Não o-podiam os nossos acabar de crer; e porque se arreceiassem de algum rebate falso do inimigo, dos que escaparam á morte, apuraram uns quarenta, que ainda tinham algum sangue e alento para ter-se e com as dos mortos, armaram a todas as mulheres, -e encostando aos muros, em pé, os corpos dos defuntos para com sua presença atterrarem em armas, ainda o inimigo, - assim se mantiveram toda a noite a póstos, concorrendo, para os acabar de finar, o clarão do incendio da Cidade, a que o Turco pozera covardemente fogo, e aonde estavam vendo arder os seus pobres tères ! Não volveu o inimigo, ·mas era pavoroso de ver, como os do Castello todos cobertos de seu sangue e do alheio, e inteiramente tisnados do pó, e fumaça da polvora, se não podiam conhecer uns a outros, nem pelo rosto, nem pelo trajo, e apenas alguns pela falla! Supplicamos ardentemente a todos os que estas poucas e apoucadas linhas virem, que hajam de lèr tal façanha, não já em João de Barros, Faria e Sousa, ou outro Escriptor Portuguez, que possam dar de suspeito, ― mas em Maffei, historiador latino da India : e especialmente na Historia Geral das Viagens — obra feita por os Inglezes, que quando escrevem, só do pessimo, que elles tem feito, fazem, e estão para fazer, nos dão bom mercado. Ahi dizem elles (tão maravilhosa é a façanha!) muito mais do que deixamos apontado: e declaram, terem-no havido d'um Venesiano, seu amigo, que serviu na armada dos Turcos. toda Hollanda em péso arremetteu com os nossos riquissimos Estados do Brazil e da India, que, posto sedefendessem com terriveis peleijas, e espantoso denodo, foram todavia desbaratados completamente, á mingoa de soccorros do Reino. A este Filippe, foi que os Portuguezes arrancámos o usurpado sceptro, para o-entregar a cujo, era o Sr. D. João IV-acclamado Rei legitimamente. Notamos, que este Principe Castelhano, nasceu em Sexta feira de paixão, e lagrimas e á hora, que secelebrava o officio das trevas. Se os horóscopos valem ou não, digam-no, as com que elle depois offuscou o lustre de Portugal d'aquelles tempos, e as lagrimas e morte, que causou a tantos de nossos Avós!... A. da Sylva Tullio. ESTUDOS DE HISTORIA PORTUGUEZA. 197 Temos em nosso poder a preciosa serie de Cartas, cuja primeira publicâmos hoje. Nellas descobre o nosso infatigavel e eloquentissimo Antiquario, o Sr. Alexandre Herculano, um grande numero de importantes verdades, ácerca dos principios de Portugal, da constituição-natureza e relações mútuas das classes, nesses tempos tão obscuros e tão pouco averiguados. Nestes escriptos, que não são mais do que o prelúdio de uma Obra que sem falta sairá cabal, sobre tal materia, faz o Sr. Herculano, á sua Patria, e geralmente á Sciencia um presente de altissima valia, de que a Revista Universal devidamente apprecia a honra de ser mensageira. Outra boa nova trazemos a nossos leitores, e é, a de termos igualmente já em nossas mãos um formoso Romance historico-do mesmo Auctor, cuja publicação, aos capitulos, brevemente come çaremos neste Jornal. -- CARTA 1. SOBRE A HISTORIA DE PORTUGAL. Srs. Redactores da Revista Universal Lisbonense. A reforma ha pouco feita no seu estimado jornal; o agasalhado que nelle se-concede a tudo quanto se-chama fructo de sciencia humana; a maior extensão de escriptura, que nas suas paginas se-póde hoje encerrar; e sobretudo a ambição, que desperta nos entendimentos ainda humildes, de se-acharem á meE isto lhe-havemos por mui rogado, para acabarem za da sciencia em tão honrada companhia litteraria como a dos collaboradores da Revista; tudo isso me-exciton a diricomnosco de crer, que nas historias não ha igual ma-gir-lhes esta carta, que folgarei mereça a honra da publicaravilha, nem ainda nas de Troya - Sagunto-e Nu-ção, e que se o merecer será seguida por outras sobre o mesmancia, porque estas succumbiram. e Tal echo deu pelo mundo esta defensão, que Antonio da Silveira, foi chamedo a Lisboa, onde o receberam em triumfo ElRei, toda a casa real, o clero, povo. Todos os Soberanos da Europa o-mandaram felicitar, por seus Embaixadores, -e singularmente ElRei de França, Francisco 1.o, o qual pediù o seu retrato, para o-collocar na famosa galeria de seu Palacio, como em Templo de Gloria-a par de outros grandes capitães. Portuguezes de hoje! olhai de quem sois netos! OS MAUS AGOUROS. Abril 8 de 1605. -196 Neste dia, nasceu em Valladolid, Filippe IV de Castella, terceiro e ultimo dos que dominaram em Portugal-« terra nunca d'outrem sojugada. « Foi de todos o que mais avexou, e desbaratou estes Reinos, por influxo de seu feroz Valído o Conde-Duque de Olivares · grande invejoso e contrario da Fidalguia Portugueza. No seu reinado, se fez, a drede, a escandalosa e barbara tregoa.com os Hollandezes, sob condição de ficarem excluidos os Dominios de Portugal: pelo que, mo objecto, porque traçando e alevantando a Revista um formoso edificio de civilisação nesta pobre terra de Portugal, posto que eu saiba serem as pedras que posso cortar e carrear para o monumento toscas e mal desbastadas, sei tambem que até estas tem sua cabida e serventia, quando para mais não seja, ao menos para sumir lá nos alicerces e na grossura dos muros, em quanto os artifices de primor vão aperfeiçoando as portadas, columnas, cimalhas, remates, e mais exterioridades de desenho, em que os architectos da obra põem as suas complacencias d'artistas. Entendi eu, que o entreter alguns momentos os leitores da Revista com diversos estudos sobre a nossa antiga historia, não seria fazer-lhes mau serviço. Ha neste fallar das récordações de avós o quer que é saudoso e sancto, porque a historia patria é como uma destas conversações d'ao pé do lar em que a familia, quando se acha só, recorda as memorias de pai e mãe que já não são, de antepassados e parentes que mal conheceu. Mais saboroso pasto d'espirito que esse não ha talvez, porque em taes lembranças alarga-se o ambito dos nossos affectos: com ellas povoamos a casa de mais entes para amarmos; explicamos pelos caracteres e inclinações dos mortos os caracteres e inclinações dos que vivem; os habitos actuaes pelos habitos e costumes dos nossos velhos. Se, abastados e engrandecidos, viemos de humildes e pobres, pertendemos muitas vezes fazer esquecer ao mundo o nosso berço ; mas no abrigo familiar, deixada tão viciosa vergonha, abrimos o larario domestico e tiramos delle os deuses da meninice, grosseiros symulachros das imagens paternas, e folgamos nos de os contemplar, e de recontar ou de ouvir a sua historia, dos. Ha muito que para ellas voltei as minhas predilecções. E não sei, até, quem possa deixar de o fazer em tempos como os que ora correm. Se o rico e poderoso que nasceu dos minguados e chãos vai pedir ao passado, frescor e regalo para o espirito, como deixará o que se-vê abatido e em amarguras de lembrar-se de opulentos e nobres avós? Qual será a nação que amarrada ao poste do padecer, ludibriada e apupada por todos e por tudo, despida, cuberta de lodo, cheia de pisaduras e feridas, se não volte para os tempos que passaram, quando esses tempos foram feracissimos de muitos generos de grandezas e de glorias, e como o Salvador no Calvario lhes não diga: Tenho sede? Quem, vendo diante de si, desfolha rem-se-lhe uma a uma todas as esperanças, se não retrahe do presente, e não vai pelo campo sancto dos seculos buscar e colher saudades de consolação? Separado, e não de poucos dias, desse tumulto e ruido da sociedade actual, que Deus louvado não entendo nem desejo entender, e em cujas opiniões e idéas, ou por demasiado grandiosas, ou por vergonhosamente pequeninas, não acho medida pela qual affira e concerte as minhas, que não passam de triviaes, e means; ajuramentado com a propria consciencia para deixarmos seguir o mundo seu caminho, bom ou mau, com tanto que não nos embargue o nosso, tenho procurado estudar algumas epochas da tão poetica e formosa historia da gente portugueza. É para varios desses estudos imperfeitissimos que eu peço algumas columnas da Revista Universal, não porque elles preencham completamente os fins da instituição deste Jornal, a instrucção; mas porque poderão mover os que vałem e sabem muito, a que, pertendendo corrigir erros sobejos, em que por certo cairei, instruam verdadeiramente o commum dos leitores da Revista, e os-chamem a contemplar o espectaculo da nossa sociedade antiga. Estes estudos feitos por um systema d'historia, como mepareceu que elles deviam ser feitos, apparecerão na Revista soltos, em quanto de mais perfeito modo os não posso trazer á luz da imprensa. Fragmentos são os que unicamente se-hão de e devem lançar nas columnas de uma folha volante, entre cujos meritos a variedade é talvez o que mais se-busca. Trabalhos completos são para livros, e livros d'historia estou eu (sem humildade hypocrita o-digo) bem longe ainda de os-poder fazer. Todavia darei a estas Cartas, quanto em mim couber, um certo nexo, que a natureza da materia requer. Um dos principaes defeitos dos trabalhos historicos do nosso paiz parece-me ser a insulação de cada um dos aspectos sociaes de qualquer epocha, que nunca se conhecerá, nem entenderá, em quanto a sociedade se não estndar em todas as suas formas d'existir, em quanto se não contemplar em todos os seus caracteres. Estas Cartas, se merecerem a approvação de V. V. poderão algum dia servir, no que tiverem bom, se o tiverem, de esclarecimento e notas a uma parte da Historia Portugueza, como eu concebo que ella se-deveria escrever - historia não tanto dos individuos como da Nação — historia que não ponha á luz do presente o que se deve ver á luz do passado-historia, emfim, que ligue os elementos diversos que constituem a existencia de um povo, em qualquer epocha, em vez de ligar um ou dous desses elementos, não com os outros que com elle coexistem, mas com os seus affins na successão dos tempos, grudados pelos tôpos chronologicos com massa de papel, feita das folhas da Arte de Verificar as Datas. 1 d'Abril de 1842. A. Herculano. UMA CORRIDA DE TOUROS. 198 Celebrou-se no dia 4, anniversario da Rainha, uma d'essas festas a que chamam nacionaes: as circumstancias que ordinariamente as acompanham, acompanharam-na. Houve concurso numerosissimo, em despeito da inclemencia do dia -14 animaes atormenta um dos homens de forcado morto, ou pouco meum cavalleiro despejado da sella dez homens maltratados e escorrendo em sangue – -e por sobre isto tudo as gritas de uma multidão selvagem. O expectaculo de morte era presidido e dirigido pela authoridade publica, cuja missão devèra ser a de tutelar mentos, civilisação. os mais preciosos thesouros, moral, costumes, senti Bem haja a alta personagem, cuja visita se annunciára, e que não quiz authorisar com a sua presença o mais infame dós entretenimentos infames. Mas não basta esse exemplo; o mal gangrenou a raiz, é a raiz que importa extirpar. Em nome do progresso que abrandou nossos habitos, da Constituição cujo espirito supprime os escusados padecimentos corporaes, da lei que apagou em nossos Codigos as manchas de sangue; appareça de novo uma lei de bronze declarando o divertimento nacional dos Touros impolitico, immoral, impossivel. E em quanto essa lei não existir, se é que no armazem das vigentés se não póde já encontrar, ao Poder sobejam meios; e por Deos que sobre a cabeça de quem direito é, lá vai recaír o san gue. Precisais divertir o publico? Mais panem, menos Circenses. E miseravel imaginativa é a vossa se não encontrais melhor meio do que este. Facilitai-lhe as reuniões com ordem e prazer · os theatros os pas-. seios as feiras-as romarias - as festas de arraial a convivencia; dai-lhe o que quizerdes, menos lições d'anthropophagos. Oh, a que formoso expectaculo assistimos! Milhares de homens, olhos cravados n'um só ponto, suspensa a respiração, para rebentar uma explosão frenetica no momento em que o pobre animal furioso, alevantando com as pontas um semelhante nosso, se já o não é seu, o-arroja a vinte pés de altura, e ainda na queda o-rola e calca. Crianças que apenas balbuciam o nome de suas mãis, e a quem por segundo leite leo symbolo da bondade, a imagem da doçura e do amor, vam a tragar este fel. Mulheres, o mimo da natureza, pascendo os olhos e as vontades no desamor, dureza e maldade! Vinde, partidarios das sensações fortes, e esclareceime. Quaes são os resultados proveitosos que de taes vistas esperais? Desenvolvimento de coragem? Lembrai-vos que esses homens que ahi vos-sacrificam a vida, tem mulheres, filhos e fome; que falta por tanto ao acto que praticam a espontaneidade, a liberdade, e a utilidade, partes sem as quaes não ha coragem, mas demencia. Agilidade? Embora, mas tendes os exercicios gimnasticos que a-desenvolvam sem risco, e muito mais extensamente. Desprezo da vida? Essa these é destruidora ; é crime desprezar a vida ou expol-a inutilmente o homem não é senhor dos seus dias, e taes doutrinas santificariam o homicidio e o suicidio. Distracção das turbas? Bem sei que o recreio é a para que ellas o-tolerem, deve ser innocente e honesvalvula de segurança das sociedades, mas esse recreio, to; e um seculo de prazeres de cem milhões de homens não paga vida d'esse desgraçado que ahi vi caír morto. Com que direito stygmatisamos nós os antigos tyrannos? não se apascenta este povo soberano e silvestre na morte dos gladiadores? não bate as palmas ao―ave imperator, morituri te salutant? ma vez, vi insultar quanto o universo encerra mais Ignoro se esses homens, a quem damos a profissão de matar com graça, de atormentar com elegancia, de esfaquear com agilidade, são effectivamente o que a logica os-obriga a ser. Quem, por uns poucos crusados, já em frente já á traição, a adversario que nem o-provocou. nem lhe-fez mal, e vinte vezes mais poderoso, espanca, esfaqueia e mata por outros tantos crusados ou por vingança espancará, esfaqueará e matará, em frente ou á falsa fé, a um homem, adversa-obra. rio igual, ou, por desprevenido, inferior. Instituição magnifica para a sociedade é pois esse viveiro de assassinos! Mas nem são só os capinhas, os homens de forcado, os pretos de pasta, os cavalleiros, os campinos, esses actores do melodrama, que assim se-vão transformando em feras. Por imitação, muitos homens do povo pediram, em quanto lhes durava a excitação da febre, e alcançaram, a graça de voltearem nas pontas de um touro; – por imitação, pessoas de outra classe julgaram que se-tornariam celebres em taes entretenimentos; – por imitação em fim, se-costumam aquellas turbas a vér sem sobresalto derramar o sangue, vesperas solemnes do dia em que sem sobresalto o-derramarão. Preparar-se-ha assim uma nação de toureiros, de barbaros, de matadores, mas não é assim por certo que uma nação se-civilisa. 199 O CASTELLO DE COIMBRA (1). Alli o berço foi da lusa gloria : Garrett. D. Branca. Não é somente aos homens d'este seculo destruidor, carregados já de maldições dos contemporaneos, e ameaçados das dos vindouros, que o ferrete da ignominia deve marcar as testas, como roubadores sacrilegos dos brasões da patria; de mais longe vem o nefando empenho de apagar memorias do que fomos, arrasando os mais famosos monumentos de nossas glorias; julgamos por isso mais execraveis os antigos demolidores, que são os patriarchas d'essa abominavel seita, cujo compromisso cifra todos os seus preceitos no unico: «Anniquillar tudo que recorde façanhas portuguezas.» Tanto nos-aturdem os ouvidos com o que vai lá fóra! Pois lembrem-se que só nós e os nossos visinhos nos-enxovalhamos com taes monstruosidades; que na Inglaterra, na America, na Allemanha, na vanguarda da verdadeira civilisação, não ha sociedades mais respeitadas e numerosas do que as destinadas á protecção dos animaes; que de todo esse mundo desappareceram os pugilatos, as esporas dos galos, os leões e cães de fila, e quantas selvajarias toleraram os tempos em que os Touros talvez não seriam anachronis-politico célebre (mas não guerreiro, que os guerrei mo. O proprio regimen sob que vivemos impõe a necessidade de tal suppressão. O absolutismo, imperio de um sobre muitos, carece do terror, que sujeita as forças physicas e moraes desses muitos á vontade desse um; ahi concebo ainda os expectaculos que semeiam disposições terríficas. O liberal só póde sel-o quando a sua alma fôr toda amor para com seus semelhantes; ahi o imperio é dos muitos sobre muitos, e os expectaculos que a sam politica prescreve só são os que desenvolvem tendencias de brandura e fraternidade. É arca santa, dizem alguns, é uso nacional. Porque? por que ha longos annos se repete esta infamia? Mais longa vida tiveram os autos da fé, o ferro em braza, os tratos, e passaram: uso é successão de actos; supprima-os a authoridade, e o uso acabará. Será porque o nosso clima exija prazeres de fogo, porque as nossas arterias queiram lava em vez de sangue? Não blasfemeis, contentai-vos com o mal que produzis, sem que a calumnia o venha ainda envenenar; não, o coração dos Portuguezes não é a cscoria da humanidade: o povo é essencialmente bom, e prova é que, apezar de tanto procurar pervertel-o, ainda não está pervertido. Para coroar dignamente éste anthropophago ban-. quete, eu, que nelle me sentei pela primeira e ulti | O Castello de Coimbra, outr'ora vasto e forte, está hoje reduzido a quatro paredes, firmes como rochedos no meio do mar, que se a arbitrio do tempo sedeixára a destruição, mui longa fileira de seculos houvera de passar pelas suas ameias, e elle em pé, inteiro, e robusto, como em dia de sua criação. Um ros présam os monumentos de victorias) mandou demolir o que ainda restava do poderoso baluarte contra os inimigos da Cruz, e da Coroa Portugueza; assassinou-se o gigante devorador de mouros, é castelhanos, e a ossada desconjunta testifica ainda sua corpulencia, e valentia. Ninguem poderá comprehender a sublimidade do pensamento, que presidíra á factura do Decreto de demolição! Foi para dar logar à construcção d'um Observatorio Astronomico, que pouco mais passou dos fundamentos! (2) (1) sobre pedra viva, mui fortalecido de altas torres, e altas muralhas, inda que hoje algum tanto arruinadas. Tem em seu circuito uma autiquissima torre, fabricada de cinco cantus, que foi edificada por Hercules, a quem deixou seu nome, não somente a esses fertiles prados do Mondego, por ella chamados Herculeos, mas a mesma Cidade, e bem declara em sua velhice as centenas dos muitos annos que tem de sua fundação. Junto della se-alevanta uma formosissima, e sumptuosa torre, não tão antiga, mas mais nobre por seu edificio, na qual se-descobrem alegres montes, e campos: é inexpugnavel, por lhe nascer dentro agua em muita quantidade. » Está este Castello situado no mais alto da Cidade Conquista, Antiguidade, e Nobreza da mui insigne e inclita Cidade de Coimbra, escriptus per Antonio Coelho Gasco Cap 2. pag. 16. (2) Ha pouco tempo se escrevea (Panorama, 1.o de Janei ro 1842), que se abríra mão deste projectado Observatori, por não estar livre de abulos occasiona ios, pelo rodar, dos corros duzia ao seu interior, além das quatro valentes paredes que fecham o recinto. Acerca da fundação do Castello nada ha que dizer | eelebrada Torre quinaria d'Hercules, que confinava ao certo fallando da da cidade expozemos as várias com a porta do Castello, e outra torre com que aquelopiniões, as quaes tem intima relação com a historia la emparelhava; da ultima são as actuaes ruinas: nodo Castello, parte integrante da povoação primiti-ta-se o sitio da cisterna atulhada, uma porta que conva. Se valesse a auctoridade d'alguns AA. (3) á Torre de Hercules, por ventura o nucleo da fortaleza, dariamos por fundador esse fabuloso Rei da Lusitania. Uma inscripção achada na torre assim denominada, deu alma á crença (4), que a juizo d'outros é sandia (5). O que não soffre dúvida é o ter El-Rei D. Sancho 1. construido uma das torres (6), na qual depositava seus thesouros os estragos causados no Castello pelo maior, e mais glorioso cèrco, posto pelos mouros, no Reinado de seu Pai (7), deveriam chamar sua attenção, mormente sendo então Coimbra cabeça de seus Estados. Acerca da extensão que tivera o Castello tambem só se-podem rastejar probabilidades, porque as novas edificações tem quasi de todo apagado os vestigios; existe porém ainda coroada d'ameias uma boa parte da muralha, que prendia no Castello, e ía ter ao arco da traição, formando hoje as costas dos modernos edificios (8). O Marquez de Pombal mandou demolir a nas calçalas, condição essencial a que deve satisfazer todo o local destinado para observações. Não cremos que esse fosse o motivo; porque acha-se a consideravel distancia do logar de transito mais frequentado, e a vastidão do edificio, e a mote immensa de cantaria, que o-deveria constituír (a julgar-se pela da base), o-tornariam inabalavel. Em nosso entender foram as despezas consideraveis, que demandava a fabrica, pelo grandioso risco porque se-começára, que o-fez abandonar. E esse tambem o motivo de se não achar ainda acabado o Jardim Botanico, o Laboratorio Chymico, etc. (3) Gasco, Mariz, Botelho, Cardoso, Leitão d'Andrade, D. Nicoláo de Santa Maria, etc. (4) Quinaria turris Herculea fundata manu, -Vem transcripta na Historia Breve de Coimbra pelo Licenciado Bernardo de Brito Botelho, e no Diccionario Geografico do P. Luiz Cardoso. (5) «Na Cidade de Coimbra se-acha celebrada, tambem por obra de Hercules, a Torre Quinaria, que uma e outra (est'outra é a Torre de Hercules, meia legua apartada da Corunha) segundo as mais verisimiles observações da antiguidade, foram obra de Romanos, em tempo de Julio, e Augusto Cesar. É por ventura, destes Monarchas, ou de seus Ministros, ou Artifices, consagrados a Hercules, de quem tomaram o nome, em beneficio, e obsequio de sua fortaleza e duração. Epanaphoras de varia Historia portugueza por D. Francisco Manoel, pag. 211. — Vide Bellezas de Coimbra por Antonio Moniz Barreto Corte-Real. Se porém em tão escuras sombras se-esconde a historia da origem do Castello, ao contrario mui fresca se-conserva ainda, após de tantos seculos, a memoria gloriosa das gentilezas nelle obradas. Quem ha ahi que não conheça o illustre nome do valeroso Alcaide, Martim de Freitas, do Varão fiel ao desthronado, e proscripto Monarcha D. Sancho 2.o? Imitador dos brios, e lealdade de tão nobre Cavalheiro, um Principe excellente veio tambem a occupar os aposentos do Castello foi o amigo extremoso do Conde d'Avranches, D. Alvaro Vaz d'Almeida, o Infante D. Pedro, Duque de Coimbra. Aos memoraveis nomes de tão egregios varões anda associado o de outro nobre fidalgo, mais zelloso da independencia de sua patria, que cubiçoso dos favores d'uma irmã Rainha, o qual a despeito de ameaças soube guardar seu juramento de pleito e homenagem, recusando a entrega do Castello ao Principe castelhano, que á frente d'um poderoso exercito a-exigia. Grave documento de lealdade nos-deixou o Conde de Barcellos em tão heroica acção. E como houve homem, que mandasse destruir monumento de tantos e tão primorosos feitos? Como attentou a tanto o Gram Ministro ?! Restos venerandos do alcaçar coimbrão, testemunha das nobres proezas de nossos maiores, poupe-vos a colera dos homens d'hoje a anniquillação! O pó dos seculos, em que jazeis involtos, cegue os olhos incuriosos dos que ousarem desbaptisar-vos do sólo em que Vos encravaram homens d'outras eras.-R. de Gusmão. FENOMENOS NOTAVEIS ACONTECIDOS EM FEVEREIRO 200 PASSADO. A 17 pelas 8 horas da manhã uma oscillação de tremor de terra acompanhada de rumor subterraneo se-sentiu em Falmouth, e em outras povoações das costas maritimas de Inglaterra: o abalo foi tão forte que muitas portas e janellas se-abriram subitamente, causando vivos temores. A tempestade de 23 produsiu gravissimos prejuisos em Cintra, tanto nos arvoredos como nos telhados dos edificios: muitas arvores seculares foram partidas ou derrubadas. Na cidade do Porto foi igualmente violenta, cahindo da qual consta o que dizemos; copial-a-hemos tambem aqui. alguns raios que felizmente não offenderam. -- A 26, Era 1232. Regnante apud Portugalliam Rege Sancio incliti por causa do denso nevoeiro, naufragou em uma praia Regis Alfonsi, et Reginae Mafald æ filio, et illustris comitis ao sul de Aveiro, o brigue hespanhol Ginulo, pereHenrici, et nobilissimae Tarasiae Reginae nepote, ipso ju- cendo metade da tripulação e toda a carga. - Em bente costructa est hæc turris anno Regni ipsius et uxoris ejus Nova York se tem experimentado um inverno assaz beReginae Dulciae tertio, à captione venerabilis civitatis Colim- nigno, attendendo á natural aspereza e irregularidabriae per Regem Fernandum ex Sarracenis 130. Era: Præside daquelle clima. No dia 5 observou-se alli um sal (6) A Benedictina Lusitana transcreve uma inscripção, dente tunc in eadé civitate Episcopo D. Petro. Ferreira no seu Catalogo dos Bispos de Coimbra diz, que Fr. Leño de S. Thomas viciára esta inscripção; e por isso alli a-transcreve com o fac-simile dos caracteres gravados na pedra, mandado tirar por ordem da Real Academia d'Historia Portugueza. - Este monumento serviu de muita utilidade ao diligente A. para averiguar pontos duvidosos de Chronologia. E nem se quer ao menos se-salvaria esta preciosa pedra?! Finaram-se os Rezendes, os Severins, e os Gascos, já não ha quem prese nossas antigualhas! - (7) Veja-se a Chronica de Rui de Pina. (8) Este arco, assim como o do Castello com suas grossas to de temperatura bem extraordinario: no curto intervalo de 24 horas passou de 11.° abaixo da congelação a 38.o acima do gelo. Neste mez, e no antecedente, soffreu o reino de Napoles repetidos tremores de terra, que muito assustaram os seus habitantes. Rossano na Calabria, Patti na Sicilia, onde o movimento ondulatorio se portas chapeadas e cravadas de ferro, foram arrasados por or dem da Camara Municipal em Novembro.de 1836, .. sentiu desde 19 até 22 de Janeiro; Terrano, Cittá S. Angelo, Vicali, Torre dei Passeri, e outras povoações, experimentaram este flagello, que constantemente persegue aquelle paiz, e que é um effeito dos volcões de que abunda. HOLLANDA. 203 Prepara-se a toda a pressa uma esqnadra mui potente, mas cujo destino é mysterioso. Julgam que se-destinará á India, ou a impedir a sublevação, que se-receia, dos indígenas de Java e Sumatra. GRAM-BRETANHA 204 O parlamento continúa a occupar-se das questões de fazenda, e suppõe-se que Sir Peel terá a maio- . ria, apesar dos mil obstaculos que encontra. - Não ha da India noticias mais modernas. O ministro das Colonias propoz aos Deputados que se investigasse o estado das possessões inglezas na Costa Occidental da Africa, do que foi encarregada uma commissão. FRANÇA. Observações agronomicas feitas no Algarve, no termo de Moncarapaxo. As agoas tão desejadas, que appareceram a 7 do mez, produziram o melhor effeito nas cearas: os campos cobriram-se de ervas tão necessarias para as pastagens dos gados; os favaes sc-reanimaram com a chuva, e restabelecidos do açoute dos ventos dão esperança de boa producção. Como as aguas não foram de longa duração, os terrenos destinados para os milhos vão sendo facilmente lavrados; e todos se-apressam na sementeira daquelle cereal, e na do grão de bico. As amendoeiras temporas tinham já a maior parte do fructo vingado quando vieram as chuvas; as serôdias porém ficaram privadas das flores, que já tinham completamente abertas, mas continuam ainda a sua florescencia, e por isso se-espera que ainda dêem fructo. Se não sobrevierem ventos violentos, a novidade da amendoa não será escassa. 205 Renasceu a questão dos direitos do assucar Causa porém sérios receios a escacez das chuvas, pe- colonial e indígena, a respeito da qual por insufficienlo que respeita aos arvoredos, e mais ainda aos po- temente estudada, o Governo recusa apresentar a proços e fontes os moinhos das ribeiras ainda não tem mettida lei. Continúa a altercação com Hayti, onde moido senão de represadas; as agoas tem corrido ape- se achavam a 28 de Fevereiro 8 navios de guerra frannas 6 dias depois das chuvas, limitando-se a mingoa- cezes - Afiançam que o Principe de Joinville se-emdas quantidades, que pouco differem das que apre-barcará immediatamente para os mares da India ou sentam no verão. Tem havido muita escacez de peixe por não permittirem os temporaes que os barcos larguem para o alto mar. Em Martimlongo, no mesmo districto, as chuvas produziram iguaes beneficios nos vegetaes, fazendo renascer tão lisonjeiras esperanças que logo o trigo baixou 50 reis por alqueire. Cessou igualmente a mortandade nos gados miúdos, cujos rebanhos, pela escacez das pastagens ficaram reduzidos ao terço, e outros a metade do que eram : as creações foram mui diminutas, e por consequencia o leite, e scus productos. M. M. Franzini. China. Corre por Lisboa que o celebre Victor Hugo enlouquecera. Por esta occasião ouvimos disputar entre litteratos: 1.° a possibilidade de tal facto: 2.° se presuppondo-o accontecido, e continuando elle a escrever, a poesia ganhará ou perderá. São questões em que não queremos entrar. O que todavia nos-parece é que se Victor Hugo se-acha doido confirmado, foi pena de talião que a Providencia quiz applicar ao autor de Lucrecia Borgia, — d'Hernani, e de Notre Dame de Paris. 201 NOTICIAS. RUSSIA. As cartas de Riga e Liebau recebidas na Franconia a 18 do passado, declaram que as tropas que em Petersburgo se-sublevaram, pediam, além da reparação de varios aggravos, que o Czar desse ordem, para que o exercito marchasse sobre a Sclavonia e soccorresse os christãos maltratados pelos infieis. Tendo o Imperador recusado, os soldados, entoando o Eco do Balkão, proclamaram o Grão-Duque Alexandre. (Outras cartas dizem que se-deram vivas á Republica). Pôz-se o Czar á testa dos regimentos fieis; a resistencia foi desesperada, mas a morte de muitos officiaes precedeu a desmoralisação, e a fuga, durante a qual quasi todos cahiram exânimes. ALLEMANHA. 202 O Grão-Duque Reinante de Schwerin tendo morrido, de 41 annos, quasi repentinamente, seu filho, de 19, subíu ao throno; e chamamos a attenção para uma circumstancia importante desta exaltação: o novo Governo, convencido da, pelo menos, | HESPANHA. 206 Levantou-se o sequestro dos bens dos Carlistas que não estiverem sem licença em paiz estrangeiro. - Em Valença continuam o terror e os assassinios. — Falla-se de um tratado de commercio com a GramBretanha, e de um ajuste com a França sobre correios. - 0 Ministro do Reino apresentou um projecto para que a todas as publicações, com ou sem titulo, fosse applicavel a lei da imprensa. -O 2.° filho do infante D. Francisco de Paula, segundo se diz, vai abraçar a carreira da Marinha. |