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CCLXXVII.

Uando, Senhora, quiz amor q amasse Effa grão perfeição, e gentileza, Logo deo por fentença, que a crueza Em vollo peito amor accrefcentaffe. Determinou, que nada me apartaffe, Nem desfavor cruel, nem afpereza ;) Mas que em minha rariffima firmeza Voffa ifenção cruel fe executaffe. E pois tendes aqui offerecida Efta alma vofla a voflo facrificio Acabai de fartar vofla vontade.

Nao lhe alargueis, Senhora, mais a vida, Acabará morrendo em feu officio,

Sua fé defendendo, e lealdade..

CCLXXVIII.

U vivia de lagrimas ifento,

deleitofo,

Que em q outro amante folle mais ditofo,
Nao valiam mil glorias hum tormento.
Vendo-me pofluir tal penfamento

De nenhúa riqueza era invejofo;
Vivia bem, de nada receofo,
Com doce amor, e doce fentimento.
Cobiçofa a fortuna, me tirou

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Defte meu taó contente, e alegre estado,
E paffou-fe efte bem, que nunca fora:
Em troco do qual bem, fó me deixou
Lembranças, que me matam cada hora,
Trazendo-me a memoria o bem paffado.

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CCLXXIX.

Ndo o trifte Paftor todo embebido Na fombra de feu doce penfamento, Taes queixas efpalhava ao leve vento, Co'hum brando fufpirar da alma fahido:

A quem me queixarei, cego perdido, Pois nas pedras naó acho fentimento? Com quem fallo? A quem digo meu tormento? Que onde mais chamo, fou menos ouvido. O'bella Nympha, porque nao refpondes? Porque o olhar-me tanto me encareces? Porque queres que fempre me querelle ?

Eu quanto mais te vejo, mais te efcondes! Quanto mais mal me vês, mais te endureces! Affim que co' o mal cresce a caufa delle.

CCLXXX.

DE hum tao felice engenho, produzido
De outro, qo claro Sol nao vio maior,
He trazer coufas altas no fentido,
Todas dignas de efpanto, e-de louvor.
Mufeo foi antiquiffimo Efcriptor,
Philofopho, e Poeta conhecido
Difcipulo do Mufico Amador,

Que co' o fom teve o inferno fufpendido.
Efte pode abalar o monte mudo,
Cantando aquelle mal, que eu já paffei,
Do mancebo de Abydo mal fifudo.
Agora contam já (fegundo achei )
Taffo e o noffo Bofcao, que diffe tudo
Dos fegredos que move orcego Rei.

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CCLXXXI.

CCLXXXI.

Izei, Senhora, da belleza idéa ;

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Onde foftes bufcar efíe ouro fino
De que efcondida mina, ou de que vêa?
Dos voffos olhos effa luz Phebéa,
Effe refpeito, de hum Imperio dino,
Se o alcançaftes com faber divino,
Se com encantamentos de Medéa ?

De que efcondidas conchas efcolheftes
As perlas preciofas Orientaes,

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Que fallando moftrais no doce rifo?
Pois vos formaftes tal, como quizeftes,
Vigiai-vos de vós, nao vos vejais,
Fugi das fontes, lembre-vos Narcifo.

CCLXXXII.

NA ribeira do Euphrates affentado

Difcorrendo me achei pela memoria
Aquelle breve bem, aquella gloria,
Que em ti doce Siaó tinha paffado.

,

Da caufa de meus males perguntado Me foi; como nao cantas a hiftoria De teu paffado bem, e da victoria, Que fempre de teu mal has alcançado? Nao fabes, que a quem canta fe lhe efquece O mal, indaque grave, e rigorofo? Canta, pois, e nao chores deffa forte.

Refpondi com fufpiros: Quando crece

A muita faudade, o piedofo

Remedio he nao cantar, fenaō a morte

CCLXXXIII.

L vafo relufiente, y cryftalino,

De Angeles agua clara, y olorofa,
De blanda feda ornado, y freica rofa,
Ligado con cabellos de oro fino:
Bien claro parecia el don divino
Labrado por la mano artificiofa
De aquella blanca Nynpha graciofa,
Mas que el rubio luzero matutino :
Nel vafo vueftro cuerpo fe afigura,
Raxado de los blandos miembros bellos,
Y en el agua vueftra anima pura:

La feda es la blancura, y los cabellos
Son las prifiones, y la ligadura
Con que mi libertad fue afida dellos.

CCLXXXIV.

Horai, Nymphas os fados poderofos
Daquella foberana formofura.

Onde foram parar na fepultura
Aquelles Reaes olhos graciofos ?

Oh bens do mundo falfos, e enganofos!
Que mágoas para ouvir, e que figura
Jaza fem refplandor na terra dura
Com tal rofto, e cabellos tao formofos!
Das outras que fera! pois poder teve

A morte fobre coufa tanto bella,
Que ella eclipfava a luz do daro dia.
Mas o Mundo nao era digno della,
Por iffo mais na terra naó efteve
Ao Ceo fubio, que já fe lhe devia.

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CCLXXXV.

CCLXXXV.

Enhora ja defta alma, perdoai

De hum vencido de amor os defatinos,
E fejam voffos olhos tao beninos,
Com efte puro amor, que d'alma fai.
A minha pura fé fómente olhar,
E vede meus extremos fe fao finos;
E fe de algúa pena forem dinos,
Em mim, Senhora minha, vos vingai.

Naó feja a dor que abraza o triste peito,
Caufa por onde pene o coraçao,

Que tanto em firme amor vos he fujeito.
Guardai-vos do que alguus, dama, dirao,
Que fendo raro em tudo voffo objeito
Poffa morar em vós ingratidao.

Q vos

CCLXXXVI.

Uem vos levou de mim, faudofo estado, Que tanta fem razaó comigo ufaftes? Quem foi, por quem tao prefto me negastes, Efquecido de todo o bem paffado?

Trocaftes-me hú defcanfo em hum cuidado Tao duro taó cruel, qual me ordenaftes;

A fé, que tinheis dado, me negaftes,

Quando mais nella eftava confiado.
Vivia fem recco defte mal;

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Fortuna, que tem tudo á fua mercê,
Amor com defamor me revolveo.

Bem fei que nefte cafo nada val,
Que quem nafceo chorando, jufto he,
Que pague com chorar o que perdeo.

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