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ORIGEM E ESTABELECIMENTO DA EMPHYTEUSE

NAS LEGISLAÇÕES GREGA E ROMANA

SUMMARIO:- 1. Origem da emphyteuse; seus primeiros vestigios na legislação grega.-2. Implantação da emphyteuse no direito romano. Sua regularisação entre os romanos: constituições de Zenão e Justiniano; suas principaes disposições.-3. A emphyteuse no antigo direito medieval.

1. Nada mais incerto e obscuro do que o logar e epocha em que a emphyteuse começou a usar-se; o seu inicio perde-se VOL XLV, N.o 2 -FEVEREIRO DE 1898.

na noute dos tempos, posto que o uso habitual d'esta especie de contractos supponha já um certo grau de civilisação.

Segundo diz o sr. dr. Antonio Jardim, seguindo a Mello Freire, ha escriptores que vão procurar a origem dos contractos emphyteuticos entre os egypcios, dizendo que foi um contracto d'esta natureza o celebrado entre o ministro de Pharaó, o hebreu José, filho de Jacob, e o povo egypcio, que, obrigado pela fome, lhe entregou as suas terras para obter cereaes com que se sustentasse e semeasse os campos, ficando desde então a pagar ao rei a quinta parte dos seus rendimentos (Gen. XLVII, 18-26).

Este contracto, porém, nenhuma semelhança tem com a emphyteuse tal como se vê estabelecida entre os romanos e tem sido usada pelos differentes povos; porque, como bem disse o sr. dr. Jardim, mais participa elle da natureza do censo, do que da natureza da emphyteuse,-opinião esta seguida tambem por Mello Freire (1).

Nenhuma duvida ha de que a palavra emphyteuse deriva do verbo grego ev ou eμ outíu∞, TCV, que significa plantar, cultivar, melhorar uma terra, porque o emphyteuta, ao lado da faculdade de plantar, cultivar e melhorar o predio emprazado, tem a certeza de gosar o producto das plantações e bemfeitorias que n'elle fizer; por isso, se attendermos á sua origem etymologica, teremos de ir á legislação grega procurar a genese dos contractos emphyteuticos. E, na verdade, é lá que se encontram os primeiros vestigios d'esta especie de contractos, sem que possa comtudo fixar-se a data do seu apparecimento.

E' certo que algumas inscripções nos revelam a sua existencia no v seculo antes de Christo, mas d'ellas não póde deprehender-se se eram já de ha muito praticadas, où de creação recente.

A noticia mais desenvolvida e incontestavel que temos a este respeito, é-nos fornecida pelas denominadas Tabuas de Heraclea, encontradas nos principios do seculo passado, onde se faz menção de duas convenções pelas quaes a cidade de Heraclea trazia emprazados ou arrendados perpetuamente os terrenos consagrados a Baccho e a Minerva (2).

(1) Dr. Antonio Jardim, Dissertação inaugural, pagg. 25 e segg.; Mello Freire, Inst. jur. civ. lus., liv. 3.o, tit. 2.o

(2) Lattes, Studi storici sopra il contratto d'emphyteusi, § 3, pag. 2.

N'estas convenções já se determinavam mais ou menos as obrigações do emphyteuta, recusando-se-lhe a faculdade de vender ou hypothecar o praso, ou dividil-o em vários lotes. Esta mesma condição apparece-nos mais adeante n'um contracto de Mylasa,. que vae até um pouco mais longe, prohibindo ao emphyteuta toda a cessão gratuita do predio emprazado. Apparecem-nos, comtudo, outros contractos que, sob certas condições, permittem ao emphyteuta o abandonar o predio emprazado.

A maior parte das noticias que a este respeito temos da legislação grega, mostra-nos os contractos emphyteuticos como respeitantes sómente ao territorio de uma cidade, de um templo, de uma associação, pertencendo sempre o dominio directo a uma pessoa moral, a um ser collectivo destinado a viver eternamente, apparecendo-nos uma unica excepção a esta regra geral; mas o documento em que se faz menção d'esse contracto provém da Asia Menor, e data do reinado de Alexandre.

O que não é muito claro é se o emphyteuta podia subemphyteuticar o terreno emprazado; comtudo, pelo que se deprehende da maior parte d'essas convenções, quasi se póde affirmar que a sub-emphyteuse não era permittida na legislação grega (1).

2. Foi, sem duvida, da legislação grega que esta especie de contractos passou para o direito romano, onde a emphyteuse adquire uma natureza propria, que a torna distincta e diversa de outra qualquer especie de contractos; não é, todavia, possivel fixar com exactidão a epocha em que este facto se deu.

Nos primeiros tempos de Roma só havia duas classes de individuos,-proprietarios e escravos, fazendo aquelles cultivar as suas terras por estes; não havendo, por isso, pessoas que podessem tomar de emprazamento terras alheias.

Pouco a pouco, porém, a população romana vae crescendo, e ao lado d'estas duas classes primordiaes, que occupam como que os dois extremos da escala social, se fórma em breve uma nova classe intermediaria, livre mas dependente, que vive do commercio e da industria.

Ao mesmo tempo o modo de exploração e cultura do solo vae-se transformando gradualmente. A escravatura é uma condição pouco conforme com os instinctos mais vivazes da

(1) Grand Encyclopédie, vol. 16, vb. Enfiteose,

natureza humana, para se poder perpetuar indefinidamente no seio da sociedade. Por toda a parte onde ella existiu, por toda a parte onde a conquista lhe deu origem, ella tendeu necessaria e constantemente a transformar-se, a desaparecer; transformação e desapparecimento que se operou gradualmente e por diversas formas, e que bastante influiu no modo de agricultar a propriedade territorial.

Umas vezes são as libertações que, convertendo os escravos em trabalhadores livres, abrem vagas na cultura das terras, que são preenchidas pelo arrendamento (locatio, conductio).

Outras vezes, porém, os proprietarios, com o fim de tornar as suas terras mais productivas, fazem a familias servas concessões de terrenos para arrotearem e cultivarem, e para construcções, mediante certas rendas annuaes; seguindo-se á escravatura rural, dos antigos tempos, o colonado.

Os colonos eram considerados como ligados ao territorio que cultivavam, como que formando um seu accessorio, uma dependencia; o senhor os reivindicava como taes juntamente. com o terreno, e a venda das terras os fazia passar, nas mesmas condições, ao seu novo senhor.

Entretanto, elles eram homens livres, reconhecia-se-lhes a faculdade de celebrar casamento, e mesmo, sob certas condições, o direito de adquirir.

Foi um progresso a que se seguiram muitos outros, até que emfim os descendentes dos antigos servos, são transformados em cultivadores mais ou menos livres e, sob certas condições, se tornam mesmo proprietarios.

Porém, as invasões dos barbaros e a má organisação social fizeram abandonar a agricultura, principalmente nas provincias mais affastadas, e augmentaram o pauperismo n'umas proporções terriveis. Os grandes proprietarios tendo vastas extensões de terras desertas, para as quaes, em vão, procuravam arrendatarios nas condições ordinarias, viram-se obrigados, a fim de attrahir cultivadores, a abandonar essas terras por um espaço de tempo assaz longo, mesmo perpetuamente, e mediante uma renda inferior ás taxas ordinarias dos arrendamentos; permittindo-se, além d'isso, aos mesmos cultivadores o poderem, sob certas condições, hypothecar os terrenos emprazados, vendel-os e dispor d'elles como se fossem os verdadeiros proprietarios.

A emphyteuse, porém, tem, entre os romanos, a sua primeira applicação no ager vectigalis, isto é, n'aquella porção do ager publicus que, a principio, o povo, depois, o senado concedia,

já aos municipios e aos collegios, já ás corporações de sacerdotes, mediante uma renda annual chamada annona ou vectigal.

Os collegios, os municipios e essas corporações, a fim de fazer valorisar as suas partes do ager publicus, concediam-nas por sua vez aos particulares, a titulo de arrendamento perpetuo, ficando os locatarios obrigados a pagar-lhes um certo canon durante todo esse tempo.

Estas terras assim concedidas constituiram o ager emphyteuticarius, que está para o ager vectigalis, como a especie para o genero; pois, pelo ager rectigalis entendem-se as terras pertencentes ao Estado e concedidas mediante um vectigal; pelo ager emphyteuticarius se designam as mesmas terras, de que aquellas entidades são concessionarias em relação ao Estado, e que concediam aos particulares mediante um certo canon ou pensio annual (1).

A principio, a historia do direito romano mostra-nos a emphyteuse como sendo exclusivamente usada nas terras dos municipios e das igrejas e nos territorios de dominio nacional; não havendo nenhum texto, nenhuma inscripção que nos mostre que ella, nos primeiros tempos, tenha sido praticada entre particulares, parecendo antes tudo indicar-nos que estes só recorreram a esta especie de contractos cerca do v seculo da era christã (2).

N'esta epocha, os meios ordinarios de utilisar as propriedades ruraes tinham-se tornado cada vez mais difficeis, os campos ficavam incultos, por não haver quem os cultivasse, e os latifundios, concentrados mais que nunca n'um pequeno numero de mãos, teriam ficado improductivos, se a emphyteuse não tivesse vindo em auxilio dos particulares embaraçados nas suas riquezas. E é então que a emphyteuse se introduz na vida civil e se torna um contracto normal, um accidente de cada dia.

Vê-se, pois, que a emphyteuse foi usada por duas causas ou com um duplo fim: primeiramente foi usada pelos corpos moraes para valorisarem os seus bens territoriaes, depois foi

(1) Molitor, Cours de droit romain, п, pag. 254; Max. Jousset, De l'Emphyteose, pagg. 15, 30 e segg.

(2) Troplong, Du Louage, n.o 31, pag. 83. O primeiro texto que faz menção da emphyteuse é um fragmento de Ulpiano, inserido no Digesto, do theor seguinte: Si jus εμφυτευτικόν (emphyteuticum) vel εμβατευτικὸν (possessorium) habeat pupillus... (L. ш, § 4 Dig. xxvi, 9 De rebus eor. qui sub tutel.)

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