Vai Cesar sujugando toda França,
E as armas não lhe impedem a sciencia; Mas n'uma mão a penna, e n' outra a lança, Igualava de Cicero a eloquencia ;
O que de Scipião se sabe, e alcança, É nas comedias grande experiencia ; Lia Alexandro a Homero de maneira, Que sempre se lhe sabe á cabeceira,
Emfim não houve forte capitão, Que não fosse tambem docto e sciente Da lácia, grega, ou barbara nação, Senão da portugueza tamsomente, Sem vergonha o não digo, que a razão D'algum não ser per versos excellente, É não se ver presado o verso, e rima; Porque, quem não sabe a arte, não a estima.
Por isso, e não por falta de natura, Não ha tambem Virgilios, nem Homeros ; Nem haverá (se este costume dura)
Pios Eneas, nem Achilles feros. Mas o peor de tudo é, que a ventura Tam asperos os fez, e tam austeros, Tam rudos, e de ingenho tam remisso,
Que a muitos lhe dá pouco, ou nada d' isso.
A's Musas agradeça o nosso Gama O muito amor da patria, que as obriga A dar aos seus na lyra nome, e fama De toda illustre e béllica fadiga :
Que elle, nem quem na estirpe seu se chama, Calliope não tem por tam amiga,
Nem as filhas do Tejo, que deixassem
As télas de ouro fino, e que o cantassem.
Porque o amor fraterno, e puro gosto De dar a todo o lusitano feito
Seu louvor, é somente o presupposto Das Tagides gentis, e seu respeito. Porêm não deixe emfim de ter disposto Ninguem a grandes obras sempre o peito; Que per esta, ou per outra qualquer via Não perderá seu preço, e sa valia.
Não sabía em que modo festejasse O rei pagão os fortes navegantes, Pera que as amizades alcançasse
Do rei christão, das gentes tam possantes : Pêza-lhe que tam longe o aposentasse Das europeas terras abundantes
A ventura, que não o fez visinho
D'onde Hercules ao mar abriu caminho.
Com jogos, danças, e outras alegrias, (A segundo a polícia melindana)
Com usadas e ledas pescarias,
Com que a Lageia Antonio alegra, e engana, Este famoso rei, todos os dias,
Festeja a companhia lusitana,
Com banquetes, manjares desusados, Com fruitas, aves, carnes, e pescados.
Mas vendo o capitão, que se detinha Ja mais do que devia, e o fresco vento O convida que parta, e tome asinha Os pilotos da terra, e mantimento; Não se quer mais deter, que ainda tinha Muito pera cortar do salso argento: Ja do pagão benigno se despede, Que a todos amizade longa pede.
Pede-lhe mais, « que aquelle porto seja Sempre, com suas frotas, visitado ; Que nenhum outro bem maior deseja, Que dar a taes Barões seu reino, e estado: E que em quanto seu corpo o esp❜ritu reja, Estará de contino apparelhado
A pôr a vida, e reino totalmente
Por tam bon rei, por tam sublime gente. »
Outras palavras taes lhe respondia O capitão; e logo as vélas dando, Pera as terras da Aurora se partia, Que tanto tempo ha ja que vai buscando. No piloto, que leva, não havia Falsidade; mas antes vai mostrando A navegação certa : e assi caminha Ja mais seguro do que d'antes vinha.
As ondas navegavam do Oriente
Ja nos mares da India, e enxergavam Os thalamos do sol, que nasce ardente; Ja quasi seus desejos se acabavam : Mas o mau de Thyoneu, que na alma sente As venturas, que então se apparelhavam A'gente lusitana, d'ellas dina,
Arde, morre, blasphema, e desatina.
Via estar todo o ceo determinado De fazer de Lisboa nova Roma: Não o pode estorvar, que destinado Está d'outro podêr, que tudo doma. Do Olympo desce emfim desesperado; Novo remedio em terra busca, e toma; Entra no humido reino, e vai-se á corte D'aquelle a quem o mar cahiu em sorte.
No mais interno fundo das profundas Cavernas altas, onde o mar se esconde, La d'onde as ondas saiem furibundas, Quando ás iras do vento o mar responde, Neptuno mora, e moram as jucundas Nereidas, e outros deuses do mar, onde As aguas campo deixam ás cidades, Que habitam estas humidas deidades.
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