Imagens das páginas
PDF
ePub

The companhia Joanne de Jorge Araguzes, muito conhecedor das linguas, o qual residia no Cairo, onde prestara muitos serviços aos nossos compatriotas. Eis o que Lourenço Pires de Tavora nos diz dos merecimentos e prestimo de Antonio Pinto:

«Antonio Pinto he muito pratico nas cousas do Cairo e com sua informação tenho muita clareza do que alli se deve fazer em serviço de Vossa Alteza: ordenei que ficasse nesta minha casa esperando pella reposta de Vossa Alteza ao negocio destes cativos para elle ser o que leve os mouros ou turcos que se an de comprar e como quem he tão pratico tornar ao Cairo a acabar de concluir o livramento dos seus companheiros e fazellos desembaraçar de todo e embarcar ate Mecina ou Veneza, onde acharão ordem minha do que mais an de fazer. O ditto Antonio Pinto com isto feito se quer ir do Cairo por terra a India por via de Hierusalem, Damasco e Alepo, e pello rio Eufrates a Baçorá com salvo conduto do Turco que á dias para isso tem e creo sera esta jornada sua de serviço de Vossa Alteza por acabarmos de entender o socorro que por aquelle rio pode hir a Baçorá e se tem modo para nelle se fazerem algúa sorte de navios, porque por informações de Alepo o dao por facil e por outras por impossivel e sera bom sabersse este segredo para se saber o que se hade recear» (1).

Antonio Pinto, ao vir do Cairo, fôra portador d'uma carta para o Papa do patriarcha dos christãos jacobitas, que viviam no Egypto. O Papa interessava-se muito em reduzir ao gremio da egreja romana aquelles christãos e n'isto tambem se interessava o nosso embaixador, como se póde verificar pela carta que elle dirigiu a D. João 3.o em 30 de janeiro de 1561 (2).

Antonio Pinto adoecera em Roma, e não podera tractar do negocio dos escravos, que foi incumbido a um Joao de Lomelino do Campo. A 5 de maio de 1561 escrevia o nosso embaixador: «Antonio Pinto que veo do Cairo ao negocio dos cativos foi muito doente como tenho escritto a Vossa Alteza, fiqua ja em convalecencia e partira cedo para Mecina, e inda que non vá non se perde tempo, porque ja lá tenho recado pera se começar a tractar da compra dos scravos por via de Joan de Lomelino do Campo, homen honrrado e nobre, etc. › (3).

(1) Corpo Diplomatico Portuguez, tom. ix, pag. 91. Toda a carta de que se tirou este trecho é interessantissima e merece ser lida na integra, (2) Corpo Diplomatico, vol. ix, pag. 173.

(3) Corpo Diplomatico Portuguez, tom. 1x, pag. 252,

A 19 de julho ainda não estava completamente restabelecido... Antonio Pinto nao acaba inda de ser saõ (1). A sua doença, porém, parece ter sido providencial, destinando-o para outra missão mais espinhosa e mais importante. Tinha o Papa grandes desejos de enviar ao Prestes João uma pessoa de confiança, incitando-o a que mandasse um seu representante ao Concilio. Abriu-se o Summo Pontifice com o nosso embaixador e incumbiu a elle e ao cardeal Amulio a resolução d'este negocio. Lourenço Pires de Tavora não encontrou ninguem mais idoneo que Antonio Pinto. Merece transcrever-se na integra o que sobre o caso escreve a el-rei o nosso embaixador:

«Por hua carta que escreuy em xix do passado, 4.a em numero, veria Vossa Alteza os desejos com que o Papa ficava para mandar algua pessoa ao Preste Joao a effeito de o invitar a mandar ao concilio, e como tinha commettido esse negocio ao cardeal Amulio e a mim proseguio nos mesmos dezejos e tornou me a fallar na mesma materia com muita instancia; por alguas vezes foi necessario e forçado comunicar com o dito cardial o modo que nisto se poderia ter, e visto que tudo o bom que resultar da comunicação do Papa com o Preste se porá sempre no mundo a conta de Vossa Alteza ordenandosse por via dos seus ministros nao me quis escusar em tal obra, e não sofrendo a impaciencia de Sua Santidade neste seu fervor esperar recado de Vossa Alteza me despus a servillo em nome de Vossa Alteza considerando todos os caminhos que daqui para o Abexim se podiaó fazer achey nenhum ser mais facil nem mais curto pera hum mesageiro desimulado que o do Cairo a Cida onde se vai pello Nilo acima e dali por terra de deserto athe os funchos que he confim do Abexim donde se chega com fasilidade aquelle rey e dizendo a Sua Santidade a dilação que seria necessaria querendo mandar algum recado pellas naos de Vossa Alteza, posto que com mais autoridade por essa se podesse fazer, lhe disse que esta do Cairo era mais a proposito achandosse pessoa que a soubesse ou se atrevesse a experamentalla: rogoume tomasse eu cuidado de lhe dar algua, e com o cardeal Amulio ordenar tudo o que ao caso compria. Não achei outro mais sufficiente que Antonio Pinto, que os dias passados veo do Cairo ao resgate dos cativos portugueses seus companheiros, e que até gora aqui esteve mal disposto: achasse ja bem, offerecesse a dita jornada dizendolhe eu sera serviço de Vossa Álteza e em hum certo modo mandandolhe de sua parte elle se mostra esforçado e contente pera o effeito e cuido que o fara muito bem porque determina, sendo escravo do turco, inda que forro, e tendo os deste titollo grandes privilegios pedir ao baxá do Cairo salvo conducto pera hir ao Abexim dizendo ser lá morto hum seu irmão, da herança do qual espera recadar dinheiro: affirma, e eu o creo, que lhe darao facilmente o dito salvo conduto, e que podera hir e trazer em sua companhia duas ou tres pessoas com trajes dissimulados quais o Preste ordenou que venhao pera se acharem no concilio, e quando no salvo conducto ouvesse difficuldade, tera modo pella ditta via passar por meio

(1) Corpo Diplomatico Portuguez, pag. 306.

de christãos de Abexim, e pella mesma virem os que o Preste mandar em trayos de romeiros que vem a Hierusalem e postos em Alexandria facilmente se embarcarão para qua. Cometteo mais Sua Santidade ao dito cardeal e a mim que ordenassemos os breves necessarios pera este effeito e mandou ao secretario fosse fallar comnosco e seguisse a ordem que lhe dessemos. Pareceome necessario escreuer Sua Santidade hum largo breve ao ditto Preste com hũa grande narratiua das causas com que se moueo a escreuerlhe, e as por onde esta obrigado conuidalo a mandar ao concilio como fazem todos os principes christaos, contando a isso com boas razoēs e auctoridades e persuadindo com util que disso lhe pode vir; o breve he grande e fica inda vendosse e revendosse, e tresladarseha tambem em Caldeo pera no Abexim ser melhor entendido, e hira tambem em portugues para os portugezes que ali estao saberem o que se escreve. Pareceome tambem mandar Sua Santidade outro seu breve ao bispo Dom Andre, de quem tenho informaçao residir na corte do Preste, a quem vai enderençado o dito Antonio Pinto pera que o bispo o apresente e por virtude do que se lhe escreue e da crença que se lhe dá no breve do Preste lhe possa nesta mesma materia fallar largo e presuadir ao que se pretende de tudo o que se hade fazer leuara instrucçao Antonio Pinto, e eu escreuerey uma carta ao Preste Joao como embaixador de Vossa Altezn que aqui reside para retificar o que leva Antonio Pinto e escusar o defeito de elle nao levar carta de Vossa Alteza. Escreuerey tambem ao bispo e a Gaspar de Sousa e a outros portugueses que parecer necessario. Dos breues de Sua Santidade e das mais cartas mandarei as copias a Vossa Alteza tanto que acabarmos de assentar tudo. Antonio Pinto fara a jornada com a despeza que Sua Santidade lhe dará, o qual quer que elle torne aqui com os que trouxer, e promette averlhe de fazer por esse trabalho merce. O dito Antonio Pinto partira, querendo Deos, dentro em seis ou sette dias, fará a via per Mecina pera aly se entregar dos mouros que sao comprados por meo de Joao de Lomelino para resgatte dos christãos do Cairo e offerecendosse boa embarcaçao, de que já tenho aviso pera Alexandria podera hir em companhia dos ditos mouros pera que depois de entregues ao baxá, e os christaōs postos em ordem conforme a minha instrucçao pera se virem possa elle attender a sua viagem do Abexim. Nosso Senhor acabe tudo em seu serviço e a Vossa Alteza dè sempre muitas e novas occasioēs pera ampliar e estender sua auctoridade e reputaçao em vertuosos e famosos efeitos e sua vida e real estado por longos annos guarde e accrescente como os seus leais vassalos devem dezejar» (1).

O Breve do Papa ao rei da Ethiopia, a carta de Lourenço Pires de Tavora, e as Instrucções que levou Antonio Pinto, documentos a que se refere a carta acima, estão publicados no tom. Ix do Corpo Diplomatico de pagg. 321 em diante, julgando desnecessario reproduzil-as aqui.

Antonio Pinto sahiu effectivamente de Roma, no cumprimento da sua missão, a 23 d'agosto de 1561, indo por Messina, onde receberia os escravos que ali lhe entregaria João

(1) Corpo Diplomatico, tom. ix, pag. 315. É muito digna de lêr-se toda a carta de Loy renço Pires de Tavora.

de Lomelino, acompanhando-os depois ao Cairo, onde os trocaria pelos captivos portuguezes. A este proposito escreve o nosso embaixador:

Partio o dito Antonio Pinto a xxш do passado com tençao de se entregar em Mecina dos escravos mouros e turcos que aly estao comprados por via de Joao de Lomelino e por minha ordem e os acompanhar até o Cairo, e fazer entrega delles ao baxá, e procurar a vinda dos catiuos portuguezes conforme a instrucção que pera isso lhe dey. Uirao elles, querendo Deus, a Ueneza, e ali em poder de Thomas de Cornoça The deixarey ordem do que hade fazer; comcluido o dito negocio dos catiuos, partirá Antonio Pinto do Cairo e fara a estrada que ja escreuy a Vossa Alteza: querera Nosso Senhor guiallo e concluir em bom effeito os desejos do papa: a copia do breue que Sua Santidade escreue ao Preste Joao sera com esta, e assi a do bispo dom Amdre, e assy mando tambem a copia das cartas que eu escreuy ao ditto Preste e ao bispo e a instrucçao que dei ao mesageiro do que em tudo auia de fazer e dizer; todos esses papeis deue Vossa Alteza mandar ler pera mais claramente uer a tenção e pertençao de Sua Santidade e assy o modo com que se o negocio tratou. Fallo na minha carta ao Preste Joao per magestade por lhe nao fazer menos cortesia do que o papa lhe faz, e doulhe tao larga conta de tudo pera elle melhor poder entender este modo de mesageiro e a embaixada, tambem escreuy a Gaspar do Sousa e a hun Francisco Jacome, que me dizem ualem muito com elle» (1).

(Continúa).

(1) Corpo Diplomatico. tom. ix, pag. 366.

SOUSA VITERBO.

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE

[graphic][merged small][merged small][merged small][merged small][merged small][merged small][merged small]

SUMMARIO: 1. Meios de que, nos primeiros tempos da monarchia, se lançou mão para promover a repovoação e cultura do paiz.-5. Epocha provavel em que a emphyteuse começou a ser usada entre nós. -6. Disposições que entre nós têm regulado os contractos de aforamento desde os antigos foraes até á promulgação do Codigo Civil.7. Especies de prazos que havia segundo a nossa legislação anterior.

4. Ao fundar-se a monarchia portugueza, em virtude das cruentas e porfiadas luctas que foi preciso sustentar para a reconquista da Peninsula, muitas cidades se encontravam em ruinas, quasi todas as aldeias em cinzas, os campos talados e incultos.

VOL. XLV, N.o 3-MARÇO DE 1898.

« AnteriorContinuar »