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a hua molher não tem por seus filhos os que hão nelas, ainda que se pareção coeles, & os filhos de suas irmaàs sam seus herdeyros. Esta ley de não poderem casar os Naires fizerão os reys: porque não tendo eles molheres nem filhos a que teuessem amor podessem aturar a guerra. E por eles seruire tàbê & serê fidalgos são priviligiados de na podere ser presos, në morrer por justiça. E quado algu mata outro: ou mata vaca q antreles he grande pecado porque as adorão: ou dorme com inolher baixa ou come em casa de vilão, ou diz mal del rey, se ho el rey sabe certo, daa hum escrito seu em que diz a hu Naire que com outros dous ou tres mate tal Naire porque pecou, & eles ho matão aas cutiladas õde ho achão, & despois de morto põe sobrele ho escrito del rey pera que saiba ho porque ho matarão. Estes Naires não podem tomar armas, nem entrar em desafio antes de serê armados caualeyros: & como sam de sete annos logo os põe a depreder a jugar de todas as armas, & pera serem nisso muyto destros seus mestres os desconjutão, & despois lhes insinão a jugar daquelas armas a que os ve mais incrinados. E as que se mais costumão âtreles são espadas & escudos. Os mestres que os insinão sam graduados naquele jogo darmas em q insinão, & chamanse panicais na sua lingoa: & sam muyto venerados antre os Naires, & qualquer seu dicipulo, posto que seja velho, ou seja grande senhor ho ha dadorar em ho vendo, & isto por ley: & mais sam obrigados a tomar lição dous meses do anno em toda sua vida, pelo que sam muyto desenuoltos nas armas & prezanse muyto disso. Quando algu quer ser armado caualeyro vayse a el rey be acompanhado de seus parentes & amigos, & primeyramête lhe offerece sesseta fanões douro, hữa moeda assi chamada que serão tres cruzados pela nossa. E logo el rey lhe pregûta se quer goardar ho costume & ley dos Naires : & dizedo ele que si, mandalhe cingir hüa espada, & poêdolhe a mão dereyta na cabeça diz certas palauras como que reza sem ho ningue ouuir :

& despois ho abraça, dizendo em sua lingoa huas palauras que na nossa quere dizer, goardaras os bramenes & as vacas. Isto dilo ho Naire adora el rey, & dali por diate fica caualeyro. Estes quando assentão viuenda co alguem, obriganse a morrer coeles & por eles, o que goardão de maneyra que se matão seu senhor em algua guerra pelejão tanto ate que os matão, & se não sam presentes vão despois matar a que os matou, ou mãdou matar: sam grandes agoireyros, & te dias bos & maos, adorão ho sol & a lua, & a cadea, & as vacas & qual quer cousa que se lhe offrece è saindo pela menhaa de casa: & cre leuemente qualquer vaidade. Metesse ho diabo neles muytas vezes, & dizem que he hũ dos seus deoses, ou pagodes, que assi lhe chamão, & faz lhe dizer cousas espantosas que el rey cree, & ho Naire em q ho diabo entra vayse co a espada nua diâte del rey tremendo todo, & dando cutiladas em si, & diz. Eu sou tal deos & venho te dizer q faças tal cousa, & isto bradado como doudo: & se el rey duuida de ho fazer então dá muy to móres brados & gritos, & muyto móres cutiladas ate q ho cre el rey. Ha tabe outros generos de gentes no Malabar de diuersas seitas & custumes q seria prolixidade dizelas, que todos obedece aos reys, se não os mouros, q sam deles muy estimados pelos grandes dereytos q lhe pagão de suas mercadorias.

CAPITOLO XV.

De como Vasco da gama mandou recado a el rey de Calicut que The queria falar.

Surto

Durto Vasco da gama fora do arrecife de Calicut nas mesmas almadias que ho ali trouuerão mandou hû dost degradados q leuaua a Calicut: assi pera que visse que terra era como pera fazer experiencia nele do gasalhado que lhe farião por ser Christão: porque cuydaua que auia Christãos e Calicut a cuja praya chegado ho degra

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dado, começou logo de se ajuntar a gête a velo como a homem estranho: & preguntauão aos Malabares que yão coele que homem era. E eles dizião que lhe parecia mouro q vinha com outros naquelas tres naos qvião, de que os de Calicut se espantauão, por ser ho seu trajo muyto differente do q trazião os mouros que vinhão do estreito, & yão muytos apos ele, & algus q sabião arauia lhe falauão, mas ele não respõdia, porque não entendia: do que se eles espantauão, que sendo mouro não entendesse arauia. E indo assi crendo que fosse mouro, leuarano á pousada de dous mouros naturais de Tunez em Berberia, q forão ter a Calicut, & erão hi estantes. E hu deles q auia nome Botaibo sabia falar castelhano, & conhecia muy to be os Portugueses, segundo despois disse que os vira em Tunez em têpo del rey dom loão em hua nao chamada a Raynha, q el rey lá mãdaua muytas vezes buscar cousas de que tinha necessidade. E e entrando ho degradado em sua casa, disselhe logo Mõçaide: & este nome foy corruto pelos Portugueses, & mudarano em Botaibo como lhe chamauão todos os q forão nesta viage, conhecedo ho por Portugues. Al diablo que te doy quie te traxo a ca: & despois. The preguntou de que maneyra viera ali ter. Ho degradado lho disse, & quantas naos yão. Espantado Botaibo de ire por mar, lhe preguntou que yão buscar tão longe : & ele lhe disse que yão buscar Christãos, & especearia. E preguntoulhe mais porque não mandauão lá tambem el rey de França & el rey de Castela, & a senhoria de Veneza. Respondeo ele, que porque lho não consentia el Rey de Portugal: ao q Bontaibo disse que fazia muyto be de lho não consentir. E agasalhou ho, & mandoulhe dar de comer hûs bolos de farinha de trigo, a que os Malabares chamão apas, & coeles mel. E despois que comeo, disselhe Botaibo q se tornasse pera as naos, & q iria coele a ver Vasco da gama, & assi ho fez. E êtrado na capitaina, começa de dizer a Vasco da gama e castelhano. Boauentura, boauetura,

muytos rubis, muytas esmeraldas, muytas graças deueis de dar a Deos: porque vos trouue a terra onde ha toda a especiaria, pedraria & toda a riqueza do mundo. E quado assi ho ouuirão falar estauão todos pasmados, que não crião ouuesse homem tão lõge de Portugal que entendesse a nossa lingoa: & dauão graças a nosso senhor chorado de prazer, & Vasco da gama ho abraçou, & ho fez assentar a par de si, preguntandolhe se era Christão: & como fora ter a Calicut: ele lhe disse donde era, & que fora ter a Calicut pela via do Cairo, & contoulhe de q maneyra conhecera os Portugueses, & que sempre fora seu amigo por lhe suas cousas parecerem muy to bem, & que assi ho seria ao presente, & que ho seruiria em tudo o que podesse. O q The Vasco da gama agradeceo muyto, prometedolhe de ho fazer coele muyto bem: certificadolhe questaua ho mais ledo homem do mundo em ho achar ali & telo de sua parte: & que cria que Deos lho deparara pera dar ho tim que desejaua a seu descobrimento: porq sem ele pouco fruyto ouuera de tirar de seu trabalho, rogandolhe que lhe dissesse que homem era el rey de Calicut, & se ho receberia de boa vontade por embaixador del rey de Portugal. E ele lhe disse q el rey de Calicut era bo homem & muyto vão, & que ho receberia bem por embaixador de rey estrangeiro: porem que muyto melhor recebido seria se dissesse que era vindo a assentar trato em Calicut, & leuaua mercadoria pera isso, porque do trato resultaua a el rey grande proueito pelos dereytos que tinha, que era sua principal renda: & q estaua então em Panane hua vila cinco legoas de Calicut ao longo da costa, que lá lhe madasse dizer como estaua ali: o q pareceo be a Vasco da gama, & pela võtade que achou em Botaibo lhe deu alguas peças, & rogoulhe que fosse com Fernão martinz ho lingoa, per quem mandou recado a el rey de Calicut: o que ele fez de boa võtade. E chegados diante del rey, Fernão martinz lhe disse per outro lingoa que hi estaua, q Vasco da gama lhe trazia

cartas del Rey de Portugal que ho não mandara a outra cousa se não a isso, que se mandasse a lhas leuaria. El rey antes de lhe respoder mandou dar a ambos de dous senhos panos dalgodão & de seda dos que ele cingia, que erão muyto bos. E despois de lhe terem dados os panos, pregutou a Fernão martinz que rey era aquele que the mandaua as cartas, & quão lõge era seu reyno. Eele lho disse, dizendo tambem como era Christão & a sua gête Christaa: & ho trabalho que tinhão passado no mar è chegar a Calicut. E de tudo el rey mostrou espantarse: & mostrou que folgaua muyto de tão poderoso principe como el Rey de Portugal & Christão The madar embaixada, & mandou dizer a Vasco da gama q fosse muy be vindo, & que ele fosse ancorar suas naos a Pandarane hùa vila a baixo dõde primeyro surgira: que tinha porto mais seguro que Calicut, onde as naos corrião risco de se perderem: & de Pandarane se fosse por terra a Calicut õde ja estaria pera lhe falar, & mandoulhe hû piloto que ho leuasse a Pandarane: que ho leuou lá, & quando foy ao entrar dêtro na barra, Vasco da gama não quis tanto entrar dentro co- ́ mo ho piloto quisera, porque não sabia o que sucederia despois.

CAPITOLO XVI.

De como el rey de Calicut madou por Vasco da gama a Pandarane.

Estando neste porto deralhe hû recado do Catual de

Calicut, que he como corregedor da corte, que ele era vindo a Pandarane com outros homes nobres por mandado del rey pera ho acompanharem ate Calicut q podia desembarcar quado quisesse. E por ser ja tarde se escusou Vasco da gama de ir aqle dia, & mais pera auer conselho com seus capitães acerca de sua ida aos quaes, & assi a outros homes principaes da frota: disse que queria ir verse com el rey de Calicut & assentar coele

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