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Queres que as minhas queixas leve o vento?
Tu, que me pagarias com matar-me
Inda a morte me negas vezes tantas ?
Ai, que me deras vida a morte dar-me!

Ufa piedade, tu, que o Mundo' efpantas
Co' os bellos olhos com que o douras tanto
Se acafo a vê-lo brandos os levantas.

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Eftende-fe na terra o negro manto E a noute dá alegria a luz alhêa, Mas nos meus olhos triftes dura o pranto. Torna a manhãa defpois alegre, e chea Da luz que o choro enxuga á bella Aurora, Mas do meu choro nunca enxuga a vêa. Lagrimas já naó faó que efta alma chora, Mas amor, he vital que dentro arde, E por a luz dos olhos falta fóra.

Como inda a morte quer que mais aguarde
Nao tarde já, mas corra a mal tao fero.
Mas ja por mais que corra virá tarde,
Nem no fupremo trance de ti efpero

Que inda com ver o estado em q me has pofto
Queiras, , crua, entender quanto te quero.
Ai fe volvefles efle bello rofto
Ao lugar trifte em que morrer me vires,
Nao por defgofto teu, mas por teu gofto!

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Naó quero de ti, naó, que alli fufpires Nem que de dar-me a morte te arrependas Mas que os olhos de ver-me entao nao tires. Affi nunca Paftor a quem te rendas, Te faça conhecer o que me fazes, Para que com teu mal meu mal entendas.

Ce

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Como já agora nao te fatisfazes

Das penas deste amor, que por querer-te
De teu merecimento faó capazes?

Pois quem com outro merito render-te
Prefume, (oh raro monftro de belleza!)
Muito mais longe eftá de merecer-te.
Efte fi, que merece a grão crueza
Com que tu de acabar-me a vida tratas,
Pois diante de ti, de fi fe préza.

Se cuidas que com ifto desbaratas
O meu conftante amor, porque nao viva,
Elle mais vive quando mais me matas.

Se o dar-me morte tées por gloria altiva;
Eu me inclino a que mates: tu te inclina
A matar mais de branda que de efquiva.
Se efta alma tua julgas por indina

De aquelle grande bem que em ti fe efconde,
Do defcoberto mal a faze dina.

Onde (ai!) voz acharei q baste, ( ai ! ) onde,
A poder reduzir-te a fer piedofa?

Ou me acaba de todo, ou me refponde.
Mas por mais que te moftres rigorofa
Deixar meu penfamento me he impoffivel,
Igualmente que a ti nao fer formofa.

E por mais que efta dor feja terrivel,
Sómente o contemplar a caufa della,
Inda que a faz maiot, a faz foffrivel.
Porém chegando a nao poder foffrê-la,
Perdendo a vida, quando a morte chame,
Nao perderei o gofto de perdê-la.

He jufto que eu por ti mil mortes ame:

Mas

Mas vê tu fe te illuftra, quando offenfa
Minha mortal o teu valor fe chame.

Bem vês que hũa beldade tao immenfa,
De vencer-me tem gloria bem pequena,
Pois fó render me tómo por defenfa.

Mas já que amor tao puro me condena;
Contente fico affaz defta victoria:
Que nao me dao meus males tanta pena,
Quanto o ferem por ti me dá de gloria.

ELEGI A IX.

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Vida me aborrece

a morte quero ;

Será eterno o meu mal, fegundo entendo Pois na mór efperança defefpero.

Sem viver vivo, por morrer vivendo ;
Por não verdes, Senhora, como eu vejo,
Quanto de mi por vós me ando efquecendo.
Seja-me agradecido este defejo:
Ingrata nao fejais a quem vos ama
Com puro, e honeftiffimo defpejo.

A culpa que me pondes, ponde á fama,
Que pregoa de vós celefte vida,

Que os corações de amor divino inflama.
Humana, quando naó agradecida,
Vos moftrai ao mal meu, que me faz voflo,
Antes que a alma do corpo fe defpida.

Mas que poffo eu fazer pois já nao poffo
Hum tormento domar tao forte, e duro,
Homem formado fó de carne è de offo?
Em minha fé fegura me affeguro ;

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Por

Porque efta, quando he grande, ja mais erra,
Se refulta de amor fyncero, e puro.
Effa beldade fancta me faz guerra;
Por ella hei de morrer, inda que veja
Tornar o brando rio em dura ferra.
Que coufa tenho eu já que minha seja?
Quem nao defeja a voffa formofura
Naó póde affegurar que o Ceo defeja.
De que eu fempre o defeje eftai fegura:
Nefte defejo meu nunca mudança
Haó de ver as mudanças da ventura.
A vida tenho pofta na balança

Da gloria fingular do damno efquivo:
Que o perdê-la por vós he mór bonança.
Se vos offendo, cuido que nao vivo:
Olhai fe muito mais que de offender-vos,
Das efperanças do viver me privo.

O que temo fómente he fó perder-vos ;
O que quero fómente he fó adbrar-vos;
O que fomente adoro he fó querer-vos.
Querer-vos fem deixar de venerar-vos;
Defejar-vos fómente por fervir-vos;
Por fervir a amor vil nao defejar-vos.
Sómente ver-vos, e fomente ouvir-vos
Pertendo, e e pois fomente isto pertendo,
Deveis a eftes fentidos permittir-vos.

Ifto fomente, (oh cego!) eftou dizendo !
Como fe fora pouco, ifto fómente!
Que mais q ouvir-vos ha? q eftar-vos vendo?
Se o nao merece o meu amor decente;

Se morte por amar-vos fe merece,

Morra eu, Senhora; e vós ficai contente.
Se vos aggrava quem por vós padece;
Se vos vé a offender quem vos quer tanto;
Quem defta forte errou nao defmerece.

Que quando os olhos da razao levanto
Ao Ceo de effa rariffima belleza,
De nao morrer por ella fó me efpanto.
Deixai-me contentar defta trifteza,
E fazer de meus olhos largo rio,
Se algum póde abrandar voffa dureza.
Correndo fempre as lagrimas em fio
Farei crefcer as hervas por os prados,
Pois já de outra alegria defconfio.

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No monte darei pafto a meus cuidados
E feraó de mi fempre entre Paftores
Effes divinos olhos celebrados.

Aprenderáó de mi os amadores
Aquillo que fe chama amor fublime,
Ouvindo o rigor voffo, e minhas dores.
E nenhum haverá que a pena eftime
Mais foberana por a caufa della
Que a que teve até entao naó defeftime:
E que inveja nao moftre à minha eftrella,

Q

ELEGIA X.

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Ue triftes novas ou que novo dano ? Que inopinado mal incerto foa, Tingindo de temor o vulto humano? Que vejo as praias humidas de Goa Ferver com gente attonita, e turbada,

Do

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