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«Até breve. Fico por aqui. Desejo-te felicidade e alegria e peço-te que me recomendes à Madrinha, a Ritinha.

«Teu primo amigo

Joaquim.»

Gomes Coelho andava impacientado, como se deduz desta carta, pela demora da publicação do despacho no Diário do Governo. A sua alegria, ao ver finalmente liquidado a assunto, está bem expressa nas impressões comunicadas a seu primo. Não esqueceu, sequer, o Ministro Júlio Gomes que havia quebrado o encantamento da demora adentro do Ministério onde fôra cair o processo do seu concurso!

Desta carta depreende-se ainda a pouca vontade que tinha em servir de perito num caso médico-legal para onde o queriam arrastar, e o meticuloso receio de não ser bem imparcial por se sentir do lado daqueles que estavam contra o criminoso.

Também aborda o problema económico e resolve, seguindo os conselhos do amanuense da Escola, ir tomar posse para começar a receber os ordenados. Fracos e miseros ordenados de que mais tarde se havia de queixar!

Gomes Coelho tomou posse a 8 de Agosto, voltando de novo para Felgueiras, donde, em 28, escreveu a Custódio Passos:

«Devo-te duas cartas. Vou responder-te à última porque é dívida mais urgente.

«Comquanto não fôsses o primeiro a dar-me a boa-nova do meu despacho, acredita que nem por isso me foi menos agradável a tua carta. Sente-se sempre prazer em receber cartas das pessoas que nos são caras, e em ocasiões como esta, porque neste momento, estou passando provas de que os nossos sentimentos são partilhados por elas.

«Eu também faço justiça ao Júlio Gomes. O processo do meu concurso foi para Lisboa no dia 9 de Julho, exactamente quando no país se decidiam os destinos da pátria. É fácil de imaginar que em todos os onze dias (1) que se seguiram, até à data do meu despacho, não faltaram preocupações e cuidados ao bom do Ministro, desde as cartas e panfletos dos Tanas despeitados, até às hipócritas artimanhas dos grandes estadistas que o rodeiam.

Pois a-pesar de tudo e de todos, o homem despachou-me.

«Hei-de sustentar a todo o mundo que o Júlio Gomes é um ministro de grandes iniciativas e de medidas rasgadas.

(1) Vê-se daqui que a impaciência de Gomes Coelho era um pouco exagerada. Poucos lograrão obter em menos dias o desejado despacho.

«Mas agora falando sério: foi um momento dos poucos felizes da minha vida aquele em que obtive a certeza de que estava despachado. Tinha-me quási habituado a acreditar na impossibilidade da coisa e tanto que, nem depois de obter a votação favorável da Escola, a desconfiança me abandonou.

«Agora é que principio a convencer-me de que efectivamente estou dentro». (1).

Todos êstes receios em que Gomes Coelho insiste junto de pessoas da sua maior amizade não são, quanto a nós, apenas o reflexo do passado. Avultavam no seu espírito os ecos que, por muito disfarçados que fôssem, haviam de chegar a seus ouvidos, do confronto das suas provas com as do seu competidor Pinheiro Tôrres. Daí a exagerada impaciência. Ainda temia complicações e protestos. Tudo, porém, terminou, como não podia deixar de terminar. O júri classificára-o em primeiro lugar; o Ministro despachava-o como lhe cumpria.

Em 27 de Julho de 1867, foi Gomes Coelho promovido de demonstrador a lente substituto da secção médica e, um mês depois, a 27 de Agosto, nomeado secretário e bibliotecá

(1) Júlio Denis, Inéditos e Esparsos, ed. cit., vol. II, pág. 195.

rio da Escola, tomando posse a 14 de Setembro.

Gomes Coelho nunca sentiu grande entusiasmo pelo ensino. A razão principal dêste desânimo não foi a atracção que o arrastava para a carreira literária, onde já, ao tempo, tinha marcado o seu lugar. Era principalmente a carência de saúde que o tornava incapaz de um grande esforço.

Em 1870, já então muito doente, declarava numa das suas cartas a Custódio Passos (1), que sentia esfriado o entusiasmo pelo professorado.

oferece-me

«A augusta missão, dizia êle, poucos atractivos desde que a minha saúde não me permite entregar-me a ela como deve ser».

E acrescentava, numa exacta visão do que devia ser o professor, bem diferente do que era a maioria dos que então ensinavam Medicina nas nossas Escolas e Faculdade:

«Professor para traduzir compêndios e marcar lições a dedo não tinha vontade de o ser. Confesso-te que, se nestas reviravoltas de serviços públicos e reformas que por aí vão, eu pudesse

(1) Júlio Denis, Inéditos e Esparsos, ed. cit., tom. II, pág. 237.

aproveitar ensejo para dizer adeus ao Pôrto e à toga, não o deixava fugir».

Todo êste desalento vinha depois de estar definitivamente instalado na vida professoral. A falta de saúde e-quem sabe?-talvez a aspiração de ver reformada a Escola Médica do Funchal e a sua passagem para ela, inspirasse o desabafo desta carta a Custódio Passos. Bem entendido que não passava tudo de uma frase. No fundo ficava a saudade da terra e, em especial, dos parentes e amigos de que não podia apartar-se.

Gomes Coelho deixou, nos fastos da Escola Médica, uma «Representação enviada ao Ministro de Estado dos Negócios do Reino, em 28 de Julho de 1868, pelo director da Escola Médico-Cirúrgica do Pôrto, conselheiro Francisco de Assis Sousa Vaz», e que é da sua autoria, pois era, a êsse tempo, secretário da Escola.

Essa Representação, que foi ùltimamente, e pela primeira vez, publicada pelo erudito investigador professor Maximiano Lemos (1), é uma exposição clara e bem deduzida sôbre um conflito levantado entre a Mesa da Santa Casa da Misericórdia do Pôrto e o Conselho da Escola Médico-Cirúrgica da mesma cidade. Gomes

(1) Maximiano Lemos, loc. cit., pág. 39.

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