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CCXXXXVIII.

Ontente vivi já, vendo-me iscnto

Defte mal de que a muitos queixar via: Chamam-lhe amor; mas eu lhe chamaria Difcordia, e fem razao; guerra, e tormento. Enganou-me co'o nome o penfamento. Quem com tal nome nao fe enganaria? Agora tal eftou, que temo hum dia Em que venha a faltar-me o foffrimento. Com defefperação, e com desejo, Me paga o que por elle eftou paffando E inda eftá do meu mal, mal fatisfeito. Pois fobre tantos damnos inda vejo para dar-me outros mil, hum olhar brando; E para os nao curar hum duro peito.

CCXXXXIX.

Dao digas ella Nympha tao ufano:

Eixa Apollo o correr tao apreffado

Nao te leva o amor, leva-te o engano,
Com fombras de algú bem a mal dobrado.
E quando feja amor, fera forçado;
E fe forçado for, ferá teu dano:
Hum parecer nao queiras mais que humano
Em hum fylveftre adorno ver tornado.

Não percas por hum vão contentamento
A vita que te faz viver contente :
Modéra em teu favor o penfamento
Porque menos mal he tendo-a prefente,
Soffrer fua crueza, e teu tormento
Que fentir fua ausencia eternamente.

CCL.

CCL.

NAs Cidades, nos bofques, nas floreftas,

Nos valles, e nos montes, teus louvores Sempre te cantem muficos Paftores, Nas manháas frias, nas ardentes feftas: " E nefte Templo donde manifestas, E repartes agora teus favores,

Com Pfalmos, hymnos, e com várias flores
Sejam celebres fempre as tuas feftas.

Eftes te offreçam pés, effoutros mãos ;
De aquelles pendam fobre os teus altares
Monftros do mar, de fervidao prisãos.
Que eu cuidados, enganos, e affeiçãos;
Muito maiores monftros, e milhares,
Te deixo aqui de penfamentos vãos.

CCLI.A

I queixofos de amor mil namorados E nenhuus inda vi com feus louvores: E aquelle que mais chora o mal de amores, Vejo menos fugir de feus cuidados.

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Se das dores de amor fois mal tratados. Porque tanto bufcais de amor as dores ? E fe tambem as tendes por favores, Porque delias fallais como aggravados ? Não queirais alegria achar algua No amor, porque he compofto de tristeza; Na fortuna que achei mais agradavel.

Nella, e nelle achei fempre a mefma Lua, Em quem nunca fe vio outra firmeza, Que nao feja a de fer fempre mudavel.

CCLII.

SE choradas de dem mais duro
E lagrimas choradas de verdade
Porque as minhas que nafcem de amor puro
Hum coraçao nao rendem a piedade?
Por vós perdi, Senhora, a liberdade
E nem da propria vida eftou feguro.
Rompei de effe rigor o forte muro;
Nao paffe tanto avante a crueldade.
Ao prezar de défprezos dai já fim:
Nao vos chamem cruel; nome devido
A quem fe ri de quem fufpira, e ama.
Abrandai effe peito endurecido.

Por o que toca a vós, já naó por mim:
Que eu aventuro a vida, e vós a fama.

CCLIII.

JA' me fündei em vãos contentamentos
Quando delles vivi todo enganado
De hum phantaftico bem, e de hum cuidado,
De que fo cuidam cegos penfamentos.
Paffava dias, horas, e momentos,
Defte enleo de amores tao pagado,
Que tinha fó por bemaventurado
Quem fó por elles mais bebia os ventos.
Mas agora, que já cahi na conta
Defengana-me quanto me enganava:
Que tudo o tempo da, tudo defcobre.

O amor mais caudalofo menos monta`;"
Que he de goftos mais rico, eu ignorava,
Aquelle que de amores he. mais pobre.

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CCLIV.

EM huma lapa,

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M huma lapa, toda tenebrofa
Adonde bate o mar com furia brava,
Sobre huma mão, o rofto, vi que
eftava
Huma Nympha gentil, mas cuidadofa.
Igualmente, que linda, laftimofa
Aljofar dos feus olhos diftillava:
Omar os feus furores applacava
Com ver coufa tao trifte, e tao formofa.
Alguma vez na horrivel penedia
Os bellos olhos punha com brandura,
Baftante a desfazer fua dureza.
Com angelica voz, affi dizia:
Ah, que falta mais vezes a ventura,
Onde fobeja mais a natureza!

SE

CCLV.

E em mim, ó alma, vive mais lembrança y
Que aquella fó da gloria de querer-vos,
Eu perca todo o bem que logro em ver-vos,
E de ver-vos tambem toda a efperança.

Veja-fe em mi tao ruftica efquivança,
Que poffa indigno fer de conhecer-vos;
E quando em mór empenho de aprazer-vos
Vos offenda, fe em mi houver mudança.
Confirmado eftou já nefta certeza ;
Examine-me voffa crueldade;

Exprimente-fe em mi voffa dureza.

Conhecei ja de mi tanta verdade Pois em penhor, e fé desta pureza Tributo vos fiz fer o que he vontade.

CCLVI.

Lluftre Gracia, nombre de una moça,

Primera malhechora en efte caflo
A Mondoñedo a Palma, al coxo Traffo,
Sugeto digno de immortal coroça.

Si en medio de la Iglefia no reboça
El manto a vueftro roftro tan devaffo
Por vós dirán las gentes rezio, y passo ;
Veys quien con el demonio fe retoça.
Puede mover los montes fin trabajo;
Con palabras el curfo al agua enfrena;
Por las ondas harà camino enxuto.

Averguenza fu patria, y rico Tajo,
Que por ella hombres lleva màs que arena,
De que paga al infierno gran tributo..

Q

CCLVII.

Ual tem a borboleta por coftume,
Que elevada na luz da acefa vella,
Dando vai voltas mil, até que nella
Se queima agora, agora fe confume:
Tal eu correndo vou ao vivo lume
De effes olhos gentís, Aonia bella;-
E abrazo-me, por mais que com cautella,
Livrar-me a parte racional prefume.

Conheço muito a que fe atreve a vista;
O quanto fe levanta o penfamento;
O como vou morrendo claramente.

Porém nao quer amor que lhe resista,

Nem a minha alma o quer, q em tal tormento Qual em gloria maior eftá contente.

CCLVIII.

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