- Vs. 3 e 4) Dae vós favor. O verbo dar junto com alguns nomes tem um emprego muito geral em substituição dos verbos derivados d'esses nomes ou de que esses nomes derivam; assim: dar a benção, abençoar, dar um passeio, passear, dar entrega, entregar, dar fundo, fundear, dar moti vo, motivar, dar cumprimento, cumprir, dar combate, combater, dar testemunho, testemunhar, dar escandalo, escandalisar, dar credito, acreditar, dar saltos, saltar, dar encanto, encantar, dar feitiço, enfeitiçar, dar batalha, batalhar-e, para o presente caso, dar favor, favorecer; por analogia, com outros nomes que não teem verbo cognato (1) como:dar um nó atar, dar passos, andar, dar pontos, coser, Dae vós, o verbo no imperativo leva geralmente o sujeito depois. Atrevimento, commettimento; novo atrevimento, porque este era o primeiro poema epico portuguez, era mesmo o primeiro do renascimento; os poemas italianos, anteriormente publicados, eram romances e não epopeias nacionaes. Esta expressão, novo atrevimento, é como a continuação do já dito na est. 4 d'este canto novo engenho ardente; novo, moderno. Para que estes meus versos vossos sejam, porque fazendo o Rei seus estes versos com favorecel-os, terão elles o valor que não teem emquanto elle os não acceita rece. etc. e favo Vs. 5 e 6) E vereis ir cortando, etc. e sereis testemunha, escutando ou lendo, etc., pois o Poeta dá a entender que pinta a acção dos navegantes de tal forma que parecerá a quem com attenção ler ou ouvir o poema que os está vendo. Cortando, sulcando (metaphora). Salso, salgado; argento, prata, aqui o mar (metonymia). mar (metonymia). Os vossos Argonautas, deu-se primitivamente este nome aos heroes gregos, que se gundo a fabula, foram na nau Argos conquistar o velocino, ou velo d'ouro, á Colchida (2): aqui, está no sentido de nave gadores audazes, descobridores. D'esta lenda procede a denominação e insignia da celebre Ordem de cavalaria do To (1) Cognato, em gramm., diz-se das palavras que teem analogia com outras de que são formadas. (2) Vid. pag. 19, nota (1). são d'Oiro, instituida em 1429 por Filippe o Bom, duque de Borgonha, por occasião do seu casamento com a infanta D. Isabel, filha de D. João I de Portugal. Consiste a insignia n'um carneiro de oiro ou velo d'oiro, pendente de larga fita vermelha escura ou d'um collar d'ouro (1). Vossos, do rei D. Sebastião, da mesma nação de que elle é o chefe. Porque, para que; vejam, considerem. Vs 7 e 8) Que são vistos de vós. Que, conjuncção integrante, rege toda a expressão contida no verso 7.o como compl. directo do verbo vejam do verso anterior; são vistos de vós, que são observados, notados por vós, ou, mais livremente, que tendes em apreço os vossos subditos, corajosos na lucta com os mares; de vós, em vez de «por vós», indicando o agente da passiva (ou compl. de causa efficiente), o qual pode levar uma ou outra d'essas preposições, de ou por; vejase o que dissemos na pag. 43, linha 3.-No mar irado. Irado (metaphora personificante), tempestuoso. E costumae-vos já a ser invocado. Costumae-vos, habituae-vos; já, antecipadamente, de antemão; invocado, implorado, chamado em auxilio, como proteeção Π 1) Da casa de Borgonha, passou para a de Austria depois da morte do duque Carlos o Temerario (1477), depois á de Hespanha com Carlos V. Hoje é conferida tanto pela Hespanha como pela Austria, e, em ambas, é a primeira das Ordens de Cavallaria, PRINCIPIO DA NARRAÇÃO ESTANCIA XIX Já no largo Oceano navegavam, que do gado de Próteo são cortadas; XIX Os expediccionarios já navegavam no largo Oceano, apar tando as suas inquietas ondas. Os ventos assopravam brandamente, inchando as vélas concavas das náus. Os mares mostravam-se cobertos da branca espuma por d'onde as proas vão sulcando as maritimas aguas consagradas, que são cortadas pelo gado de Protêo; Vs. 1 e 2) Já no largo Oceano nuvegavam. Acabou o Poeta na est. anterior com a proposição, invocação e dedicatoria. Agora começa n'esta est. com a narração, cumprindo já o que na anterior dizia ao Rei, que veria a sua gent ir navegando, como realmente se vê, com a admiravel e tão perfeita descripção contida n'estes versos (enargueia ou enargia total (1). — Largo Oceano, mar largo, onde se não vê terra, mas apenas mar e céu. Iam os portuguezes para além do Cabo da Boa Esperança, como veremos melhor na est. 43. Navegavam, o sujeito, que está occulto, vem expresso na est. anterior, os vossos argonautas (zeugma). As inquietas (1) Vid. o nosso folheto «Figuras, d'estylo». ondas apurtando, isto é, os argonautas portuguezes, na sua navegação, iam, con as proas dos navios, apartando (separando) as ondas; inquietas, agitadas, movediças, como é proprio das ondas. Vs. 3 e 4)-Os ventos brandamente respiravam. Respiravam, sopravam; brandamente, suavemente. As vélas conca vas inchando, enfunando as vélas, que, com o soprar do vento, ficavam concavas do lado d'onde elle soprava. ao vivo Vs. 5 e 6) Da branca escuma os mares se mostravam cobertos onde as proas vão cortando. A belleza d'esta descripção só a aprecia bem quem já tenha viajado, tanto que parece estar se vendo. Escuma, espuma. Os mares, as aguas (synedoque, a especie pelo genero). Se mostravam, se apresentavam, se viam. Onde, pelo sitio, pelo sulco onde. Cortando (metaphora), sulcando. Vs. 7 e 8)-Maritimas, que pertencem ao mar. - Consagradas, sagradas, por sêrem habitadas, segundo a mythologia, por Neptuno (1) e pelos deuses marinhos. Do, rege o agente da passiva (compl. de causa efficiente).--Gado de Próteo. Próteo por Proteo é a fig. systole (contracção), aqui empregada por conveniencia do verso, que necessitava a accentuação na 6.2 syllaba, o que não se daria, pronunciando-se Protĉo. Camões só aqui adpta essa pronuncia, vid. C. VI, ests. 20 e 36 eX, est. 7. Proteo (myth.), era filho do Oceano e de Tethys. Foi dotado, logo que nasceu, do conhecimento do futuro, sobre o qual só se explicava, quando a isso o constrangiam. Tinha mais o poder de mudar de corpo, e de tomar todas as figuras que queria. Guardava os peixes e as phocas, o gado de Próteo, como o Poeta aqui diz. Gado, aqui no sentido de cardumes (metaph.) Cortadas,. sulcadas (metaphora). (1) Vid. pag. 14, nota (3). CONCILIO DOS DEUSES ESTANCIA XX Quando os Deuses no Olympo luminoso, XX Quando sobre as cousas futuras do Oriente se juntam os Deuses em glorioso concilio, no luminoso Olympo, onde está o governo da humana gente. Elles convocados da parte do Tonante Jupiter, pelo gentil neto do velho Atlante, veem juntamente pisando o formoso e cristallino ceu pela Via La ctea. Vs. 1 e 2)-Quando os Deuses no Olympo. Liga esta phra se com a estancia anterior cujo sentido ficou em suspenso. A narração da viagem continua na est. 42. Estes Deuses são os da mythologia greco-romana. Olympo, ceu (Vid. o que dissemos sobre este vocabulo na pag. 60); luminoso, que emitte luz. Onde o governo está da humana gente, onde reside, etc; humana gente, a humanidade. Vs. 3 e 4)-Se ajuntam, se juntam, se reunem.---Concilio glorioso. Concilio é termo de theologia (1), que significa reunião de prelados catholicos para decidir pontos de doutrina ou (1) Theologia é a sciencia de Deus e das cousas divinas; particularmente, é a doutrina da religião christa. |