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F

XXXVIII.

Ormofos olhos, que na idade nofla
Moftrais do Ceo certiffimos fignaist,
Se quereis conhecer quanto poffais,
Olhai-me a mim, que fou feitura voffa.
Vereis que do viver me defapoffa
Aquelle rifo com que a vida dais:
Vereis como de amor nao quero mais
Por mais que o tempo corra, o damno poffa.
E fe ver vos nefta alına, em fim, quizerdes
Como em hum claro efpelho, alli vereis
Tambem a voffa Angelica, e ferena.

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Mas eu cuido, que fó por me nao verdes, Ver-vos em mim, Senhora, nao quereis. Tanto gofto levais de minha pena loro st

XXXIX

Fogo que na branda ceram ardia,

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Vendo o rofto gentil, que eu na alma vejo,
cu na

Se accendeo de outro fogo do defejo,
Por alcançar a luz, que vence o dia.
Como de dous ardores fe encendia
Da grande impaciencia fez despejo;
E remettendo com furor fobejo,
Vos foi beijar na parte onde fe via.
Ditofa aquella flamma que fe atreve
'A feus ardores, e tormentos,
apagar
Na vifta a quem o Sol temores deve..
Namoram-fe, Senhora, os elementos
De vós; e queima o fogo aquella neve
Que queima corações, e penfamentos.

f

XXXX.

A Legres campos, verdes arvoredos
Claras, e frescas aguas de crystal,
Que em vós os debuxais ao natural,
Difcorrendo da altura dos rochedos:
Sylveftres montes, afperos penedos,
Compostos de concerto defigual;
Sabei que fem licença de meu mal
Já nao podeis fazer meus olhos lédos.
E pois já me nao vedes como vistes,
Nao me alegrem verduras deleitofas,
Nem aguas que correndo alegres vem.
Semearei em vós lembranças triftes,
Regar-vos-hei com lagrimas faudofas,
E nafceráó faudades de meu bem

Q

XXXXI.

Uantas vezes do fufo fe efquccia
Daliana, banhando o lindo feo,
Outras tantas de hum afpero receo
Salteado Laurenio a côr perdia.

Ella, que a Sylvio mais que a fi queria,
Para podê-lo ver nao tinha meo.
Ora como curára o mal alheo

Quem o feu mal tao mal curar podia?
Elle, que vio taó clara efta verdade,
Com foluços dizia (que a efpeffura.
Inclinavam, de mágoa, a piedade ).
Como póde a defordem da natura
Fazer tao differentes na vontade
Aos que fez tao conformes na ventura ?

XXXXII.

XXXXII.

Indo e fubtil trançado, que ficafte Em penhor do remedio que mereço ; Se fó comtigo, vendo-te, endoudeço, Que fora co' os cabellos que apertaste ?

Aquellas tranças de ouro que ligaste, Que os raios do Sol tem em pouco preço Nao fei fe ou para engano do que peço, Ou para me matar as defatafte.

Lindo trançado, em minhas mãos te vejo, E por fatisfaçaó de minhas dores

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Como quem nao tem outra, hei de tomar-te
E fenao for contente o meu defejo,
Dir-lhe-hei que nefta regra dos amores >
Por o todo tambem fe toma a parte.

XXXXIII.

Cyfne quando fente fer chegada
A hora que poe termo á fua vida
Harmonía maior, com voz fentida
Levanta por a praia inhabitada.

Defeja lograr vida prolongada
E della eftá chorando a defpedida:
Com grande faudade da partida
Celebra o trifte fim defta jornada.

Affi, Senhora minha, quando eu via
O trifte fim que davam meus amores
Eftando pofto já no extremo fio;

Com mais fuave accento de harmonía
Defcantei por os voflos desfavores
La vueftra falfa fé, y el amor mio.x:.

XXXXIV.

Or os raios extremos que moftrou
Em fabia Pallas, Venus em formofa,
Diana em cafta, Juno em animofa
Africa, Europa, e Afia as adorou.
Aquelle faber grande que juntou
Efprito, e corpo, em liga generofa,
Efta mundana machina luftrofa,
De fós quatro elementos fabricou..
Mas: fez maior milagre a natureza
Em vós, Senhoras, pondo em cada húa
O que por todas quatro repartio.

A vós feu refplandor deo Sol, e Lúa :
A vós com viva luz, graça
, e pureza,
Ar, fogo, terra, e agua, vos fervio.

XXXXV.

Omava Daliana por vingança

TDa culpa do Paftor que tanto amava

Cafar com Gil vaqueiro; e em fi vingava
O erro alheo, e pérfida efquivança.
A difcrição fegura, a confiança
Das rofas que o feu trofto debuxava
O defcontentamento lhas mudava;
Que tudo muda huma afpera mudança.
Gentil planta difpofta em fecca terra;
Lindo fructo de dura mão colhido;
Lembranças de outro amor, e fé perjura:
Tornáram verde prado em ferra dura;
Intereffe enganofo, amor fingido,

Fizeram defditofa a formofura.ov on eballag

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XXXXVI.

Rão tempo ha já que foube da ventura
A vida que me tinha deftinada;
Que a longa experiencia da paffada,
Me dava claro indicio da futura.

Amor fero, e cruel, fortuna efcura,
Bem tendes vofla força exprimentada:
Affolai, deftruí, nao fique nada ;
Vingai-vos defta vida, que inda dura.
Soube amor da ventura que a naó tinha
E porque mais fentiffe a falta della,
De imagees impoffiveis me mancinha.

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Mas vós, Senhora, pois que minha estrella Nao foi melhor, vivei nefta alma minha, Que nao tem a fortuna poder nella.

XXXXVII.

SE fómente hora alguma em vós piedade

De tao longo tormento se sentíra Amor fofrêra mal que eu me partíra De voffos olhos, minha faudade.

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Apartei-me de vós, mas a vontade,
Que por o natural na alma vos tira,
Me faz crer que efta aufencia he de mentira
Porém venho a provar que he de verdade.
Ir-me-hei, Senhora; e nefte apartamento
Lagrimas triftes tomaráó vingança
Nos olhos de quem foftes mantimento.

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Defta arte darei vida a meu tormento; Que, en fim, cá me achará minha lembrança Sepultado no voffo esquecimento.

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