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XII.

Aquellas invenções feras e novas
De instrumentos mortaes da artilheria,
Ja devem de fazer as duras provas
Nos muros de Byzâncio, e de Turquia.
Fazei que torne la ás sylvestres covas
Dos Cáspios montes, e da Scythia fria
A turca geração, que multiplica
Na policia da vossa Europa rica.

XIII.

Gregos, Thraces, Arménios, Georgianos,
Bradando-vos estão, «que o povo bruto
Lhe obriga os caros filhos aos profanos
Preceitos do Alcorão: » (duro tributo!)
Em castigar os feitos inhumanos
Vos gloriai de peito forte e astuto;
E não queirais louvores arrogantes
De serdes contra os vossos mui possantes.

XIV.

Mas emtanto que cegos e sedentos
Andais de vosso sangue, o'gente insana!
Não faltarão christãos atrevimentos
N'esta pequena casa lusitana:

De Africa tem marítimos assentos;
É na Asia, mais que todas, soberana;
Na quarta parte nova os campos ara;
E, se mais mundo houvera, la chegara.

XV.

E vejâmos emtanto que acontece
A'quelles tam famosos navegantes,
Despois que a branda Venus enfraquece
O furor vão dos ventos repugnantes;
Despois que a larga terra lhe apparece,
Fim de suas perfias tam constantes,
Onde véem semear de Christo a lei,
E dar novo costume, e novo rei.

XVI.

Tanto que á nova terra se chegaram
Leves embarcações de pescadores
Acharam, que o caminho lhe mostraram
De Calecut, onde eram moradores.
Pera la logo as proas se inclinaram ;
Porque esta era a cidade das melhores
Do Malabar melhor, onde vivia
O rei, que a terra toda possuia.

XVII.

Alem do Indo jaz, e áquem do Gange
Um terreno mui grande e assás famoso,
Que pela parte austral o mar abrange,
E pera o Norte o Emódio cavernoso.
Jugo de rêis diversos o constrange
A varias leis alguns o vicioso
Mafoma, alguns os ídolos adoram,

Alguns os animaes, que entre elles moram.

XVIII.

La bem no grande monte, que cortando
Tam larga terra, toda Asia discorre,
Que nomes tam diversos vai tomando,
Segundo as regiões per onde corre;
As fontes saiem, d'onde véem manando
Os rios, cuja gran' corrente morre
No mar índico, e cercam todo o peso
Do terreno, fazendo-o Chersoneso.

XIX.

Entre um e outro rio, em grande espaço,
Sai da larga terra uma longa ponta
Quasi pyramidal, que no regaço
Do mar, com Ceilão ínsula confronta :
E juncto d'onde nasce o largo braço
Gangético, o rumor antiguo conta,
Que os visinhos, da terra moradores,
Do cheiro se manteem das finas flores.

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Mas agora de nomes, e de usança
Novos e varios são os habitantes;

Os Delijs, os Patânes, que em possança
De terra, e gente, são mais abundantes:
Decanís, Oriás, que a esperança

Teem de sua salvação nas resonantes
Aguas do Gange; e a terra de Bengala,

Fertil de sorte, que outra não lhe iguala.

XXI.

O reino de Cambáia bellicoso:
(Dizem que foi de Póro, rei potente)
O reino de Narsinga, poderoso

Mais de ouro e pedras, que de forte gente:
Aqui se enxerga la do mar undoso
Um monte alto, que corre longamente,
Servindo ao Malabar de forte muro,
Com que do Canará vive seguro.

XXII.

Da terra os naturaes lhe chamam Gate;
Do pe do qual pequena cantidade

Se estende ua fralda estreita, que combate
Do mar a natural ferocidade:

Aqui de outras cidades, sem debate,
Calecut tem a illustre dignidade

De cabeça de império rica e bella:
Samorim se intitula o senhor d'ella.

'XXIII.

Chegada a frota ao rico senhorio,
Um Portuguez mandado logo parte
A fazer sabedor o rei gentio

Da vinda sua a tam remota parte.
Entrando o messageiro pelo rio,

Que alli nas ondas entra, a não vista arte,
A côr, o gesto estranho, e trajo novo,
Fez concorrer a vêl-o todo o povo.

XXIV.

Entre a gente, que a vêl-o concorria,
Se chega um Mahometa, que nascido
Fôra na região de Barbaria,

La onde fôra Antheo obedecido:
Ou pela visinhança ja teria
O reino lusitano conhecido,

Ou foi ja assignalado de seu ferro:
Fortuna o trouxe a tam longo desterro.

XXV.

Em vendo o messageiro, com jucundo
Rosto (como quem sabe a lingua hispana)
Lhe disse: «Quem te trouxe a est' outro mundo,
Tam longe da tua patria lusitana?»

Abrindo (lhe responde) o mar profundo,
Per onde nunca veio gente humana
Vimos buscar do Indo a gran' corrente,
Per onde a lei divina se accrescente. »

XXVI.

Espantado ficou da gran' viagem

O Mouro, que Monçaide se chamava,
Ouvindo as oppressões, que na passagem
Do mar, o Lusitano lhe contava.

Mas vendo emfim, que a força da messagem
So pera o rei da terra relevava,

Lhe diz, « que estava fora da cidade;

Mas de caminho pouca cantidade.

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