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pelo que existia nesse momento. Por isso, pondo de parte preoccupações de archeologia, pensou apenas em fazer um edificio sumptuoso, digno do local e digno do instituto que

devia recolher.

Como homem pratico, que era este o seu principal caracteristico, o provedor tratou, primeiro que tudo, de organisar a receita para o seu emprehendimento colossal, evitando por todos os modos sobrecarregar demasiadamente o erario da nação.

O governo, esse estava inteiramente propicio e condescendente para todos os seus planos, que de antemão suppunha optimos; e por conseguinte José Maria Eugenio podia manobrar facilmente com todos os recursos inexhauríveis da sua iniciativa.

Organisaram-se loterias extraordinarias, que duraram alguns annos e renderam avultadas quantias; abriram-se subscripções publicas no paiz e no Brazil, que tambem foram razoavelmente rendosas; e, depois de ver fructos sazonados da sua sementeira, deu começo ás obras.

Tinham sido iniciados estes preliminares em 1860. Em 1864, quando já existiam em cofre, de varias proveniencias, mais de 19 contos de réis, foi encarregado Colson, um engenheiro francez, que se encontrava a esse tempo em serviço do governo, de projectar o plano da obra. Colson, depois de ter ido ao extrangeiro estudar o assumpto, apresentou tres desenhos, mas nenhum d'elles obteve approvação. Existem na bibliotheca da Casa Pia.

Valentim José Corrêa foi depois encarregado de fazer o projecto da construcção e de proceder á demolição do que devia desapparecer. Foi o celebre vestibulo a parte exactamente que primeiro cahiu sob o camartello destruidor.

O objectivo principal era desaffrontar a frontaria da egreja, que depois sería reconstruida por fórma conveniente e já premeditada.

Confesso, com toda a franqueza, que discordo em absoluto de tal proceder. Se a interposição do vestibulo foi um menoscabo á frontaria do templo, a sua demolição tambem foi, quanto a nós, desastre similhante.

Mas a idéa de José Maria Eugenio era tão sómente a edificação d'uma grande casa para accommodar os seus orfãos, e a este criterio foi subordinado o triste inicio da grande obra.

Não ha nem póde haver a sombra d'uma duvida de que o frontispicio do templo, pelo risco primitivo, devia ficar livre, com as suas duas torres gothicas, que lá estavam já come

çadas, e com a esplendida portada que D. Manuel fez honrar com a sua imagem em vulto.

Mas o erro, o desacato, estava feito, e nem José Maria Eugenio, nem as outras pessoas que official ou officiosamente intenderam no assumpto, se lembraram que um desacato architectonico não póde remediar outro.

O facto, porém, por ser pouco notado, ou por qualquer outro motivo, não suscitou protestos. O vestibulo, com a sua magnifica sala dos reis, cujo tecto apainelado em talha de madeira era precioso, com a sua antiguidade, com a sua conveniencia de servir de supporte ao templo, com tudo isso, foi abaixo, no meio da mais completa indifferença.

O proprio Possydonio da Silva, o nosso fallecido patriarcha da archeologia, não só se não insurgiu contra essa demolição, mas até deu mostra bem evidente de concordar com ella, delineando um projecto de reconstrucção da frontaria, que veio a figurar na exposição de Paris de 1867, modelado em madeira.

Dizem os criticos que tal projecto era irrealisavel.

Benet, que substituiu pouco tempo depois Valentim Corrêa na direcção das obras, aproveitou a maior parte do projecto d'este, accrescentando apenas os torreões dos extremos. O de leste, ainda foi feito sob os seus auspicios, mas o do poente, bastante modificado, só se concluiu em 1885.

O celebre torreão foi o escolho em que sossobraram as prosapias artisticas do architecto britannico. A fama que o precedia da construcção do palacio de Monserrate desfez-se em fumo perante aquella obra.

Continuavam os desastres da malfadada construcção.

A idéa inicial de José Maria Eugenio estava já deturpada. O seu designio, apoiado aliás .por todos que directamente se interessavam no assumpto, era fazer um edificio especialmente destinado a recolher a Casa Pia. Nem preoccupações de belleza, nem meticulosidades de ornamentação, nem nada. Um pensamento apenas: fazer uma construcção digna de figurar ao lado do templo dos Jeronymos, e portanto em estylo similhante mas sobrio.

A quebra d'esta orientação produziu o desconchavo d'aquelles torreões mirabolantes.

O prurido de querer exceder, talvez, a portentosa architectura do monumento, deu a ridicularia d'umas portas enfeitadas com bonequinhos e conchinhas, e finalmente uns miranetes descabidos e absolutamente dispares da edificação em geral.

O architecto inglez foi substituido, em 1867, pelos dois artistas italianos Rambois e Cinati, mas nem o edificio nem o bom senso lucraram com a troca.

Pintores scenographos, primeiro que tudo, embora distinctissimos no seu ramo, os dois pseudo-architectos phantasiaram uma torre central, optima, decerto, para figurar no fundo d'uma vista theatral, mas inteiramente impropria para o fim do edificio e para a circumstancia da contiguidade do monu

mento.

Era bonito o projecto, não ha duvida, mas completamente opposto ás regras da arte, ás exigencias d'uma construcção que forçosamente devia relacionar-se com o templo dos Jeronymos, e até mesmo incoherente não só com todo o conjuncto, mas com os mais indispensaveis principios da estabilidade.

Uma vistoria realisada posteriormente demonstrou que os alicerces não apresentavam condições de segurança absolutamente nenhumas. Estavam inundados.

José Maria Eugenio, fallecido em Evora a 23 de abril de 1872, devia ter visto o desenho da torre central, mas pouco presenciou da sua construcção. Parece impossivel que o seu espirito tão atilado e a sua vontade tão energica, se deixassem arrastar, enervados embora pela absoluta perversão de gosto do meio em que vivia, ao consentimento de similhante.

risco.

O corpo central, quando já estava quasi a attingir a sua conclusão, desabou na memoravel manhã de 18 de dezembro de 1878. Éra já esperado o desastre.

Se não fôra o prejuizo importante de dinheiro que representou essa derrocada, e a mais d'isso a perda da vida de nove infelizes operarios esmagados sob os oscombros, poderia dizer-se providencial a quéda da torre phantasia dos magnificos scenographos.

Mas se do corpo central nos ficou sómente uma triste noticia outro tanto não acontece com a torre mitrada, que os mesmos artistas foram desgraciosamente sobrepôr ao tecto da egreja. Essa lá está ainda, bradando lastimosamente que a derrubem para beneficio da estabilidade da soberba aboboda do templo, que dizem os entendidos estar em perigo, em virtude da falta de segurança d'essa torre.

(Continúa.)

CESAR DA SILVA,

Professor-bibliothecario da Casa Pia.

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE

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A EMPHYTEUSE SEGUNDO A NOSSA MODERNA LEGISLAÇÃO CIVIL,

E EM FACE DOS PRINCIPIOS ECONOMICO-SOCIAES

$4.

A EMPHYTEUSE EM SI MESMA, TAL COMO SE ENCONTRA REGULADA NO NOSSO CODIGO CIVIL

SUMMARIO: 13. Natureza juridica da emphyteuse. Se ha um desmembramento da propriedade, um direito in re aliena, ou uma propriedade perfeita simplesmente onerada com um encargo especial? 11. Por que pessoas e sobre que bens pode ser constituida a emphyteuse. Modos por que pode estabelecer-se. - 15. Direitos e obrigações dos senhorios directos e dos emphyteutas. - 16. Extincção da emphyteuse.

13. Nascida a emphyteuse, como contracto juridico, da necessidade a que os proprietarios chegaram de não poVOL. XLV, N.° 7-JULHO DE 1898.

derem por si proprios cultivar os seus extensos predios, por falta de braços e de capitaes moveis que n'elles empregassem, deixando-os assim converter-se em extensos matagaes bravios; ella é, pois, como que um recurso desesperado, o ultimo, de que os mesmos proprietarios lançaram mão para valorisar vastos territorios, visto elles por si sós não o poderem fazer, nem encontrarem arrendatarios que nas condições ordinarias tomassem conta d'elles.

A emphyteuse não é, pois, da parte do senhorio directo uma mera liberalidade, como antigamente se julgava; mas sim um contracto bilateral e commutativo, de que ambos os contrahentes tiram ou esperam reciprocas vantagens. O senhorio cede de uma parte dos seus direitos, para fazer valer a outra parte; o emphyteuta acceita o predio para exercer n'elle a industria agricola, cultivando-o e disfructando-o (1).

E' preciso ter sempre bem em vista estes principios, porque só em face d'elles se avaliará com exactidão da justiça ou injustiça da prestação dos foros, e da sua remissão.

Como já se disse, a emphyteuse é um contracto sui generis: differe do contracto de venda, porque esta é uma alienação absoluta, tornando-se o adquirente, realisada aquella, extranho ao vendedor; ao passo que na emphyteuse ainda fica subsistindo nas mãos do concedente uma parte do dominio de propriedade; e differe do arrendamento, porque transmitte um direito real sobre o predio, um quasi dominio, que permitte dispôr d'elle de um modo quasi absoluto; na emphyteuse ha como que um desmembramento de propriedade, o que é bem differente do direito de que o simples arrendamento investe o arrendatario.

Parece discordar d'estas idéas o sr. dr. Teixeira d'Abreu, quando no seu notavel trabalho-Das Servidões, diz que «a emphyteuse ou emprazamento não póde considerar-se por fórma alguma como direito real, visto que ao foreiro pertence o direito de usufruir o predio e dispôr d'elle como cousa sua, salvas as restricções estabelecidas na lei para garantia do canon ou foro que ao senhorio directo é devido (Cod. Civ., artt. 1673.o e 1676.o). Aqui ha, pois, uma propriedade perfeita, embora onerada com uma especie de hypotheca para segurança d'aquelle canon......»

E um pouco mais abaixo accrescenta que, quando mesmo o predio emprazado fosse inalienavel, «nem por isso deveria

(1) Coelho da Rocha, obr. cit., § 533.o; dr. A. Jardim, obr. cit.

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