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«Anitas

III

«Antes de mais nada vou ralhar comtigo; mas não te assustes que é trovoada que passa de-pressa. Vou ralhar comtigo, por me estares na tua carta a repetir a cada passo que me não esqueça de ti.

«Isto faz-me acreditar que pudeste supor que, sem a tua recomendação, tal coisa me poderia acontecer. Se assim foi, merecias que eu te esquecesse um momento, ao menos, para justificar as tuas suspeitas; mas como não tenho essa certeza, continuarei lembrando-me sempre. E para to provar, vou eu preguntar-te se te recordas daquelas noites, em que eu tinha teatro e em que, até às sete horas, te ajudava a estudar a tua lição para o dia seguinte e a rir um bocado com novidades que te contava da mestra, ou de quando eu te ajudava a subir as escadas para irmos cear.

«Se te lembras disto, como acredito, sabe que eu também o não esqueço, antes pelo contrário, o tenho sempre na idea.

«Quando chegar ao Pôrto espero ver o teu ramo concluido e principiada uma obra nova. Repara que estamos no tempo das flores, e que se neste mês elas não se produzem de

-pressa, muito menos quando o tempo lhes correr mais desfavorável.

. «Estava quási para apostar que ontem de tarde (quinta-feira), quando rebentou aquela fortíssima trovoada, ouvi, no intervalo de dois enormes trovões, uma voz a gritar, que me pareceu a tua. Seria possível? Não sei. Espero que francamente me digas se, de facto, choraste, porque, nesse caso, não me enganaram os meus ouvidos.

«Quando parti do Pôrto tinha-te dito que não empregasses ninguém a auxiliar-te na redacção e escrita das cartas que me mandasses. Na segunda, que recebi ontem, vejo com certeza que não andou ajuda de estranhos; emquanto à primeira, restam-me certas desconfianças que espero desvanecerás, pois estou resolvido a acreditar-te, se na próxima carta mo afirmares. Adeus, por hoje."

«Ovar, 21/5/63.

«Teu tio que te manda um beijo

Joaquim.

IV

Anitas

«Não me queiras mal por não te haver escrito há muito. Longe de me esquecer de ti,

antes pelo contrário és uma das pessoas por quem sinto aqui mais saudades.

« cuidado que tens tido em me escreveres aprecio-o eu como uma prova evidente da amizade de que te sou devedor.

«Mas olha, tu bem sabes que preciso de escrever a tanta gente que não tenho remédio se não deixar de vez em quando alguma mais mal servida. Mas, contando eu com a benevolência da tua amizade espero alcançar fàcilmente o perdão das minhas culpas e até me está parecendo que já estou perdoado. Enganar-me hei?

Á Mamã já há muito eu queria escrever, mas mal tenho tempo de escrever ao José Pinto, de quem recebo cartas todos os dias. Já vês que êste fica, por isso, em primeiro lugar. Depois soube que o Guilhermino está muito mal e como conheço a amizade que lhe tem a tua mamã, calculei que ela deveria estar no Candal junto dêle e com pouco vagar para ler cartas minhas ou escrever-me em resposta. Eis o motivo porque lhe não tenho escrito e não por ter afroixado a amizade que lhe tributo.

«Dize-lhe tu isto mesmo e dá-lhe muitas saudades da minha parte e também aos teus manos, e tu imagina que recebes um beijo do

«Ovar, 7/6/63

«teu tio e teu verdadeiro amigo Joaquim.».

V

«Anitas

«Se não foi imediatamente depois que cheguei, pouco tempo deixei passar sem te escre

ver.

«Vim encontrar tudo aqui como o tinha deíxado. O Leão continua a dormir pelos cantos, os galos a estudar solfa, o sineiro a tocar ao meio-dia, dizendo que vai jantar, as cascas a estalarem, etc. ¿Mas que admira que tudo pór aqui esteja na mesma se aí no Pôrto eu não encontrei também mudança alguma ?

«Há agora por aqui menos flores. As mesmas dálias vão acabando e o mesmo acontece à grande aluvião de suspiros que êste ano houve.

«Que me dás tu de novo? Já principiaste a bordar? E emquanto à saúde tua, da mamã e dos manos, que me dizes tu?

«Tinha chegado a êste ponto da minha carta e vieram-me dizer que estavam a procurar-me as senhoras... Imagina a cara que eu fiz! Temos maçada e eu estou com bem pouca disposição para as aturar. Eu desejava que esta gente se zangasse comigo por qualquer razão para deixar de me visitar tanto a miúde.

«Mas emfim, armemo-nos de resignação e vamos aturá-las. Daqui a pouco estou eu a abrir a bôca que é uma coisa por maior, de

mais a mais hoje que ando com defluxo! Vamos lá, a ver se elas me acham mais airozinho, e capaz de dar um passeiínho por causa da saúdinha. Adeus até logo. Vou impô-las o mais depressa que possa e depois virei acabar esta carta dizendo-te o que passei com elas. 29/7/63. 7 1/2 horas da manhã.

«8 1/2 horas.

«Felizmente já lá vão! Ofereciam-se para me acompanhar ao mar, num diinha airoso para espairecer um bocadinho.

«Era o que me faltava!

«Faz muitas recomendações minhas à Mamá e aos manos e aceita, com as recomendações de todos os daqui, um beijo do

«teu tio e teu verdadeiro amigo

Joaquim.»

«P. S. Como esta carta deve chegar aí à quinta-feira, mando-a para Monchique por ser provável que estejas lá.

VI

«Anitas

«Na carta que a mamã devia receber ontem

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