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a emphyteuse considerar-se fracção da propriedade, mas uma simples locação perpetua (Cod. Civ., art. 1654.o), o que exclue a idéa de désmembração, implicita na de direito real» (1).

Apezar da opinião auctorisadissima de s. ex.a e do elevado conceito que nos merece, não podemos concordar com o seu modo de pensar; porque, pondo mesmo de parte o artigo 2189.° do Codigo Civil que colloca a emphyteuse entre as propriedades imperfeitas, vemos que se a emphyteuse fosse uma propriedade perfeita simplesmente onerada com uma especie de hypotheca para garantia do canon ou foro, como quer s. ex., o emphyteuta poderia sempre alienar livremente o predio emprazado, sem o senhorio directo ter nada com isso, comtanto que o seu foro ficasse garantido; o que não se dá, como se vê do artigo 1681.°

E tanto mais verdadeiro nos parece o conceito que formamos da emphyteuse, quanto é certo que o direito de propriedade do senhorio directo como que se conserva latente, não só na emphyteuse temporaria, mas ainda na perpetua; revivendo e recuperando todo o seu vigor logo que as circumstancias o reclamem.

D'outro modo, como poderiam justificar-se as prescripções dos artigos 1663.o e 1674.° do Codigo Civil, que determinam que se o ultimo foreiro fallecer sem herdeiros legitimos ou testamentarios, o predio emprazado seja devolvido ao senhorio directo? e que, no caso do foreiro deteriorar o predio emprazado de modo que o valor d'este se torne inferior ao do capital correspondente ao foro e mais um quinto, o senhorio directo possa recobrar o dito predio sem indemnisação alguma ao foreiro?

Se houvesse uma propriedade perfeita, apenas onerada com uma especie de hypotheca para segurança do canon, não teriam razão de ser estes artigos, bem como o artigo 1688.° que determina que, se, por força maior ou caso fortuito, o predio emphyteutico se destruir ou inutilisar só em parte, de modo que o seu valor fique sendo inferior ao que era na epocha do emprazamento, poderá o foreiro requerer que o senhorio directo lhe reduza o foro, ou encampar o prazo, se elle se oppozer á reducção; pois que n'esse caso as disposições applicaveis seriam as dos artigos 901.o, 1969.o, n.o 6.o e 2006.o, que determinam que, se por qualquer motivo, a hypotheca se tornar insufficiente para segurança da obrigação contrahida,

(1) Dr. Teixeira d'Abreu, Das Servidões, vol. 1, n.o 22, a), pag. 43.

o crédor tem direito de exigir que o devedor a reforce; e que, se alguem fallecer sem herdeiros legitimos ou testamentarios, a herança seja deferida á fazenda nacional. ·

A ultima hypothese de s. ex.a tambem não colhe, segundo nos parece, pois embora o predio emprazado fosse inalienavel, nem por isso a emphyteuse se confundiria com a locação perpetua; attendendo mesmo a que são muitos e variados os caracteres distinctivos entre a emphyteuse e o arrendamento, taes como a modicidade da renda, caracteristica já consignada no direito romano e que ainda se encontra em alguns codigos modernos, como no da Austria (art. 1123."); a obrigação imposta ao foreiro de melhorar o predio emprazado, que, segundo Vito de Pirro (1), constitue um quid da essencia do contracto, como que a caracterisal-o, concorrendo para lhe dar uma physionomia juridica que o distingue dos outros contractos seus affins; sendo essa obrigação expressamente imposta em varias legislações, como no nosso decreto n.o 11 de 10 de janeiro de 1895, artigo 5.o, § 2.o, no Codigo italiano artigo 1556.o, no Codigo estense artigo 1616.o, no Codigo napolitano artigo 1678.", no Codigo de Parma artigo 415.°, etc.; e segundo Anselmo de Orto (2), na edade média as phrases «contractus emphyteuticus, dare ad (in) emphyteusin» eram synonymas d'estas, «contractus meliorationis, dare ad meliorandum, sendo usadas promiscuamente para indicar a mesma figura juridica, etc.

A emphyteuse importa, pois, no concessionario uma transmissão de propriedade resoluvel ou revogavel pela devolução; ao passo que o emphyteuta fica com um direito in re aliena (3).

14. Dando-se na emphyteuse um desmembramento de propriedade, ella só poderá ser constituida por aquelles que tenham o direito de alienar o predio ou predios sobre que é constituida (art. 1667.9); é necessario que o concedente do praso tenha um pleno direito nos bens, e liberdade de dispôr d'elles, sem que a natureza ou a lei o cohiba; sendo, por isso, incapazes de aforar quaesquer bens os menores e interdictos,

(1) Vito de Pirro, Della enfiteusi, pag. 72.

(2) Anselmo de Orto, Super contract. emphyt. etc., pagg. 14 e 26,

nota 2.a

(3) Vito de Pirro, obr. cit., p ́gg. 21 e 72; Mazzoni, Inst. de Diritto Ciy. Ital., vol. I, pag. 512; Bianchi, Corso di Codice Civile Italiano, vol. ix, p. 1, pag. 655; dr. Alves de Sá, A Emphyt. e o usuf. no Codigo Civil, pag. 50; Troplong, obr. cit., etc.

visto ser-lhes negada não só a livre alienação, mas ainda a administração dos seus bens (artt. 98.o, 321.o e 340.°).

Não póde, tambem a emphyteuse ser constituida por um casado sem consentimento do outro consorte, seja qual fôr o seu contracto de casamento, quer sejam proprios d'algum dos conjuges os bens sobre que é constituida, quer sejam communs (artt. 1668.° e 1119."); sendo, pois, nullo o contracto emphyteutico que se realisar sem a intervenção de ambos os

conjuges.

Do mesmo modo, como na emphyteuse se dá um desmembramento de propriedade, parte da qual é alienada, e como sómente pode ter por objecto bens immoveis, - só podem receber de emprazamento de um modo geral, os que tenham capacidade legal para adquirir bens immoveis e das pessoas e nas condições em que o emprazamento é feito (art. 1669.o). Não podem, consequentemente, receber de emprazamento: 1.o-As pessoas moraes ou corpos chamado de mão morta (§ 1.o do art. 1669.°), isto é, os collegios, corporações e estabelecimentos publicos, cuja existencia se perpetúa por subrogação successiva das pessoas que os compõem ou administram, como são as igrejas, cabidos, irmandades, misericordias, etc., porque, incidindo a emphyteuse sobre bens immoveis sendo preciso para a sua constituição titulo oneroso e perpetuo, é isso defeso a estas pessoas moraes, que apenas podem adquirir taes bens por titulo gratuito, devendo, porém, sob pena de sua perda, alienal-os antes que finde um anno depois da sua acquisição (art. 35.o).

Deve, porém, notar-se que em vista do § 1.o do artigo 35.o do Codigo Civil, podem as pessoas moraes conservar os bens immoveis que forem indispensaveis para o desempenho dos deveres das associações ou corporações; e que em vista da lei de 12 de outubro de 1871, que suscita a observancia do n.o 1.o do § 2.o do artigo 10.o da lei de 22 de junho de 1866, as pessoas moraes comprehendidas n'essa lei, isto é, as camaras municipaes, juntas de parochia, misericordias, hospitaes, irmandades, confrarias, recolhimentos e quaesquer outros estabelecimentos pios ou de beneficencia, nacionaes ou extrangeiros, podem, precedendo as solemnidades legaes, adquirir por titulo oneroso edificios, jardins, passeios e quaesquer terrenos, que o governo, depois de havidas as necessarias informações das auctoridades competentes, julgar indispensaveis para as suas funcções ou goso do serviço publico; bem como se deve attender tambem á lei de 21 de julho de 1889,

que determina que as associações e institutos meramente scientificos ou litterarios, ou que tenham por fim unico e exclusivo promover o desenvolvimento de qualquer ramo de instrucção, quando se achem legalmente constituidos, poderão adquirir, por titulo gratuito ou oneroso, e conservar, independentemente da auctorisação do governo, quaesquer bens immoveis indispensaveis para a sua installação, où necessarios para a consecução dos seus fins, comprehendendo edificios com caracter de monumentos historicos, ruinas, inscripções, dolmens, terrenos proprios para estudos experimentaes e explorações archeologicas de qualquer outra natureza meramente scientifica ou litteraria, tudo em conformidade com os seus estatutos.

Ora, se por estes diplomas as pessoas moraes podem, em determinadas circumstancias, adquirir e conservar bens immoveis, pelas mesmas razões e n'esses mesmos casos poderão receber esses bens a titulo de emprazamento.

2.o— Ha ainda outras pessoas que tambem não podem receber de emprazamento, não de um modo absoluto, como as pessoas a que nos referimos no numero antecedente, mas relativamente quanto aos bens ou ás pessoas de quem recebem. Assim, não podem tambem receber de emprazamento: a) Os mandatarios ou procuradores, e os estabelecimentos, quanto aos bens de cuja venda ou administração se acham encarregados;

b) Os tutores e protutores, quanto aos bens dos seus tutelados ou protutelados, durante a tutela ou protutela;

c) Os testamenteiros, quanto aos bens da herança, emquanto durar a testamentaria;

d) Os funccionarios publicos, quanto aos bens em cujo emprazamento intervêem, como taes, quer esses bens sejam nacionaes, quer municipaes ou parochiaes, quer de menores, de interdictos ou de quaesquer outras pessoas;

e) Um casado, do outro conjuge, excepto achando-se judicialmente separados de pessoas e bens;

f) Os filhos ou netos, dos paes ou avós, excepto se os outros filhos ou netos consentirem no emprazamento;

g) Quaesquer individuos extranhos, pelo que respeita á parte de um predio ainda indiviso, pertencente a varios comproprietarios, querendo o emprazamento qualquer d'esses com-proprietarios (§ 2.o do art. 1669.o, e artt. 1562.o, 1564.o, 1565. e 1566.). Porque qualquer contracto de emprazamento celebrado contra estas disposições, embora celebrado por interposta pessoa, importa comsigo nullidade, como por analogia se deduz do artigo 1567.o; e isto com o fim de evitar

enganos ou lesões para qualquer das partes contractantes, ou mesmo para terceiras pessoas.

Os bens sobre que a emphyteuse póde ser constituida, são todos os immoveis, tanto rusticos como urbanos (art. 1664.o). Convém todavia notar que no direito romano apenas os predios rusticos podiam ser objecto de emprazamento (1), e com razão; pois os unicos motivos porque a emphyteuse se torna acceitavel, e até recommendavel, é pelos beneficios que pode prestar ao desenvolvimento da agricultura.

Quando, porém, os predios sobre que se pretende estabelecer a emphyteuse estão ligados por qualquer vinculo, como os bens dotaes e os pertencentes a menores, os contractos de emprazamento só poderão fazer-se nas mesmas condições especiaes requeridas para a alienação dos ditos bens (artt. 1665.o e 1666.o).

Assim, pelo que respeita aos bens immobiliarios dos menores, como para a sua alienação é indispensavel que ella seja feita em hasta publica, com assistencia do protutor e do curador (artt. 268.o e 207.), sendo do mesmo modo requeridas identicas solemnidades para o arrendamento d'esses bens por mais de tres annos (art. 265.o); era de justiça que para o aforamento d'esses bens, que se póde considerar como uma verdadeira alienação, se exigissem as mesmas solemnidades.

Pelo que respeita, porém, aos bens dotaes, manda o Codigo, no artigo 1666.o, applicar-lhes o que dispõe o artigo 1149.o, $$ 2.o e 3.o, que determinam que sendo os bens dotaes de sua natureza inalienaveis, só possam ser alienados para dotar e estabelecer os filhos communs, consentindo ambos os conjuges;-para alimentos da familia, aos quaes se não possa prover de outro modo;-para pagamento de dividas da muÎher ou de quem a dotou, anteriores ao casamento, se constarem de documento authentico ou authenticado, e não podérem ser pagas por outros bens;--para reparação indispensavel de outros bens dotaes;-no caso de serem por sua natureza inseparaveis de bens não dotaes;-por troca de outros bens de valor egual ou maior, ficando os ditos bens subrogados em logar dos alheados. E que quando essa alie

(1) Apparecem, comtudo, algumas excepções, em que esta especie de contractos parecem ter sido applicados tambem ás edificações (L. 5 C. X, 3 De locat. fund emphyt.; Nov. vii, cap. 3.o, §§ 1.o e 2.o; Nov. cxx,

caps. 1.o e 2.o

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