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sabias que fazeres, etc., sucederam as formas: eu não sabia que fazer, tu não sabias que fazer...; éles não sabiam que fazer, etc. ¿Que fazer? tanto se pode referir ao passado, como ao presente e ao futuro, e pode ter por sujeito qualquer pessoa de qualquer dos números. E em mais de uma das passagens há pouco citadas do padre Vieira, a forma aparentemente activa tem significação passiva: «As vossas confissões parece que teem que louvar, isto é, que (mereça) ser louvado.

Mas as desinências do imperfeito do conjuntivo, se se desligaram dêste, nem por isso se perderam: foram juntar-se ao presente do infinitivo e deram assim origem a uma das mais interessantes e mais úteis particularidades da nossa língua o infinito pessoal.

Vejamos como a passagem se operou. Assim como, por exemplo, neste lugar de João de Barros -leixarão se estar, tẻ que á custa de seu dano verem que os Mouros lhe dizião verdade-se passa do conjuntivo para o infinito pela simples supressão do que de té que (té verem= té que verem), assim também nas cons

truções do tipo placuit ut faceremus bastaria eliminar o ut (eliminação já freqüente no latim) ou substituí-lo por uma preposição, para estarmos em presença do infinito pessoal.

.... O primeiro caso que conheço desta natureza, em um autógrafo, é do ano de 1018. In era millesima La VIa superuenerunt fratres de uakariza in recardanes pro decernirent hereditatem que hic habebant.

Vê-se, portanto, que mais de um século antes da fundação da monarquia já o imperfeito do conjuntivo latino aparece transformado em infinito pessoal, e isto por um processo extremamente simples.

Do que fica exposto parece-me poder-se concluir que, relativamente ao português, se deve modificar a doutrina, corrente em filologia românica, de que o imperfeito do conjuntivo latino desapareceu sem deixar vestígios.

Ainda no século xvi êle se empregava em orações conjuncionais e relativas, e hoje mesmo subsiste em determinadas construções, embora atrofiado, sem as desinências pessoais..

Estas passaram para o presente do in

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finito, que, a par da primitiva forma, adquiriu outra, a pessoal, de grande vantagem para a clareza e para a eufonia da frase.

(Do Bolelim da Segunda Classe da A. das

Sc. de Lisb., vol. II.)

XXV

Júlio Brandão

A LINGUAGEM E O POVO

E

STA nossa língua portuguesa está a reclamar os seus panegiristas, galhardos paladinos que a defendam e enalteçam, de tal maneira deve andar envergonhada do desprêzo com que tantos a maltratam, e bem saudosa do vivo amor que tantos lhe sagraram. O autor da «Côrte na Aldeia» já clamava com mágoa, quando tecia encómios à sua amada língua: «Para que diga tudo, só um mal tem, e é que, pelo pouco que lhe querem seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedintes.» ¡Que faria se êle a visse agora!

¡É preciso que defendamos a sua pureza

sua beleza! Não é isto certamente aplaudir «puristas», que a queiram con

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verter em língua morta, nem certos humanistas que jamais compreenderam a vida das palavras, os seus estádios, a sua evolução latente - tôda uma biologia, em-fim, como a de outros seres organizados. O que é indispensável é proteger os seus foros e o seu carácter, neste idioma tam dócil que não há estado-de-alma que não revele, língua tam rica de perspectiva e de sonho, profunda e esbelta, apurada ou enérgica, ave a gorgear nas toadilhas pastorais, ou reboante e magnífica no clangor da epopeia. A língua brota dos sulcos fecundos da terra, para o artista e o poeta a modelarem, insuflando-lhe depois a emoção e a graça. Assim a voz da cotovia matinal que, alando-se da gleba, se dilui no vasto azul dos céus em melodia e sonho...

Bulhão Pato dizia-me que conversava muito com malteses para dar sal à língua. E não há, na verdade, melhor sal que o do povo. É ver, por exemplo, no teatro de Gil Vicente como êle lha tempera e lha faz saborosa!

(Inédito.)

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