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CCXCIIT. SE

E de voslo formofo , e lindo gesto

Nasceram lindas flores para os olhos, Que para o peito faó duros abrolhos, Em mi se vê mui claro, e manifefto :

Pois vofla formofura, e vulto honefto Em os ver ,

de boninas vi mil mólhos ; Mas se meu coraçao rivera antolhos Nao víra em vós feu damno e mal funesto.

Hú mal visto por bem, hú bem tristonho, Que me traz elevado o pensamento Em mil, porém diversas phantafias :

Nas quaes eu sempre ando , e sempre sonho, E vós não cuidais mais que em meu tormento, Em que fundais as vossas alegrias .

CCXCIV.

Efte meu pensamento posto vejo,
Que desfallece nelle inda o desejo,
Vendo quanto por mi o desmereço.

Quando esta tal baixeza em mi conheço;
Acho que cuidar nelle he grão despejo ,
E que morrer por elle me he sobejo,
E mór bem para mi do que mereço.

O mais que natural merecimento
De quem me causa hum mal tao duro, e forte,
O faz

que vá crescendo de hora em hora. Mas eu nao deixarei meu pensamento, Porque inda que este mal me causa a morte , Un bel morir tutta la vita honora.

CCLXXXXV.

.

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Q

CCXCV.
Uantas penas, amor , quantos cuidados
Quantas lagrimas tristes sem proveito ,

De que mil vezes olhos , rosto, e peito, Por ti , cego, me visto já banhados?

Quantos mortaes suspiros derramados
Do coraçao, por tanto a ti sujeito ?
Quantus males, em fim, tu me tens feito,
Todos foram em mi bem empregados.

A tudo fatisfaz (confeflo-te isto )
Huma só vifta branda, e amorosa ,
De quem me captivou minha ventura.

Oh sempre para mi hora ditofa! Que posso temer já , pois tenho visto Com tanto gosto meu, tanta brandura

CCXCVI. O Tempo acaba , o ano, o meze a hora ; A força,

manha , a fortaleza :
O tempo acaba a fama , e a riqueza ,
O tempo o mesmo tempo de fi chora :

O tempo busca , e acaba o onde mora
Qualquer ingratidao, qualquer dureza ;
Mas naó pode acabar minha tristeza
Em quanto nao quizerdes vós Senhora.

O tempo o claro dia torna escuro ,
E o mais ledo prazer em choro triste ,
O tempo a tempestade em gráo bonança.

Mas de abrandar o tempo estou seguro ,
O peito de diamante , onde consiste
A pena , ¢ o prazer desta esperança.

CCLXXXXVII.

CCDCVII.

,
E tano a seus pés me tem rendido
Nao tenho que perder já de perdido ,
Nem tenho que mudar já de mudado.

Todo bem para mi he acabado ,
De aqui dou o viver já por vivido ,
Que aonde o mal he tað conhecido,
Tambem o viver mais será escuado.
Se me basta

querer,

a morte quero ,
Que bem outra esperança naó convém,
E curarci hum mal com outro mal.
E pois do bem taó pouco bem espero,

.
Já que o mal este só remédio tem,
Naš me culpem em querer remedio tal.

CCXCVIII.

As settas tem lançadas já por terra ,
Como fohia, já naó nos faz guerra
Porque a que nos faz he de outra forte.

Com olhos pelos olhos nos da morte,
E para acertar o que nao erra ,
Os vossos escolheo em quem

se encerra Mais bem do que ha do Sul ao Norte.

Concede-vos o amor taó grão poder,
Que vós sejais do seu livre, e isenta :
Apagou-se a candea no meio do consoante.

Por isso, Feliza, se vos nao contenta
Naó vades com o Soneto por diante,
Quc be fonho o que a phantafia representa.

CCXCIS.

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CCXCIX.
P ;

Ues lagrimas tratais mis ojos tristes

Y en lagrimas palais la noche, y dia ,
Mirad si es llanıo este que os embia
Aquella por quien vós tantas vertistes :

Sçntid mis ojos bien csta que vistes ;
Y si ella lo es', ó gran ventura mia,
Por mui bien empleadas las avria ,
Mil cuentos que por esta sola distes.

Mas una cofa mucho de Teada,
Aunque se vea cierta , no es creida,
Quanco más esta , que me es embiada.

Pero digo, que aunque sea fingida Que basta que por lagrima sea dada , Porque sea por lagrima tenida.

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CCC.
Lhos formosos em quem quiz natura

Mostrar do seu poder altos fignais
Se quizerdes saber quanto possais,
Vedeme a mi, que fou vossa feitura.

Pintada em mi se vê voffa figura , No que eu padeço retratada estais; Que se eu passo tormentos desiguais, Muito mais póde vossa formofura.

De mi nao quero mais que o meu desejo : Ser voflo , e só de ser vofto me arreio, Porque o vosso penhor em mi se aflelle.

Nao me lembro de mi quando vos vejo ; Nem do Mundo : e nao érro, porque creio Que em lembrar-me de vós cumpro com elle.

Q

1

.

CCCI.
Uem presumir , Senhora , de louvar-vos,
Com humano saber, e nao divino ,

Ficará de tamanha culpa dino,
Quammanha ficais sendo em contemplar-vos.

Naó pertenda ninguem de louvor dar-vos,
Por mais quę raro leja, e peregrino ;
Que volta formosura eu imagino,
Que Deos a elle fó quiz comparar-vos.

Ditofa esta alma volta, que quizestes
Em posle pôr de prenda tað subida,
Como, Senhora, foi a que me déftes.

Melhor a guardarei , que a propria vida ;
Que pois mercê tamanha me fizestes ,
De mi será jámais nunca esquecida.

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