PROJECTO DA CONSTITUIÇÃO POLITICA ᎠᎪ MONARQUIA PORTUGUEZA (a). EM NOME DA SANTISSIMA E INDIVISIVEL TRINDADE. As Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituin tes da Nação portugueza, havendo maduramente considerado que as desgraças publicas, que tanto a tem opprimido e opprimem, tiverão sua origem no desprezo dos direitos do cidadão, e no esquecimento das leis fundamentaes da Monarquia; e havendo outrosim considerado, que sómente pelo restabelecimento destas leis, ampliadas com opportunas providencias, he que póde renascer a antiga prosperidade da tnesma Nação, precaver-se que ella não torne a cair no abysmo de que a salvou a heroica virtude de seus filhos: decretão a seguinte Constituição politica, a fim de segurar os di reitos de cada um, e o bem geral de todos os cidadãos portuguezes. TITULO I Dos direitos e deveres individuaes dos cidadãos. Art. 1. A Constituição politica da Nação portu. gueza tem por objecto manter a liberdade, segurança, e propriedade de todo cidadão. 2. A liberdade consiste na faculdade, que compete a cada cidadão, de fazer tudo o que a lei não pros hibe. A conservação desta liberdade depende da exa cta observancia das leis. 3. A segurança pessoal consiste na protecção que o Governo deve dar a todos para poderem conservar os seus direitos pessoaes. 4. Nenhum cidadão deve jamais ser preso sem culpa formada, salvo nos casos e pela maneira que vai declarada nos artigos 172, e seguintes. A lei designará as penas com que devem ser castigados, não só o juiz que ordenar a prisão arbitraria, e os officiaes que a executarem mas tambem á pessoa que a tiver requerido. 5. A casa do cidadão he para alle um asylo inviolável. Nenhum official publico poderá entrar nella sem ordem escrita da competente autori lade, salvo no caso de delicto commettido em flagrante. 6. A propriedade he um direito sagrado e inviolavel, que tem qualquer cidadão de dispôr á sua vontade de todos os seus bens, segundo as leis. Quando por alguma razão de necessidade publica e urgente for preciso que elle seja privado deste direito, será primeiramente indemnizado pela fórma que as leis estabelecerem. 7. A livre communicação dos pensamentos he um dos mais preciosos direitos do homem. Todo o cidadão póde conseguintemente, sem dependencia de censura previa, manifestar suas opiniões em qualquer materia, com tanto que haja de responder pelo abuso desta liberdade, nos casos e pela fórma que a lei determinar. 8. As Cortes nomearão um tribunal especial para proteger aquella liberdade, e cohibir os delictos resultantes do seu abuso. 9. Quanto porém aquelle abuso que se pode fazer em materias religiosas, fica salva aos bispos a censura dos escritos publicados sobre dogma e moral, é o Governo auxiliará os mesmos bispos para serem castigados os culpados. · 10. A lei deve ser igual para todos. Não se devem por tanto tolerar os privilegios do foro nas causas civeis ou crimes, nem commissões especiaes. Esta disposição não comprehende as causas que pela sua natureza pertencerem a juizos particulares na conformidade das leis que marcarem essa natureza. 11. Nenhum cidadão he obrigado a fazer o que à lei não manda, nem a deixar de fazer o qué ella não prohibe. A lei porém não mandará nem prohibirá senão o que for de utilidade evidente. 12. Toda a pena deve ser proporcionada ao delicto, e nenhuma passará além da pessoa do delinquen te. A tortura, a confiscação de bens, a infamia, os açoutes, o baraço e pregão, a marca de ferro quente, é todas as mais penas crueis ou infamantes, ficão abolidas. 13. Todos os cidadãos poderão ser admittidos aos cargos publicos, sem outra distincção que não seja a dos seus talentos, e das suas virtudes. 14. Os officios publicos não são propriedade do cidadão. O numero delles será rigorosamente restricto ao necessario. As pessoas que os servirem juratão pri meiro observar a Constituição, ser freis ao Governo, e bem cumprir suas obrigações. 15. Todos os empregados publicos serão estricta (a) Este projecto foi apresentado ás Cortes em 25 de Junho de 1821, e entrou em discussão no dia 9 de Julho seguinte; mas não se imprimiu mais cedo nos Diarios, para não retardar a publicação destes. mente responsaveis pelas suas prevaricações. Na Constituição e nas leis se prescreve o modo de se cohibir qualquer oppressão, que fizerem pela autoridade de seus cargos. 16. As pensões e quaesquer outras recompensas pecuniarias impostas sobre a fazenda nacional, sómente poderão ser concedidas a titulo de serviços importantes, que houverem sido feitos á patria. 17. Todo o cidadão poderá apresentar por escrito ás Cortes e ao Poder executivo reclamações, queixas, ou petições; e bem assim expor qualquer infracção da Constituição, e reclamar a effectiva responsabilidade do infractor. 18. O segredo das cartas be inviolavel. A administração do correio ficará rigorosamente responsavel por qualquer infracção deste artigo. 19. Todo o cidadão deve ser justo e bemfazejo. O amor da patria he o seu primeiro dever. Elle deve por tanto defendela com as armas, quando for cha mado pela lei; obedecer á Constituição e ás leis; respeitar as autoridades constituidas; e contribuir para as dispezas do Estado. TITULO II. Da Nação portugueza, e seu territorio, religião, governo, e dynastia. 20. A Nação portugueza he a união de todos os Portuguezes de ambos os hemisferios. O seu territorio comprehende: I. Na Europa, o reino de Portugal, que se compõe das provincias do Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Além-Téjo, Algarve, e das Ilhas Adjacentes da Madeira, Porto-Santo, e Açores. II. Na America, o reino do Brazil, que se compõe das provincias do Pará, Maranhão, Pernambu. co, Bahia, Rio de Janeiro, S. Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Geraes, e Mato-Grosso, com os governos dependentes de cada uma destas provincias. III. Na Africa occidental, Bissão, e Cacheu, Angola, Benguela, e suas dependencias, as Ilhas de Cabo Verde, e as de S. Thomé e Principe: e na costa oriental, Moçambique, Rio de Sena, e suas dependencias. IV. Na Asia, Gôa e suas dependencias, Damão, Diu, e Macáo. Este territorio sómente pode ser alienado com approvação das Cortes (art. 97). Delle se fará conveniente divisão por provincias, comarcas, e concelhos. 21. São Portuguezes: I. Todos os homens livres nascidos e domiciliados no territorio portuguez, e os filhos delles. II. Os que nascêrão de pai estrangeiro e mai portugueza, comtanto que possuão bens de raiz no territorio portuguez, ou nelle tenhão algum estabelecimento de agricultura, industria, ou commercio, com residencia de seis annos pelo menos. III. Os que, nascendo em reino estrangeiro de pais portuguezes, vierem para o territorio portuguez, e jurarem a Constituição. IV. Os filhos illegitimos de mai portugueza, ainda que sejão espurios. V. Os estrangeiros, que obtiverem das Cortes 'car ta de naturalização. VI. Os escravos nascidos nas possessões ultramatinas, que alcançarem alforria. 22. São cidadãos portuguezes: I. Os que por ambas as linhas forem oriundos do territorio portuguez, e nelle adquirirem domicilio. 11. Os estrangeiros já naturalizados, que obtiverem das Cortes carta de cidadão: a qual sómente se concederá aos que se estabelecerem no Reino com um capital consideravel: introduzirem nelle alguma iuvenção ou industria util; ou fizerem á Nação alguns serviços relevantes. III. Os filhos de estrangeiros que, havendo nascido em territorio portuguez, residirem nelle vinte annos, vivendo de seus bens de raiz, ou de alguma profissão, officio, ou industria util. A referida residencia se não entenderá interrompida, se houverem saido do Reino com licença do Governo. 23. Perde a qualidade de cidadão aquelle : 1. Que se naturalizar em paiz estrangeiro. 11. Que sem ordem ou licença do Governo residir em paiz estrangeiro por mais de cinco annos continuos, ou acceitar emprego ou pensão de governo estrangeiro. III. Que for condemnado por sentença em pena de prisão où degredo perpetuo. 24. O exercicio dos direitos de cidadão relativos á ordem publica suspende-se: I. Por incapacidade fysica, ou sentença que declare a incapacidade moral. II. Por sentença que condemne em prisão ou de gredo mesmo temporario. 25. A religião da Nação portugueza he a catholica apostolica romana. Permitte-se com tudo aos est.angeiros o exercicio particular de seus respectivos cultos. 26. A soberania reside essencialmente em a Nação. Não póde pórém ser exercitada senão pelos seus Representantes legalmente eleitos. Nenhum individuo ou corporação póde exercer autoridade publica, que se não derive da mesma Nação. 27 A Nação he livre e independente, e não póde ser patrimonio de nenhuma casa ou familia. A ella sómente pertence fazer pelos seus Representantes a sua Constituição ou lei fundamental, sem dependencia de alguma sancção do Rei. 23. Esta Constituição, uma vez feita pelas presentes Cortes Extraordinarias, sómente poderá ser reformada ou alterada em algum ou alguns de seus artigos, depois de haverem passado quatro annos contados desde a sua publicação: no que se procederá pcla maneira seguinte. A proposição da refórma ou alteração será lida tres vezes nas Cortes com intervallos de seis dias: e se for admittida á discussão, e concordarem na sua necessidade as duas terças partes dos Deputados presentes, ficará reservada para se tratar della na legislatura seguinte. Nesta se praticarão as mesmas formalidades: e sendo reconhecida a necessidade da propo sição, será esta reduzida a decreto, que se publicará, e remetterá a todas as camaras, para que os eleito. res dos Deputados de Cortes lhes confirão nás procurações especial faculdade para poderem fazer a pretendida alteração, obrigando-se a reconhecela como constitucional. Nas procurações se incluirá copia do referido decreto. A mesma legislarura determinará, a Deputação proxima be a que ha de trazer as ditas procurações especiaes, ou a que se lhe seguir. se A Deputação, que vier instruida com as referidas procurações, discutirá novamente a proposição. E se for approvada pelas duas terças partes, será logo havida e publicada nas Cortes como lei constitucional, e accrescentada á Constituição: e uma Deputação a apresentará ao Rei para elle a fazer publicar e executar em toda a Monarquia. 29. O governo da Nação portugueza he a Monarquia constitucional hereditaria, com leis fundamentaes, que regulem o exercicio dos quatro poderes politicos. 30. Estes poderes são legislativo, executivo; judieial, e administrativo. O primeiro reside nas Corles com dependencia da sancção do Rei, pela maneira que adiante se declara (art. 90, 91, 92). O segundo está no Rei e seus ministros, que o exercitão debaixo da autoridade do mesmo Rei. O terceiro está nos juizes. O quarto nas autoridades especialmente encarregadas de o exercer. Cada um destes poderes será por tal maneira regulado, que nenhum arrogue a si as attribuições do outro. 31. A dynastia reinante he a da Serenissima Casa de Bragança. O nosso Rei actual he o Sr. Dom João V1, a quem succederá na Coroa o Principe Real seu filho o Sr. Dom Pedro de Alcantara, e na sua falta es legitimos descendentes deste, pela fórma que vai declarada no art. 118. TITULO III. DÓ PODER LEGISLATIVO, OU DAS CORTÉS. CAPITULO I. Da eleição dos Deputados das Cortes. I. Forma da eleição. 32. A Nação portugueza he representada nas suas Cortes, isto he, no ajuntamento dos Deputados, que a mesma Nação para esse fim elege com respeito á povoação de todo o territorio portuguez. 33 Na eleição dos Deputados tem voto todos os cidadãos, que estiverem no exercicio de seus direitos, tendo domicilio e residencia pelo menos de seis mezes no concelho onde se fizer a eleição, e sendo maiores de vinte e um annos. São excluidos os regulares, excepto os das ordens militares; os estrangeiros posto que naturalizados; os criados de servir; e os condemnados a prisão ou degredo. 34 A mesma eleição se fará cada dous annos, pois outro tanto tempo ha de durar cada uma Deputação ou Legislatura. A fórma de proceder nella será por meio de duas juntas eleitoracs; uma que se reunirá nos concelhos, outra nas cabeças das comarcas: o que se praticará pela maneira seguinte. 35 No primeiro Domingo de Outubro do segundo anno de cada legislatura mandarão as camaras de todas as cidades ou villas affixar nos lugares do costume editaes em que se anuncie a todos os moradores que tiverem voto nas eleições, que no segundo Domingo do mesmo inez concorrão á igreja que se designar, para elegerem os eleitores que hào de ir á cabeça da comarca eleger os Deputados de Cortes; devendo cada un dos ditos moradores levar uma lista de tantos nomes, quantos houverem de ser os ditos eleitores, cujo numero se declarará nos editaes. Quando pela muita povoação ou distancia das diversas freguezias, for inconveniente concorrerem todos a uma só igreja, a camara designará outra onde devão concorrer no mesmo dia, segundo a maior commodidade dos povos. Nos districtos que tem villas annexas a uma villa principal, a camara desta fará a referida designação. No Brazil se reunirão estas juntas no primeiro Domingo de Dezembro, quinze mezes antes da celebração das Cortes. Na India e costa oriental de Africa, no primeiro Domingo de Março dois annos antesNa costa occidental de Africa e ilhas de Cabo Verde, no primeiro Domingo de Junho, oito mezes antes. Nesta conformidade se affixarão os editaes com a con veniente anticipação. 36. O numero dos eleitores será regulado na razão de um por cada trezentos fogos. Se algum conce lho não chegar a ter trezentos fogos, dará com tudo um eleitor. Se passar de 450, dará dois, posto que não chegue a 600. Se passar de 750, dará tres, posto que não chegue a 900. E assin progressivamente. 37. O presidente da camara o será tambem da eleição. O parocó da igreja que for designada pela camara assistirá á eleição com o presidente, tomando assento á mão direita delle. Quando houver muitas juntas, em conformidade do art. 35, presidirão ás subalternas os vereadores actuaes; e (não bastando) os do anno precedente, devendo ser tirados á sorte. Em Lisboa o Senado da Camara sorteará os presidentes de entre os desembargadores e juizes dos bairros. 38. No dia e hora determinada, o presidente e os cidadãos que tiverem concorrido assistirão a uma missa do Espirito Santo, finda a qual, o paroco fará um discurso analogo ao objecto. Inmediatamente nomearão tres escrutinadores e dois secretarios, pessoas que tenhão reconhecida aptidão e confiança publica. Esta eleição será logo escrita e publicada por um dos secretarios. 39. Successivamente o presidente, escrutinadores, e secretarios, e depois os mais cidadãos presentes, aproximando-se um é um á mesa do escrutinio, lançarão as suas listas em uma ou mais urnas que estarão collocadas no meio da uiesa. Concluido este acto, o presidente irá successivamente tirando as listas da urna; os escrutinadores as cxaminarão; e ao passo que um delles as for lendo em voz alta, irão os dois secretarios escrevendo os nomes em duas relações. 40. Acabada a leitura de todas as listas, os escrutinadores e secretarios apurarão os votos, e sairão eleitos aquelles em quem recaír a pluralidade relativa. Em caso de empate decidirá a sorte. Os nomes dos |