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e passou por Babylonia, e foi a Jerusalem; donde veiu a Veneza e a Roma, e d'ahi a Portugal, da qual viagem tem feito um curioso itenerario, que sahirá a lume muito cedo».

Comparando os dous trechos que acabamos de transcrever, parece-nos evidente que Barbosa Machado se baseou sobretudo em fr. João dos Santos. O douto bibliographo dá o Itinerario como manuscripto, mas não nos falla da sua paragem, d'onde facilmente se deprehende que o não vira nem tivera conhecimento especial da sua existencia. E' de crer que se tivesse perdido."

XXX

SOARES DE GOES-BERTOLAMEU

Partiu para a India por terra em outubro de 1611, como se vê do principio d'uma carta regia de 24 de maio de 1612 dirigida a D. Jeronymo d'Azevedo, Viso-Rey da India: «Por carta minha de nove de outubro do anno passado, com que d'aqui se despachou por terra Bartholomeu Soares de Goes, se vos avisou das novas que então havia de Frandes...› (1). Soares de Goes, se era bom caminheiro, não era menos audaz em conquistas amorosas. Affonso Monteiro, residente em Goa, se queixou a el-rei das justiças d'aquella cidade não terem procedido como deviam na querella que dera contra Bartholomeu Soares de Goes, que lhe havia commettido adulterio e incesto com Francisca Marques, sua mulher. El-rei, em carta de 22 de março de 1612 recommendara ao Viso-Rey que tomasse a peito este caso e o informasse» (2).

Em 1614 ainda este negocio estava sem solução. A tal proposito lêa-se o seguinte trecho d'uma carta regia dirigida em 3 de fevereiro ao Viso-Rey da India:

«Por minha carta de 22 de março de 1612 vos escrevi me enviasseis informação ácerca da queixa que me fez Affonso Monteiro do modo porque se procedeu em certos particulares na causa criminal que trouxe com Bartholomeu Soares de Goes, escrivão da camara d'essa cidade; e porque com isso

(1) Documentos remettidos da India ou Livros das Monções, tom. 11, pag. 261. (2) Idem, idem, pag. 240.

se impede tratar-se de suas pretensões, a que por sua parte se me pede mande deferir, vos encommendo me envieis a dita informação na forma de minha carta, que para isso vereis, não m'a tendo já enviada» (1).

Na chancellaria de D. Filipe 2.0 encontramos registados dous alvarás que lhe dizem respeito; um de 10 de janeiro de 1612, auctorisando a testar por sua morte, em filho ou filha, o seu logar de escrivão da camara de Goa; o outro de 2 de dezembro de 1611, perdoando-lhe o crime de adulterio, de que o accusara Affonso Monteiro. Este ultimo documento não está muito em harmonia com a carta acima indicada de 1614. Pois se elle tinha sido perdoado em 1611, como é que 3 annos depois ainda não estava morta a questão? Aqui vão os dous documentos, que entregamos ao parecer de melhor juiz:

«Ev elRei faço saber aos que este aluara virem que avemdo madado ver os autos que na India se proceçarão contra Bertolameu Soares de Goes, escriuão da camara da cidade de Goa, sobre acusação que lhe fez de adulterio Afonso Monteiro, cujo foi o dito officio e asi o perdão que lhe foi concedido dos tres annos de degredo, em que por cemtemça da Relação, que na dita cidade reside saio condenado para a conquista de Ceilão, é temdo comcederação ao que pelos ditos authos consta e a que no dito perdão se procedeo em cófirmidade do estillo e costume antiguo da dita Relação, e auemdo jumtamente respeito ao dito Bertolameu Soares se oferecer para hir daqui por terra com cartas para o Viso Rei daquelle estado importantes do meu seruisso, ei por bem e me praz que o dito perdão se guarde e tenha comprido effeito e lhe ei por leuantada a suspensão do dito officio de escriuão da camara que o chanceler da dita Relação lhe fez comforme a minha ordem que para isso teue, e o ei por metido em posse do dito officio, para que tanto que chegar ha dita cidade de Goa o sírua e contunue nelle asi e da maneira que amtes da dita suspenção o fazia sem embarguo de quaesquer embarguos que a isso lhe sejão postos. Notefico asi ao meu Viso Rei ou gouernador, que ora he e ao diamte fôr o das partes da Imdia, e lhe mãodo e ao chamçarel, desembargadores da dita Relação, veedores e officiaes da camara da dita cidade de Goa e a todas minhas justiças, e officiaes e pesoas, a que pretemcer que asi o cumprão e guardem e fação em todo cumprir e guardar e dexem ao dito Bertolameu Soares seruir o dito officio pela maneira sobredita, e este ualera como carta começada em meu nome sem embarguo da ordenação do 2.o liuro, tituto 40, que dispoem o contrario. Simão Luis o fez em Lixboa a dous de dezembro de mil e seis semtos e omze, e este pasou por tres vias, hua so avera efeito, e eu o secretario Amtonio Viles de Cimas o fis escreuer» (2).

<<Ev elRei faço saber aos que este aluara virem que avemdo respeito

(1) Documentos remettidos da India ou Livros das Monções, tom. II, pag. 37. (2) Torre do Tombo, Chancellaria de D. Filipe п, Doações, liv. 28, fl. 101.

aos seruissos de Bertolameu Soares de Goes e hauer de hir a India por terra a sua custa com hum despacho de meu seruisso, hei por bem e me pras de lhe fazer merce que possa testar por sua morte do officio de escriuão da camara de Goa, que tem em uida, em hum filho ou filha, pelo que mãodo ao meu Viso Rei ou gouernador da India, que ora he e ao diante for, que apresentando-lhe o filho, em que o dito Bertolameu Soares testar, éste meu aluara e estromento publico justificado por que conste ser o propio e semdo apto lhe mãode pasar carta em forma do dito officio, e testando em filha, a pesoa que com ella ouuer de casar, amtes que case, se hira apresemtar ao dito Viso Rei para ver se he apta, e semdo o e apresemtamdo certidão justificada, por que conste que esta casado e recebido na forma do Sagrado Concilio Tredemtino com a filha do dito Bertolameu Soares lhe pasem outro si carta em forma do dito officio, na qual se treladará este meu aluara, que se comprira inteiramente como se nelle comtem e valerá como carta, posto que o efeito aja e uigor, o qual pasou por tres uias, hũa so auera efeito. Bento Juzarte o fez em Lixboa a dez de janeiro de seis centos e doze. E eu o secretario Amtonio Campelo o fiz escreuer» (1).

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Antonio de Sousa era filho de Francisco de Sousa Mancias e nascera na India, d'onde veiu com recados de Estevam da Gama, sendo o principal objecto da sua mensagem solicitar d'el-rei que lhe não nomeasse successor e o conservasse no governo do Estado da India. Era tambem portador de cartas para os condes da Vidigueira e do Vimioso, irmão e sogro de D. Estevão. Chegou, porém, tarde, porque el-rei já tinha dado o despacho que se pretendia atalhar. O valimento do conde da Castanheira fizera com que fosse nomeado Martim Affonso de Sousa, seu parente mui chegado.

Eis o trecho em que Diogo do Couto nos conta este episodio:

«O Governador D. Estevão da Gama nos primeiros dias despedio hum Antonio de Sousa, filho da India, que sabia a lingua persia mui bem, e com elle hum judeo chamado Manasses pera hirem a Ormuz em hum catur muito ligeiro pera dalli passarem ao Reyno por terra com cartas a elRey do estado em que a India ficava, e de sua sucessão, e pera os condes da Vidigueira, seu irmão, e do Vimioso, seu sogro, solicitarem com elRei não lhe mandar successor.

Da jornada destes homens não achamos lembrança alguma, sómente sabemos chegarem ao Reyno, sendo já nomeado Martim Affonso de Sousa

(1) Torre do Tombo, Chancellaria de D. Filipe u, Doações, liv. 29, fl. 65.

pera Governador da India, porque teve a valia do Conde da Castanheira, seu primo com irmão, como adiante diremos, e elRey respondeo: «que folgára de saber que elle governava antes de ter nomeado Martim Affonso pera hir succeder ao Viso Rey D. Garcia de Noronha, e que se podera sem faltar com sua palavra deixar de o mandar, o fizera pela muita confiança que tinha delle D. Estevão o haver de servir bem» (1).

N'uma carta de Christovão de Sousa, nosso embaixador em Roma, dirigida a D. João 3.o em 9 de julho de 1541, lê-se o seguinte periodo:

«Antes de cerar esta me deram hua carta de Pero Carolo, e asi me mandou o trelado de hua carta que lhe escreveo Antonio de Sousa, filho de Francisco de Sousa Mancias, que vem da India por terra, de Candia, donde está pera partir em hūa nao ingresa pera Lixboa: por ventura será ja la; com tudo aqui mando a Vossa Alteza a carta, que conta parte das novas, que confrontam com as que tenho mandadas a Vossa Alteza do homem que eu mandei a Suez» (2).

P. Carllo do Regno era então consul de Portugal em Veneza. Em 1533, por carta de 20 de fevereiro, el-rei Ď. João 3.o lhe concedia a tença annual de quarenta mil reaes, conforme se vê por este diploma:

"Dom Joam a quatos esta minha carta virem faço saber que avemdo eu respeito aos seruiços que P. Carllo do Reguo, comsull dos portugueses no senhorio de Veneza, me tem feitos e espero que ao diate me fara, e por lhe fazer merce, tenho por bem e me praz que elle tenha e aja de mim de temça em cada hữu anno, do primeiro dia do mes de janeiro que ora pasou do anno presente de bexxxiij em diante, équato minha mercee for, corēta mill rs. E mãdo a dom Rodrigo Lobo... P. Amriquez a fez em Evora aos vimte dias do mes de feuereiro do anno do nascimento de noso Senhor Ihuũ xão de mill e bexxxiij. Fernam dAluarez ha fez scprever» (3).

O Manassés, de que falla Couto, é o mesmo que acompanhou Isac do Cairo na missão, que em 1543 lhe incumbiu o governador Martim Affonso de Sousa, conforme noticiamos, transcrevendo um trecho de Gaspar Correia, no artigo VII d'este nosso estudo.

Não esqueça pôr em relevo a circumstancia, exarada em Couto, de que Sousa era sabedor da lingua persa.

(Continúa).

SOUSA VITERBO.

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(1) Diogo do Couto
Decada quinta, liv. 7, cap. 1.
(2) Corpo Diplomatico, tomo 4.o, pag. 369.
(3) D. João 1, Doações, liv. 19, fl. 6 verso.

RECONSTRUCÇÃO DOS JERONYMOS

CONFERENCIA LIDA NA ACADEMIA DE ESTUDOS LIVRES

(Cont. do n.o 3, pag. 187)

III

Estamos pois chegados ao ponto culminante, ao inicio das obras ainda hoje em execução.

Vendo aquelle apontoado de construcções disparatadas e desconnexas, em que tinha sido transformado o dormitorio, José Maria Eugenio teve logo uma idéa: deitar abaixo todas aquellas excrescencias caricatas, que constituiam uma vergonha ali, postas a par do magnifico templo, e construir no seu logar, aproveitando sómente o indispensavel, uma edificação majestosa e digna de figurar ao lado da magnifica egreja dos Jeronymos.

Não era architecto nem engenheiro o famoso provedor, mas tinha o arrojo que dá a consciencia do proprio merito, tinha uma actividade que não desfallecia nunca, um senso pratico que lhe dava multiplas aptidões e que o tornaram um cidadão verdadeiramente notavel.

Precisava alargar o edificio da Casa Pia, tornal-o sufficientemente amplo para accommodar, com todas as condições hygienicas, a sua infantil população; era indispensavel desaffrontar o claustro dos tabiques que o aviltavam, e, para tudo isso, tornava-se necessario fazer edificações, grandissimas edificações.

Em vez de se limitar á feitura de accrescentamentos ao que existia, a continuar, sem ordem e sem methodo, as edificações, como se tinha feito até então, e como é uso vulgar, infelizmente, fazer-se em todas as nossas coisas, José Maria Eugenio teve um pensamento mais rasgado, mais artistico, mais digno de apreço: fazer uma Casa Pia nova sobre os restos do que tinha de desapparecer por inconveniente e vergonhoso.

Não conhecia, por certo, o grande reformador, qual tinha sido a antiga fórma do dormitorio, nem era facil adivinhal-a

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