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XV

OUTRAS PERSONAGENS
DAS «PUPILAS »

D

E algumas personagens do romance temos falado no decorrer dêste estudo. Não iremos repetir o que está

dito, mas englobaremos neste capítulo tôdas as identificações feitas, e bastantes são elas, fazendo passar diante dos leitores as características dominantes dos tipos do romance e das pessoas que êles retratam.

Mais uma vez falaremos do sr. Reitor. É uma síntese o que nos descreve Júlio Denis. Foi tirado dum exemplar vivo com quem êle privou de perto, o padre Francisco Correia Dias, mais conhecido pelo nome corrente de Cura Dias, alma de eleição, padre exemplar, todo caridade e abnegação, a que a vila de Ovar deveu imensos serviços durante a epidemia de 1855 a 1856.

Num apontamento de Júlio Denis encontrámos, numa lista que intitula de romances completos, êste primitivo título: As Pupilas do senhor padre cura. Depois o autor cortou estas duas últimas palavras e substituiu-as por esta outra: Reitor. Este apontamento é bem signi

ficativo.

O padre Cura era mestre de latim e de português. As filhas de Tomé Simões, de quem êle era parente, tratavam-no por padrinho. Foram suas discípulas, tendo-se distinguido pela sua aplicação D. Ana Simões, que foi, como sabemos, a Margarida do romance. Com êle alcançou uma instrução acima do vulgar e que transparece através das diversas scenas em que intervém.

Mas o Reitor das Pupilas não é apenas o Cura Dias, embora êle bastasse ao romancista para o compor em todos os seus aspectos. Nos serões da Casa do Largo dos Campos, onde Júlio Denis viveu em convívio constante com sua tia afim D. Rosa Zagalo Gomes Coelho, devia ter-se falado muito do velho Reitor, já ao tempo falecido, padre João de Sequeira Monterroso e Melo, a que já nos referimos, e que foi o melhor dos párocos, inteligente e culto, que, em tôda a vida, apenas teve um objectivo: o bem dos seus paroquianos necessitados. A êle se deve a criação do Hospital de Ovar; por tôdas aquelas ruelas e casebres

pobres êle espalhou o rendimento da paróquia, resumindo todas as suas ambições nessa prática altruista.

Foi a vida dêste Reitor que inspirou a poesia inédita que atrás publicamos-A Oração do Reitor (1), uma das mais belas composições poéticas de Júlio Denis.

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A tradição que ficou em Ovar dêste padre Monterroso deve ter concorrido para a formação completa do tipo do Reitor das Pupilas. A sua memória dedicou também Júlio Denis a poesia já publicada-O Bom Reitor-por sinal bem pouco lisonjeira para o povo da vila, que depressa esqueceu êsse grande benemérito.

Julgamos que, além disto, deve o romancista ter sido influenciado pela personagem de Herculano O Pároco da Aldeia- como êle aliás confessa na carta que lhe dirigiu e que vem publicada nos Inéditos e Esparsos:

«Nisto há uma espécie de restituïção também. Êste romance das Pupilas é a realização dum pensamento, filho das impressões que, desde a idade de doze anos, tenho recebido das sucessivas leituras do Pároco da Aldeia. O meu reitor não fêz mais do que seguir, a passo incerto, as fundas pisadas que o inimi

(1) Capítulo V dêste volume.

tável tipo criado por V. Ex.a deixou na sua passagem.»>

O dr. José de Almeida, a quem se deve uma grande parte desta identificação, dá também grande valor a estas influências. Mas tanto êle como nós estamos convencidos de que, para base de estudo, lhe deve ter servido o Cura Dias, a quem, por mais duma vez, fêz alusão e que, como noutro lugar referimos, era aquêle bondoso sacerdote que à volta dos ofícios de defuntos vinha repetir os salmos que ajudára a engrolar na Igreja, mercê da pressa dos colegas, sempre dispostos a comer versículos para apressar o trabalho e não deixar esturrar o jantar. Ele queria, acto contínuo, saldar estas contas espirituais com a alma que tão mal encomendara.

O Cura Dias, que o dr. José de Almeida ainda conheceu, e de quem nos contou interessantes episódios da sua grande bondade, era amigo íntimo de João Semana. Êste vencia-o com a sua graça, tendo, a propósito dos incidentes da conversa, a anedota perturbadora e incisiva, de que o padre Cura se não sabia defender, acabando por fazer côro com os que a comentavam, rindo.

A ambos irmanava o mesmo ideal: fazer o bem ocultamente, sem que ninguém o reclamasse, ficando satisfeitos com a sua consciên

cia, pois julgavam apenas um dever o levar a abnegação pelos pobres até o sacrifício.

Este Cura Dias aparece em outra personagem das Pupilas, no Cónego Arouca, o padrinho de Clara, que lhe vale no mercado para comprar a fruta à Margarida. A descrição do Cónego é, no dizer do dr. José de Almeida uma cópia do natural.

Devemos ainda notar que, por vezes, o romancista, esquecendo-se do título de Reitor com que o apresenta, fala do «simples cura de aldeia» (1), o que mais corrobora a hipótese apresentada.

O que não é admissível é a opinião corrente de que o Reitor das Pupilas fôsse tirado de Tomé Simões, pai da Margarida.

A. Dias Simões (2) reedita essa impressão, para o que se funda em uma das cartas de Júlio Denis a Custódio Passos e em que êle diz que Tomé Simões é um grande original.

É

pouco para a identificação.

Além disso, Tomé Simões era viúvo, pai de

(1) Talvez por ter dado ao romance, inicialmente, o título a que atrás nos referimos: — As Pupilas do sr. padre Cura.-Nas paróquias importantes do Norte há, ao lado do pároco, um coadjutor a que costuma chamar-se padre Cura.

(2) A. Dias Simões, loc. cit.

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