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a tivesse, mas não faltava às óperas da sua predilecção, ou possivelmente às que eram melhor cantadas.

Tudo isto parece que pouco pode significar; contudo é mais um elemento de identificação.

O exame dêstes apontamentos particulares esclarece-nos ainda sôbre um outro ponto: é que Júlio Denis freqüentava os bailes de máscaras da cidade. Parece que êste género de divertimento lhe não desagradava. E tanto que lá aparecem, por duas vezes, correspondentes a dois carnavais, embora sem indicação de datas precisas, apontadas as verbas destinadas a êstes divertimentos (1).

Por prazer, ou por estudo, andou Júlio Denis por êsses bailes. Ora, como se sabe, a scena inicial, iamos a dizer fundamental do romance A Familia inglesa, decorre num baile de máscaras.

Um dia, dizendo nós a pessoa que muito venera a memória de Júlio Denis, sua parenta afim, que êle devia ter sido o Carlos da Família inglesa, foi-nos observado:

-Mas Júlio Denis era tão sossegado, tão metido comsigo...

(1) De uma das vezes 750 réis e de outra vez 1 250 réis.

É certo, retorquímos, mas não aos vinte anos. Nessa idade não há misantropia que vença os ímpetos da juventude.

Podemos ainda confirmar a nossa maneira de pensar no estudo das poesias íntimas de Júlio Denis, retratos fiéis da sua vida na idade em que se representa na Família inglesa (1).

É do conjunto de todos êstes pequenos factos que tiramos a conclusão de que o romancista se representou, no ardor dos seus vinte anos, na figura insinuante de Carlos Whites

tone.

(1) Releia-se a poesia íntima (capítulo XII do I vol.) referente ao ano de 1860, pág. 212.

III

AS «PUPILAS »
E A «MORGADINHA»

STUDEMOS, em primeiro lugar, as origens dêstes admiráveis romances de costumes populares: as Pupilas e a Morgadinha.

Ambos êles nasceram em Ovar, o período de maior actividade do romancista. Um foi ali gerado e não mais pôde desapegar-se do meio e da terra onde foi escrito. O outro tem grandes elementos tirados da vida vareira, mas contém personagens e paisagens que foram estudadas fora dali. Em pouco se semelham. Os meios em que se desenvolvem são diferentes. Um é o romance campesino típico, bucólico e aldeão. O outro, embora a acção decorra ainda na aldeia, passa-se num meio mais elevado.

No primeiro sente-se o campo, as scenas populares, as festas rurais: o outro tem por teatro salas discretas de famílias da província. Ambos têm elementos comuns, mas o romancista, enveredando por caminhos diferentes, soube por tal forma diferenciá-los que, à primeira vista, parecem de origens inteiramente diversas.

No desenvolver dêste trabalho teremos ocasião de demonstrar que a Morgadinha dos Canaviais tirou de Ovar as personagens mais importantes e algumas das scenas mais inte

ressantes.

Entre os manuscritos de Júlio Denis encontrámos dois trabalhos incompletos, sendo um, em parte, a cópia do outro, que merecem ser aqui apreciados.

Num dêsses manuscritos, o autor, depois de fazer a apologia da vida na aldeia, assunto que aborda em algumas passagens das suas obras, e que para èle «é o manancial de que têm que socorrer-se os romancistas ávidos de originalidade que desejem aproveitar tipos e personagens hoje quási esquecidos», escreve o seguinte:

«E disso se poderia gabar quem há cinco anos fôsse admitido na sala de recepção da sr.a Morgada das Fontainhas, D. Dorotea de Melo Carragena e Sousa de França e Albergaria, às horas em que se tomava o chá. O solar da septuagenária, representante de tantos nomes ilustres,

ficava situado nos subúrbios da vila de Ovar, pátria da nobre fidalga, e onde seu pai foi capitão-mor em tempos cuja memória arrancava, a cada passo, do peito de D. Dorotea um suspiro de saudosa significação.

«D. Dorotea não tinha cabedal para sustentar com o devido esplendor e galhardia a sua árvore genealógica tão carregada de nobilíssimas produções; era-lhe insuportável a vista do luxo que ostentavam famílias cujos mais próximos ascendentes não se cobriam diante dos seus; e, na impossibilidade de os sobrepujar em luxo e magnificências, ela preferia encerrar-se em uma quási completa reclusão, sob o pretexto de um desapêgo ao mundo e descrença em coisas e pessoas, digna, tanto na manifestação como na sinceridade, dum dos nossos scépticos de vinte anos.

<«<Enclausurava-se, pois, D. Dorotea com as suas pratas, os seus vestidos, cuja moda estava esquecida há vinte anos, os seus gatos, os seus criados e os seus móveis, e lançava, da sua clausura, olhares de soberano desdém para o resto do mundo.

«O acesso às salas desguarnecidas da aristocrática Morgada era dificilimo. Freqüentavam-nas, a título de amigos, apenas um padre meio fidalgo, dois velhos fidalgotes, igualmente ilustres e igualmente pobres, que passavam o tempo a consumir os restos de uma fortuna que de

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