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ESTANCIA XLVIII

Co'os pannos e co'os braços acenavam
ás gentes Lusitanas, que esperassem;
mas já as proas ligeiras se inclinavam
para que junto ás ilhas amainassem.
A gente e marinheiros trabalhavam
como se aqui os trabalhos se acabassem;
tomam velas; amaina-se a verga
alta;
da ancora o mar ferido em cima salta,

XLVIII

Com os pannos e com os braços acenavam aos Portuguezes que esperassem, mas já as proas ligeiras se inclinavam para que amainassem junto ás ilhas. A gente e os marinheiros trabalhavam com tal empenho e enthusiasmo como se ali findassem os seus trabalhos; colhem as velas; arria-se a verga do mastro grande, e o mar batido pelas ancoras, a0 fundearem os navios, salta, espadanando até ao convez.

Vs. 1 e 2) Co'os pannos e co'os braços etc. Co'os, co'os, ectlipse. Com vinham ainda longe da frota, os de terra acenavam aos Portuguezes para que os esperassem, porventura no desejo de os ajudar a escolher o fundeadouro.

Vs. 3 e 4) ·Mas já, mas n'esse instante; ligeiras, ve lozes; é adj. apposto ou circumstancial, isto é, alem de qualificar o subst. (proas) e de determinar simultaneamente um verbo (inclinavam), exprimem tambem uma circumstancia da acção d'esse verbo, que, n'este caso, é de modo;—se incli navam, tomavam a direcção; para que, afim de que; amainassem, pudessem amainar (colher ou arrear as velas; aqui é no sentido de fundear, fig. metalepse, pelos antecedentes dà a conhecer os consequentes).

Vs. 5.e 6) A gente e marinheiros, eram todos que vi

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nham a bordo; a gente, refere-se aos soldados que as náus traziam, gente de guerra, distincta dos marujos e independente do serviço da navegação; como se aqui os trabalhos se acabassem; no enthusiasmo de verem terra e gente nova, e descançarem um pouco das fadigas de tão longa viagem, todos se ajudavam, com a mesma alegria, como se ali fosse o termo dos seus trabalhos.

Vs. 7 e 8) Tomam velas, colhem as velas, para assim o andamento dos navios ir diminuindo até cessar; amainase a verga alta, arria-se a verga alta. Verga, pau atravessado no mastro onde a vela se prende (verga da gata, verga da mesena); alta, a do mastro grande. Da ancora o mar ferido em cima salta, o mar ferido da ancora salta em cima, isto é os navios acabavam de fundear. Ferido (metaph.), batido; da ancora, pela ancora; a prep. de, emprega-se ás vezes como por para indicar o agente da passiva, que é a pessoa ou cousa que na oração feita pela voz activa é sujeito."Ancora, está por ancoras (synedoque, sing. pelo plural), pois cada nau ou embarcação da frota largou as suas para fundear; em cima salta, a agua bat da pelo choque das ancoras, espadanou, saltando em cima para o convez dos navios.

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Na est. anterior tivemos uma «prosopographia», que é uma das especies da fig. «descripção». Temos n'esta uma outra, especie da mesma figura admiravel pela belleza da sua composição, a enargia ou enargueia individual, tambem denominada hypotypose (1).

(1) «Figs. d'Estylo» pag. 107.

VISITAM OS INDIGENAS
A ARMADA

ESTANCIA XLIX

Não eram ancorados, quando a gente
estranha pelas cordas já subia.
No gesto ledos veem, e humanamente
o capitão sublime os recebia;

as mezas manda pôr em continente ;
do licor, que Lyêo plantado havia,
enchem vasos de vidro, e, do que deitam,
os de Phaeton queimados nada engeitam.

XLIX

Mal tinham largado as ancoras que já a extranha gente subia pelas cordas dos navios. No gesto, mostravam-se alegres, e o sublime capitão os recebia humanamente, mandando pôr em continente as mezas; enchem-se vasos de vidro com o licor que Lyeo havia plantado, e, do que deitam, nada desprezam os queimados de Phaeton.

Vs. 1 e 2) Não eram ancorados. Ainda não tinham fundeado. Extranha, desconhecida; -pelas cordas, as que os navios costumam ter ao longo dos costados, ou simplesmente soltas, ou em forma de escada de mão, por onde os marinheiros trepam das embarcações pequenas para bordo. Pelas: a prep. por, aqui contrahida com o artigo as, designa

meio.

Vs. 3 e 4)-No gesto, no aspecto, na apparencia, no modo de se apresentarem;- veem ledos, mostram-se alegres, satischegados, feitos, bem dispostos para com os recem

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manamente, com lhaneza e affabilidade;

da Gama (antonomasia).

o capitão, Vasco

-sublime, nobre, excellente ;os recebia, os acolhia, os ia acolhendo.

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Vs. 5 e 6) As mezas manda pôr, etc., o suj. do verbo é o capitão; pôr a meza, preparal-a para as refeições, cobrindo-a com a toalha e collocando nos logares proprios os talheres, os pratos, os copos, etc ; em continente, a seguir, logo. Do licor que Lyeo, etc. Lyeo ou Lieo é um dos nomes de Baccho (vid. pag. 20); segundo a fabula foi elle quem primeiro plantou a vinha. Licor, significa bebida espirituosa obtida artificialmente, quer por fermentação (aguardente, genebra, etc.), quer pela mistura de certos vegetaes aromaticos ou seus productos, como o assucar, etc., no alcool ou na aguardente (absyntho, curaçao, etc.); em poesia, porem, significa qualquer liquido; aqui, n'esta passagem do poema, refere-se ao vinho (synedcque, o genero pela especie). Prantado havia por havia prantado (anastrophe). Prantado, plantado (fig. antithese (2)) O que Lyeo teria plantado não foi o licor, ou o vinho, mas a videira, de cujo fructo, a uva, se extrae o vinho; dá-se, pois a fig. metonymia, uma das especies de tropos.

Vs. 7 e 8)

Enchem vasos de vidro, com o vinho, o licor dito no verso anterior; referindo-se a esta bebida, repete o Poeta a mesma denominação na est. 61 d'esta forma

Dá-lhe conserva doce, e dá-lhe ardente

não usado licor que dá alegria

e, na est. 75 do C. VII, assim

O licor que Noé mostrára á gente

Vasos de vidro, copos de vidro (synedoque, o genero pela especie) Os de Phaeton queimados, os queimados de Pháeton (aquelles que foram queimados por Phaeton), periphrase

(1) «Figs. d'estylo», pag. 41. (2) «Figs, d'estylo», pag. 5.

(1) dos negros. Veja-se o explicado na est. 46. De Phaeton, isto é por Phaeton, é o compl. do agente da passiva ou de causa efficiente; nada enjeitam, cousa alguma rejeitam, quer dizer, do vinho que deitavam nos copos, os negros sorviam até a ultima gotta.

(1) «Figs. d'estylo» pag. 120,

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