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edições (1651, 1663, 1669, 1670, etc.) emenda assim o verso para

O imperio tomar a Constantino

A nós quer-nos parecer que o Poeta escreveu realmente assim, tomaram, como vem na edição de F. e Souza, salvo a indicação de Gomes d'Amorim. Talvez Camões, ao escrever, se deixasse levar mais pela pronuncia que pela orthographia, e, ao recitar para si o verso que acabava de traçar, fizesse a juncção do diphtongo nasal am com o a seguinte, sem mesmo empregar a ecthlipse. E' forçar talvez um pouco a cadencia syllabica, mas agrada-nos antes esta hypothese do que seguir emendas ou formas que não eram porventura do nosso Poeta. Antes elle, com os seus rarissimos erros, do que admittir enxertos espurios na nossa grande obra nacional.

ESTANCIA LXI

Recebe o Capitão alegremente
o Mouro e toda sua companhia;
dá-lhe de ricas peças um presente,
que só para este effeito já trazia;
dá-lhe conserva doce e dá-lhe o ardente
não usado licor, que dá alegria.
Tudo o Mouro contente bem recebe,

e muito mais contente come e bebe.

LXI

Recebe o Capitão alegremente ao Mouro, e a toda a sua companhia; dá-lhe um presente de ricas peças, que já trazia só para este effeito; dá-lhe conserva duce e dá-lhe o ardente não usado licor, que dá alegria. Tudo 0 Mouro contente recebe bem, e, muito mais contente, come e bebe.

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Vs. 1 e 2) Recebe o Capitão etc. Estes cinco primeiros versos quasi são os mesmos de outros da est. 77 do C. II

Recebe o Capitão alegremente

o mensageiro ledo, e seu recado;
e logo manda ao Rei outro presente
que de longe trazia aparelhado:
escarlata purpurea, côr ardente,

Que os recebeu alegremente torna o Poeta a repetir na est. 16 do mesmo C. II

Com isto o nobre Guma recebia

alegremente os Mouros que subiam

Recebe, acolhe;-o Capitão, Vasco da Gama (antonomasia). O Mouro, o Regedor das Ilhas, referido nas duas ests. abn

teriores (antonomasia);―e toda sua companhia, e todo o seu sequito, as pessoas que acompanhavam.

Vs. 3 e 4) Dá-lhe, offerece-lhe; a repetição d'esta palavra no verso 3.° e no 5.° é a fig. anaphora (1). Dá-lhe de ricas peças um presente, dá-lhe um presente constante de ricas peças (ellipse e anastr.); a prep. de designa a materia de que uma cousa consta; ricas, de grande valor, de grande preço; - peças, objectos de varias especies. Esse presente consistia em duas marlotas (2) de cor, uns chapeus de cabeça, bacias de latão, coraes e cascaveis (guisos). Este effeito, este fim.

Vs. 5 e 6)-Dá-lhe conserva doce, doces em conserva;-ė dá-lhe o ardente não usado licor, que dá alegria, periphrase de vinho (veja-se o que dissemos na explicação da est. 49, pags. 136 e 137). Não usado, entende-se pelos Mouros, que não usam vinho, como se verá na est. 75 do C. VII:

Dos espumantes vasos se derrama

o licor, que Noé mostrara á gente;
mas comer o gentio não pretende,
que a seita que seguia lh'o defende.

e tambem porque se não usava n'aquellas terras;—que dá alegria; veja-se a est. 4 do C. X:

Os vinhos odoriferos que acima
estão, não só do italico Falerno

mas da Ambrósia, que Jove tanto estima,
com todo o ajuntamento sempiterno,
nos vasos, onde em vão trabalha a lima,
crespas espumas erguem, que no interno
coração movem subita alegria, .

saltando co'a mistura d'agua fria.

(2) «Figs. d'Estylo», pag. 21.

(2 Marlota, vestidura mourisca que se usa justa ao corpo, e tem a fórma de um capote curto com capuz.

O verbo dá, aqui, significa causa, produz.

Vs. 7 e 8)-Tudo, todas essas cousas acima ditas que o Gama offereceu ao Mouro e que elle foi acceitando, inclusivé o vinho, que a sua religião lhe prohibia beber; assim já na est. 49 se viu que os visitantes da vespera tambem tinham acceitado tudo e nada engeitaram do licor de Lyeo com que encheram os vasos de vidro. E, pela alegria que o licor ardente lhes causav, se conformavam elles do peccado que praticavam.-Contente, satisfeito, com prazer. A repetição d'esta palavra nos dois versos seguidos é a fig. epanalepse (1); outro exemplo d'esta fig. na est. 6, versos 7.° e 8.o; bem, com agrado; E muito mais contente, etc., e com satisfação, com prazer ainda maior, muito maior, come e bebe.

=

(1) «Figs, d'Estylo», pag. 31.

ESTANCIA LXII

Está a gente maritima de Luso
subida pela enxarcia, de admirada,
notando o estrangeiro modo e uso,
e a linguagem tão barbara e enleada.
Tambem o Mouro astuto está confuso,
olhando a côr, o trajo e a forte armada,
e, perguntando tudo, lhe dizia

se por ventura vinham da Turquia.

LXII

A gente maritima de Luso está subida pela enxarcia, de admirada, notando o estrangeiro modo e uso, e a linguagem tão barbara e embaraçada. Tambem está confuso o astuto Mouro, olhando a côr, o trajo e a forte armada, e, perguntando tudo, lhes dizia se vinham da Turquia por ventura.

Vs. 1 e 2) Nota-se quanto, n'esta estancia apenas, o Poeta sabe mostrar-se conciso, conseguindo, todavia, descrever n'ella a admiração e attitude dos navegantes, vendo e observando aquella gente estranha que, pela primeira vez, tinham diante de si; e a dos de terra com os nossos, e o seu cuidado em quererem saber quem eramos.- A gente maritima de Luso, periphrase dos navegantes (lusitanos, que descendiam de Luso, como o disse o Poeta na est. 39, pag. 112, e, antes d'isso, na est. 24, pag. 79); subida, trepada; enxarcia (naut.), o conjuncto dos cabos fixos que de um e outro lado ou bordo do navio seguram os mastros e os mastareus; de admirada; exprimindo-se causa, pode anteporse ao adj. a prep. de, para dar realce ao estado ou qualidade. Proprio é das gentes de bordo o treparem ás enxarcias para verem melhor o que desejam; ali, pois, se puzeram os

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