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XCIX.

D'est'arte se esclarece o intendimento,
Que experiencias fazem repousado;
E fica vendo, como de alto assento,
O baixo tracto humano embaraçado:
Este, onde tiver força o regimento
Direito, e não de affeitos occupado,
Subirá (como deve) a illustre mando,
Contra vontade sua, e não rogando.

CANTO SEPTIMO.

I.

Ja se viam chegados juncto á terra,
Que desejada ja de tantos fora,

Que entre as correntes índicas se encerra,
E o Ganges, que no ceo terreno mora.
Ora sus! gente forte, que na guerra
Quereis levar a palma vencedora,
Ja sois chegados, ja tendes diante
A terra de riquezas abundante.

II.

A vós, o' geração de Luso (digo)
Que tam pequena parte sois no mundo;
Não digo inda no mundo, mas no amigo
Curral, de quem governa o ceo rotundo:
Vós, a quem não somente algum perigo
Estorva conquistar o povo immundo;
Mas nem cubiça, ou pouca obediencia
Da Madre, que nos ceos stá em essencia:

III.

Vós, Portuguezes poucos, quanto fortes,
Que o fraco poder vosso não pesais;
Vós, que á custa de vossas varias mortes
A lei da vida eterna dilatais:

Assi do ceo deitadas são as sortes,
Que vós, por muito poucos que sejais,
Muito façais na sancta christandade:
Que tanto, o' Christo, exaltas a humildade!

IV.

Vêdel-os Alemães, suberbo gado;

Que per tam largos campos se apascenta
Do successor de Pedro, rebellado,
Novo pastor, e nova seita inventa:

Vêdel-o em feas guerras occupado,

(Que inda co' o cego error se não contenta!) Não contra o suberbissimo Othomano, Mas por sair do jugo soberano.

V.

Vêdel-o duro Inglez, que se nomea
Rei da velha e sanctissima cidade,
Que o torpe Ismaelita senhorea,
(Quem viu honra tam longe da verdade!)
Entre as boreaes neves se recrea;
Nova maneira faz de christandade:
Pera os de Christo tem a espada nua,

Não por tomar a terra, que era sua.

VI.

Guarda-lhe por emtanto um falso rei
A cidade Hierosólyma terreste ;
Em quanto elle não guarda a sancta lei
Da cidade Hierosólyma celeste.

Pois de ti, Gallo indino, que direi?
Que o nome Christianissimo quizeste,
Não pera defendel-o, nem guardal-o;
Mas pera ser contra elle, e derribal-o!

VII.

Achas que tens direito em senhorios
De christãos, sendo o teu tam largo e tanto;
E não contra o Cinypho, e Nilo, rios
Inimigos do antiguo nome santo?
Alli se hão de provar da espada os fios
Em quem quer reprovar da igreja o canto.
De Carlos, de Luis, o nome e a terra
Herdaste, e as causas não da justa guerra?

VIII.

Pois que direi d'aquelles, que em delicias,
Que o vil ocio no mundo traz comsigo,
Gastam as vidas, logram as divicias,
Esquecidos de seu valor antigo?
Nascem da tyrannia inimicicias,
Que o povo forte tem, de si imigo:
Comtigo, Italia, fallo, ja sumersa
Em vicios mil, e de ti mesma adversa.

IX.

O'miseros christãos! pela ventura,
Sois os dentes de Cádmo desparzidos,
Que uns aos outros se dão a morte dura,
Sendo todos de um ventre produzidos?
Não vêdes a divina sepultura

Possuída de cães, que sempre unidos
Vos véem tomar a vossa antigua terra,
Fazendo-se famosos pela guerra ?

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Vêdes que teem por uso, e por decreto,
(Do qual são tam inteiros observantes)
Ajunctarem o exército inquieto

Contra os povos, que são de Christo amantes:
Entre vós nunca deixa a fera Aleto
De semear cizânias repugnantes :
Olhai se estais seguros de perigos,
Que elles e vós sois vossos inimigos.

XI.

Se cubica de grandes senhorios
Vos faz ir conquistar terras alheias,
Não vêdes que Pactólo, e Hermo rios,
Ambos volvem auríferas areias?

Em Lydia, Assyria, lavram de ouro os fios;
Africa esconde em si luzentes veias:

Mova-vos ja sequer riqueza tanta,

Pois mover-vos não pode a Casa-santa.

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