assim nos Lusiadas as cousas se passam da mesma maneira: Como isto disse, o Padre poderoso, Só falta o estremecimento do Olympo, que Camões reservou para Marte, quando começou a sua falla: E dando hua pancada penetrante 5 3 No canto segundo, outro episodio completamente vasado nos moldes virgilianos, é a intervenção de Venus perante Jupiter, a favor do Gama, victima da traição do mouro de Moçambique, onde apparece a deliciosa pintura de mulher a que já anteriormente nos referimos. 4 Tambem a Venus virgiliana correu em auxilio de Eneas; e vae tambem, como a portugueza, lavada em lagrimas, lacrymis oculos suffusa nitentes. Mas a Venus da Eneida é casta, e a dos Lusiadas é porventura a creação mais sensual de toda a Renascença. Invertem-se os termos: o poeta moderno é mais pagão do que o antigo. O beijo que Jupiter lhe dá, depois de lhe ouvir a prece, é na Eneida um beijo paternal: oscula libavit natae; 1 nos Lusiadas é um beijo de amor: E d'estas brandas mostras comovido, Depois do beijo, duas palavras de consolação e deferimento: Fermosa filha minha, não temais E' uma traducção por vezes litteral: Parce metu, Cytherea manent immota tuorum Magnanimum Æneam, neque me sententia vertit. 4 Depois da segurança, depois da prophecia dos destinos portuguezes, vem o cumprimento da pro messa: 1 Eneid. x, 256. 257-60. 3 2 C. II, 42. 44. -4 Eneid. x, Como isto disse, manda o consagrado Lhe mada mais que em sonhos lhe mostrasse Exactamente como na Eneida, em que o mesmo Mercurio, filho da Maia, é enviado á terra: Haec ait: et Maia genitum demittit ab alto; 2 e quando a Eneas diz: Eia! age, rumpe moras, é como quando repete ao Gama: «Fuge, fuge, Lusitano ! » Aqui, e por toda a parte, as reminiscencias virgilianas abundam. Nas prophecias de Jupiter a Venus, ácerca do futuro dos portuguezes na India, comparam-se-lhes os feitos aos de Antenor: E se Antenor os seios penetrou do mesmo modo que na Eneida: Antenor potuit... Illyricos penetrare sinus... Et fontem superare Timavi. 5 Notemos ainda a allusão á batalha de Accio, 1 C. II, 56. 5 Eneid. x, 242-4. 2 Eneid. x, 297. 3 C. II, 61. 4 45. 6 C. II, 53. 6 nos proprios termos em que é descripta por Virgi lio. 2. Outro episodio patentemente imitado, é o do soccorro que Venus e as Nereides prestam á nau de Vasco da Gama, desviando-a dos recifes em que a traição dos pilotos de Mombaça queriam lançal-a. Convocado o seu batalhão de ondinas, Venus acode, e esse pequenino quadro de mythologia maritima tem um movimento encantador: Ja na agoa erguendo vão, com grande pressa, Doto co peito corta e atravessa Com mais furor o Mar do que costuma; Salta Nise; Nerine se arremessa Por cima da agoa crespa em força suma; De temor das Nereidas apressadas. Nos hombros de hum Tritão, com gesto aceso, Não sente quem a leva o doçe peso, • Poem-se à Deosa com outras em dereito O caminho da barra, estão de geito Que em vão assopra o vento, a vella inchado; 1 Eneid. VIII, 685-9. ... -2 C. II, 17-24. Cf. Eneid. IX, 102-3 = Nereia Doto Et Galatea secant spumantem pectora pentum. Poem no madeiro duro o brando peito, O quadro acaba por uma comparação virgiliana : Quaes para a cova as próvidas formigas, 2 traducção de Veluti ingentem formicae forris acervum A invocação a Calliope, que abre o canto terceiro, é tão virgiliana como a abertura do canto primeiro: Agora tu, Calliope, me ensina Nunc age... Erato..... 4 e quando a formosissima Maria implora o pae, Affonso IV, n'essa prece incomparavel de sentimento grave que já citamos: 5 Não de outra sorte a timida Maria Fallando está que a triste Venus, quando Pera Eneas seu filho navegando. 6 A' morte de D. Affonso Henriques, o fundador da nação portugueza, succede exactamente o mesmo que por occasião de morrer Eurydice: |