta última dívida; desejo rematar decorosamente o meu curso Médico-Cirúrgico; tais desejos aqui me trazem, e êles só merecem algum favor e indulgência.

«A doutrina que exponho devo-a às vossas sábias prelecções e aos Autores mais noticiosos; só a ordem em que aparece me toca. Se conseguir arredá-la da confusão, consegui o desejado fim, e sou contente».

Há a notar uma emenda.

Êle primitivamente escrevera (final do prólogo):

«...só a ordem em que aparece me toca exclusivamente».

Êste exclusivamente, e quem sabe se em abôno da verdade, foi cortado pelo autor, que fêz outras pequenas correcções no seguimento do trabalho.

A tese é uma exposição do assunto feita com clareza e com método na distribuïção dos capítulos. Trabalho ligeiro, para se desobrigar da imposição do regulamento da Escola. Êle o define em precisos termos :

...«todavia é mister tomá-lo a meus ombros: embora me seja muito oneroso em vista do que levo dito».

Também o assunto, diga-se de passagem, e nessa época sobretudo (1841), não era dos que exigiam mais canseiras e mais largos comen

tários.

Dividiu João da Silveira o seu estudo nos seguintes capítulos:

I-Fistulas do ano, em que dá a definição do assunto.

II-Etiologia. Resumo das doutrinas correntes, algumas das quais ainda podem ser aceitas em nossos dias.

III-Sintomatologia. Capítulo mais desen

volvido, em que passa em revista as fístulas completas, as múltiplas, as incompletas ou cegas externas, e as internas. Sôbre as fístulas cegas externas cita Faubert, que nega a sua existência «por não ter visto fistula alguma da margem do ano que não comunicasse com o re

cto...

Acrescenta que «do mesmo sentir são Larrey e Sabatier»; mas João Silveira é de opinião oposta.

«Todavia, diz êle,

- nós damos observação por observação e nos pomos da parte do grande número de autores graves, que asseguram a sua existência» (1).

(1) Neste capítulo há três emendas de redacção: a) Descrevendo os primeiros sintomas da fístula do ânus, diz o autor que «o doente começa a sentir a sua existência por um calor ardente e picadas, que aumentam principalmente com a equitação.»

No exemplar da tese que compulsámos e que foi, provavelmente, enviado ao lente que o devia interrogar, cortou, por excessivo, o qualificativo: ardente. Achou que o calor, mesmo sem ser ardente, era bastante para o doente e, talvez, até para êle, candidato, a quando da defesa do seu trabalho.

b) Quando João da Silveira descreve a introdução do estilete de botão na fístula completa, indo de fora para dentro para encontrar «o dedo indicador antece

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