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logia. Fá-lo com notável precisão e com relêvo literário. Destacamos, ao acaso, uma das suas passagens:

«A meteorologia permaneceu neste estado rudimentar por todo o resto da idade antiga, e por toda a extensão da idade média.

«Nesta fase comum da história das sciências, a astrologia judiciária, que o espírito supersticioso daqueles tempos acalentava de envolta com elas, mais rápida nos seus progressos, como filha da imaginação que era, e achando um elemento favorável no carácter, naturalmente crédulo, das novas sociedades, cedo dominou todos os outros ramos de conhecimentos, oferecendo-lhes, assim, um obstáculo invencível ao seu desenvolvimento. Se se observavam os astros, se se notavam os fenómenos meteóricos, não era tanto para resolver problemas de mecânica celeste, ou de física atmosférica, como para ler horoscopos, e devassar mistérios do futuro.

«Em tôdas as sciências se incluia um ramo. parasita, que lhes tolhia os progressos. De mistura com as noções exactas da astronomia, viam-se os sonhos astrológicos; com os conhecimentos positivos da química, as ilusões da alquimia; aos factos da física associavam-se os mistérios da magia; aos cálculos aritméticos as supersticiosas combinações da cabala, e a própria meteorologia, ainda nascente, já, sob o

nome de meteoromancia recebia um carácter semelhante.

«Igualmente embuïda de ideas supersticiosas, a Medicina, vendo na maior parte das doenças castigos do céu ou influências maléficas, fazendo intervir imediatamente a divindade em todos os fenómenos extraordinários da vida, era naturalmente distraída de procurar nas modificações do ambiente e nas circunstâncias que nos rodeiam, a solução de muitos problemas de patogenia, a qual se via sacrificada pelo mais exagerado fanatismo.

Assim, o clero, por mãos do qual andavam geralmente as sciências na Europa, e os árabes, que estendiam até elas o fatal Deus o quere! da sua religião, desprezaram o estudo que Hipócrates instituira, substituindo-lhe o que havia de mais hipotético nas nebulosas teorias humorais de alguns dos seus sucessores.

«Portanto, em todo êste longo período, apenas de quando em quando uma ou outra voz, como a de Alexandre Tralles no século IV, se elevava para recomendar aos médicos a observação paciente e minuciosa e o estudo das estações, do clima, e das mudanças atmosféricas, em suas relações com a saúde e a moléstia. Mas geralmente estas vozes não eram escutadas. Dominados pelo espírito da época, os médicos de então, pervertendo, como mais tarde Paracelso, um pensamento verdadeiro, procura

vam encontrar as relações do homem com o universo, do grande com o pequeno mundo, na misteriosa influència dos planetas, em vez de as estudarem na acção dos agentes modificadores gerais que nos cercam.»

Êste resumo do estado das sciências, e nomeadamente da Medicina e da meteorologia médica, feito por Gomes Coelho, é não só primoroso como forma, mas também como doutrina. Em tão poucas linhas é difícil apresentar quadro mais completo, ou sintese mais perfeita. E só sentimos não poder dar mais largo espaço à transcrição, pois a notícia histórica segue sempre nesta elevação através da renascença, pondo em destaque a obra de divulgação da imprensa que deu larga expansão às doutrinas dos médicos gregos, que durante muitos anos foram os oráculos da arte de curar.

Por fim, faz a apologia da boa observação clínica. Devido a ela as epidemias e algumas doenças até então desconhecidas conseguiram despertar trabalho inédito. Desprezando velhos preconceitos, pôde exumar da obra dos antigos o que era dependente do estudo directo dos casos, relegando para um segundo plano as teorias em que, até aí, os médicos andavam embrenhados em contendas quási estéreis.

Como diz Gomes Coelho, o livro das epidemias de Hipócrates é um modelo de observa

ção; mas mesmo adentro dessa obra quantas noções dêsse período brilhante da primeira época da Medicina foram substituidas, mercê dos esforços dos novos pioneiros da sciência!

Referindo-se particularmente à meteorologia e aos progressos da instrumentária que sucessivamente os fisicos lhe foram destinando, dedica-lhe Gomes Coelho uma apreciação, ainda hoje de inteira actualidade:

Resta-lhe ainda muito problema a resolver, muita esperança a realizar.

«A razão disto encontra-se, como pondera Kæmtz, na própria índole desta sciência. De facto, se os fenómenos meteorológicos, mais. talvez que nenhuns, se prestam à observação, subtraem-se, em compensação, à experiência, esta outra observação mais activa, poderoso instrumento do progresso das sciências, que julga e corrige os dados fornecidos pela primeira.

«Demais, a meteorologia não sai formada dos observatórios; o meteorologista isolado, observando apenas os fenómenos dum espaço limitado, nunca poderá compreender as leis que lhes presidem, às vezes dependentes das condições atmosféricas de uma região remota. Só a generalização das observações e a sua recíproca comparação poderão conduzi-lo a um tão lisonjeiro resultado; e comquanto hoje se tenham já

em grande parte verificado estas condições, resta ainda muito por fazer.

«Mas devemos confiar que chegará um dia em que essas esperanças se realizarão; tudo. no-lo promete».

Também temos a mesma crença; sòmente desde 1861 a 1924 essas esperanças se não transformaram em realidade. No campo da meteorologia médica, que acompanha a passo lento a sciência geral a que está adstrita, pouco avançámos. As esperanças de Gomes Coelho são ainda a aspiração da Medicina de hoje e, até, de uma maneira geral, de todos os meteorologistas.

Entrando propriamente no assunto, estuda oautor na primeira parte do seu trabalho as - «Provas da influência da atmosfera sôbre os sêres organizados». É um estudo geral emi que procura demonstrar as modificações que os sêres organizados deverão receber das incessantes variações atmosféricas.

«Cada estação diz o autor nos nosSOS climas, tem uma fisionomia própria do lado das constituïções meteorológicas, como do lado dos fenómenos da vegetação. O rebentar das fôlhas, o desabrochar das flores, a maturação dos frutos, todos êstes grandes actos da vida das

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