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N'este momento em torno só se ouvem accordes predecessores da marcha, evolucionando scintillantes n'um mixto immenso de alegria...

Elisabeth balbucia... Elle, o velho Landgrave advinha com a intuição certa dos annos e da experiencia...

«Logo saber-se-ha tudo...» diz-lhe elle attrahindo-a a si meigamente e sentindo a formosa cabeça da sobrinha descahir-lhe sobre o peito.

Um estalar violento de clarins accorda todos os echos do castello e rebenta por sobre o valle do Wartburg. Como que respondendo a esses clarins os violinos e metade da orchestra precipitam-se n'uma escadaria saltitante de notas e em mil gammas nervosas subindo... subindo sempre...

Os clarins continuam a responder ao longe..

Pouco a pouco toda a orchestra se arrebata e toda tremula...

Pagens de gibões de sêda e mantos de velludo coloridos entram na grande sala n'um andamento majestoso.

O fremito orchestral estende-se como uma onda prodigiosa. Cruzam-se harmonias interrogativas, phrases fulgurantes, até que por fim d'esta furia melodica surge majestosa e imponentissima a marcha triumphal.

Cavalleiros de todos os feudos vizinhos chegam com as escoltas de pagens, estandartes e escudeiros, damas de grandes. vestidos cheios de perolas e pedras luminosas arrastandò caudas immensas de setim.

N'uma procissão majestosa todos veem saudar o Landgrave e Elisabeth e vão depois enfileirar-se em todos os degraus do vasto amphitheatro do fundo.

Pouco a pouco a sala enche-se de uma turba cada vez mais

numerosa.

O Landgrave toma solemnemente o seu logar no throno com Elisabeth ao lado.

Do fundo por sua vez chegam os cavalleiros cantores. Vem a flor da nobreza e da Arte... Wolfram Van Eschenbach, Walter de Stolzing... Bitterolf... e Tannhauser...

A marcha triumphal muda-se na marcha dos cantores mais meiga e mais suave... O Landgrave do seu throno expõe o assumpto posto ao concurso. Aquelle que cantar melhor, mais santa e divinamente o amor terá o premio e o premio será Elisabeth que o indicará.

Todos os cantores se erguem cada um por sua vez.

Wolfram no meio de um suave e largo modular de harpas da orchestra canta o amor na sua accepção mais divina mais

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desprendida de uma sombra de desejo terrestre, no meio dos applausos da multidão dos nobres.

Precedido de um febril e violentissimo harpejo da orchestra Tannhauser ergue-se... o seu peito arfa, o seu olhar scintilla.

«Não é esse, o amor que eu comprehendo Wolfram!... o amor que eu ideio pede beijos, não quer só olhares mas abraços tambem! Eu quero possuir... ter divinaes volupias...! O soluçar constante das harpas e tremulos insistentes deixam adivinhar uma desgraça imminente!

Bitterolf indignado reprova os vulgares prazeres que Tannhauser proclama. «Não é esse o santo amor... sentimento maldito...!»

Tannhauser progressivamente excitado insulta Bitterolf. A assemblêa murmura. Wolfram tenta apasiguar a tempestade que se ergue espantosa no horizonte.

Annunciado por um arranco terrivel da orchestra que estua n'um tremulo nervoso de violinos, Tannhauser verdadeiramente desvairado pega na harpa!

Espumam subitamente na melodia todos os motivos satanicos do Venusberg, revolve-se todo um oceano de vagas confusas... tilintam campainhas... o paganismo ebrio invade tudo e no meio do assombro da assistència Tannhauser n'um compasso febril e convulso, entoa com voz altisonante o hymno damnado a Venus...!

«Ide vel-a... a Deusa...!!! Ide vel-a e sabereis o que é o Amor... o que é a Volupia».!!...

Não poderei dar uma idêa ainda que leve d'esta scena prodigiosa!

Passam pela orchestra gargalhadas sarcasticas... a massa dos nobres ergue-se de um salto, as mulheres, as damas, as aias fogem... «Maldito! que esteve perto de Venus!!»... Os fogos do céo o anniquilem!. .»

O Landgrave ergue-se do throno estupefacto... a turba avança do fundo da sala e cerca Taunhauser...! N'um arremesso de desafio elle cruza os braços soberbo e faz frente á massa ullulante!

A orchestra cavalga endemoninhada...! Apenas Elisabeth, pregada á cadeira, n'uma immobilidade dolorosa de assombro, no meio do horror Universal se quéda côr de neve, sem um grito deante do immenso desmoronar do seu sonho, de toda aquella catastrophe sem nome... em que fluctua feito estilhaços o seu coração de mulher!

... O côro toma as proporções tragicas de um murmurar

pavoroso de trovão... O circulo encerra-se em torno do maldito... Elle não vê nada, não ouve nada... Esqueceu tudo... tudo... até Elisabeth!

Mil laminas sahem como raios das bainhas! Elle vae morrer... elle que manchou aquella casa! o amante de Venus!!... O circulo de laminas fecha-se... Vae-se consummar o castigo! Mas subito dois braços de mulher abrem-se em cruz deante das pontas d'aço, um seio offerece-se aquelles raios, dois olhos cheios de lagrimas imploram misericordia...! Ella, a santa e unica Amante, Elisabeth... encontra uma ultima energia para o defender, a elle, que lhe espedaçou o peito, que a atraiçoou, que a matou...!

Deante d'isto, deante da victima que implora perdão, como resistir! As laminas baixam-se...

Toda a coragem, todo o esforço de Tannhauser se esvahe deante do perfil santo de Elisabeth... e n'um estalar desvairado de soluços cahe sobre os degráus do throno...

Por vezes, ainda mal contida a indignação explue, para se rebater de novo deante da tenacidade piedosa da pobre

abandonada...

O Landgrave em face do vulto cahido de Tannhauser offegante de soluços, dicta-lhe o unico caminho a seguir... Ir a Roma com os peregrinos, que no fundo do valle se preparam a partir... Ir implorar o perdão do Santo Padre! Os peccados remir-se-lhe-hão se fôr absolvido! senão... que morra amaldiçoado e desprezado para sempre...!

que

N'este momento, tudo, o canto de Elisabeth, a voz entrecortada de Tannhauser, o canto do Landgrave e a voz sombria, infinitamente profunda dos violoncellos, falla de lagrimas, de dor e de desespero...

Subindo... alando-se progressivamente ao ether, esta immensa oração attinge a culminancia lyrica...

Subito... tudo se cala!... silencio profundo....!

Muito longe... vindo da infinita distancia, das profundas serenas dos valles do Wartburg chega um canto muito suave em andamento religioso.

Tudo muda... Paraizos de mysticismo se rasgam, ao som d'esse poderoso e suavissimo cantico cheio de uncção religiosa.

Reconhece-se o hymno religioso dos peregrinos.

Tannhauser, o eterno arrependido, levanta a cabeça extatico ao influxo d'esses ethereos e divinos sons...! Os nobres sob esta benção christã curvam as frontes.

Suavisa-se e esvahe-se a irritação. Como um espectro

Tannhauser levanta-se sentindo innundar-se-lhe a alma de uma sêde mystica de arrependimento.

Ao longe, o hymno religioso dissolvido na distancia esfuma-se gradualmente!...

Então, por entre as alas dos nobres que se afastam possuidos de um religioso temor... o cavalleiro peccador precipita-se n'um arranco soluçante de toda a sua alma, em busca do supremo perdão...: A Roma...!

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VIAGENS DA INDIA A PORTUGAL
POR TERRA E VICE-VERSA

(Cont. do n.o 1, pag. 64)

XXVI

PINTO ANTONIO

E' uma das mais desconhecidas, mas uma das mais curiosas figuras que vão desfilando n'esta galeria. Parece que era natural do Porto, a ajuisar por uma referencia da carta que el-rei em 26 de julho de 1560 dirigiu a Lourenço Pires de Tavora. Ahi o designa por esta forma: Antonio Pinto do Porto. E' a unica vez em que vêmos mencionado este appellido, que suppomos patronímico (1).

Antonio Pinto servia na India e foi aprisionado em Mascate com mais 25 companheiros, entre os quaes João de Lisboa. Tendo cinco d'esses desgraçados obtido o resgate, Antonio Pinto foi escolhido pelos seus parceiros do infortunio para vir negociar a liberdade dos restantes. Acompanhava-o um creado chamado Bastião, como então se dizia em vez de Sebastião. Chegaram a Roma a casa do nosso embaixador a 28 de outubro de 1560. Antonio Pinto ficou na cidade eterna e o creado foi enviado a Lisboa com cartas enternecedoras para el-rei, pedindo todo o seu auxilio em favor dos pobres captivos.

Antonio Pinto, além de se mostrar disposto a ir negociar o resgate dos seus companheiros, promptificava-se egualmente a ir á India por terra, seguindo este trajecto: Jerusalem, Alepo, e pelo Eufrates a Baçorá. N'esta viagem, propunha-se fazer

(1) Corpo Diplomatico, tom. ix, pag. 13.

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