Imagens das páginas
PDF
ePub

LXVIII.

Ai-me hua lei, Senhora, de querer-vos,

D forque a guarde fobpena de enojar-vos,

Pois a fé que me obriga a tanto amar-vos,
Fará que fique em lei de obedecer-vos.
Tudo me defendei, fenao fó ver-vos,
E dentro na minha alma contemplar-vos;
Que fe affi nao chegar a contentar-vos,
Ao menos nunca chegue a aborrecer-vos.
E fe effa condiçao cruel, e efquiva,
Que me deis lei de vida nao confente,
Dai-ma, Senhora, já, feja de morte.
Se nem efla me dais, he bem
Sem faber como vivo triftemente;
Mas contente estarei com minha forte.

F

LXIX.

Erido fem ter cura perecia

que

viva

O forte e duro Télepho temido,
Por aquelle que na agua foi metido,
E a quem ferro nenhum cortar podia.
Quando a Apollineo Oraculo pedia
Confelho para fer reftituïdo;
Refpondeo-lhe, tornaffe a fer ferido
Por quem o já feríra, e fararia.

Affi, Senhora, quer minha ventura,
Que ferido de ver-vos claramente,
Com tornar-vos a ver amor me cura.
Mas he tao doce voffa formofura
Que fico como o hydropico doente,
Que bebendo lhe crefce mór feccura.
C ii

LXX,

N

LXX.

A metade do Ceo fubido ardia
O claro,almo Pastor, quando deixavam
O verde pafto as cabras, e bufcavam
A frefcura fuave da agua fria.

Com a folha das arvores, fombria
Do raio ardente as aves fe amparavam :
O módulo cantar de que ceffavam,
Só nas roucas cigarras fe fentia.

Quando Lifo Paftor, n'hum campo verde,
Natercia, crua Nympha, fó bufcava
Com mil fufpiros triftes que derrama.
Porque te vás de quem por ti fe perde,
Para quem pouco te ama? (fufpirava)
Eo eco lhe refponde: Pouco te ama.

J

LXXI.

A' a roxa e branca Aurora deftoucava
Os feus cabellos de ouro delicados,
E das flores os campos efmaltados
Com cryftallino orvalho borrifava:
Quando o formofo gado fé espalhava
De Sylvio, e de Laurente, por os prados;
Paftores ambos, e ambos apartados,
De quem o mefino amor nao feapartava.

,

Com verdadeiras lagrimas Laurente; Não fei, (dizia) ó Nympha delicada Porque nao morre já quem vive au fente. Pois a vida fem ti nao prefta nada; Refponde Sylvio ; amor nao o confente: Que offende as efperanças da tornada.

Q M

LXXII.

[ocr errors]

Uando de minhas mágoas a comprida Maginaçao os olhos me adormece Em fonhos aquella alma me apparece, Que para mi foi fonho nesta vida. Lá n'huma foidade, onde eftendida A vifta por o campo desfallece, Corro apoz ella; e ella entao

ella entao parece

Que mais de mi fe alonga, compellida. Brado: Nao me fujais, fombra benina. Ella (os olhos em mi co' hum brando pejo, Como quem diz, que já nao póde fer)

Torna a fugir-me: tórno a bradar : Dina; E antes que acabe em mene, acórdo, e vejo, Que nem hum breve engano poffo ter.

LXXIII.

Ufpiros inflammados

que cantais

SA trifteza com que eu vivi tao lédo;

Eu morro, e nao vos levo, porque hei medo Que ao paffar do Lethco vos percais.

Efcriptos para fempre já ficais

Onde vos moftraráo todos co' o dedo,
Como exemplo de males; e eu concedo
Que para avifo de outros eftejais.

Em quem, pois, virdes largas efperanças
De amor, e da fortuna, (cujos danos
Alguus terao por bemaventuranças )
Dizei-lhe, que os ferviftes muitos anos,
E que em fortuna tudo fao mudanças,
E que em amor nao ha fenaō enganos.

A

LXXIV.

Quella fera humana que enriquece
A fua prefunçofa tyrannia,

Deftas minhas entranhas, onde cria
Amor hum mal, que falta quando crece:

Se nella o Ceo moftrou (como parece)
Quanto moftrar ao Mundo pertendia;
Porque de minha vida fe injuría?
Porque de minha morte fe ennobrece?
Ora, em fim, fublimai voffa victoria,
Senhora, com vencer-me, e captivar-me :
Fazei della no Mundo larga hiftoria.

Pois,por mais que vos veja atormentar-me, Já me fico logrando defta gloria

De ver que tendes tanta de matar-me.

LXXV.

De queisa de amorofas efquivanças,

Itofo feja aquelle que fomente

Pois por ellas nao perde as efperanças
De poder n'algum tempo fer contente.
Ditofo feja quem eftando aufente
Nao fente mais que a pena das lembranças;
Porqu'inda que fe tema de mudanças,
Menos fe teme a dor quando fe fente.
Ditofo feja, em fim, qualquer eftado,
Onde enganos, defprezos, e ifençaổ,
Trazem hum coraçao atormentado.

Mas trifte quem fe fente magoado
De erros em que nao póde haver perdaő
Sem ficar na alma a mágoa do peccado.

Q

LXXVI.

Uem foffe acompanhando juntamente Por elles verdes campos a avezinha, Que defpois de perder hum bem q tinha, Nao fabe mais que coufa he fer contente. E quem foffe apartando-fe da gente, Ella por companheira, e por vifinha Me ajudaffe a chorar a pena minha, E eu a ella tambem a que ella fente. Ditofa ave, que ao menos fe a natura A feu primeiro bem nao dá fegundo, Dá-lhe o fer trifte a feu contentamento. Mas trifte quem de longe quiz ventura, Que para refpirar lhe falte o vento, E para tudo, em fim, lhe falte o Mundo.

[ocr errors]

LXXVII.

Culto divinal fe celebrava

No Templo donde toda creatura

Louva o Feitor divino, que a feitura
Com feu fagrado Sangue reftaurava.
Amor alli, que o tempo me aguardava,
Onde a vontade tinha mais fegura,
Com huma rara e Angelica figura
A vista da razao me falteava.

Eu crendo que o lugar me defendia,
De feu livre coftume nao fabendo
Que nenhum confiado lhe fugia;
Deixei-me captivar; mas hoje vendo,
Senhora, que por volo me queria,
Do tempo que fui livre me arrependo.

LXXVIII.

« AnteriorContinuar »