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LXXXVIII.

Esforço grande igual ao penfamento,
Penfamentos em obras divulgados

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E nao em peito timido encerrados
E desfeitos defpois em chuva, e vento
Animo da cobiça baixa ifento,
Digno por ifto fo de altos eftados
Fero açoute dos nunca bem domados
Póvos do Malabar fanguinolento:
Gentileza de membros corporaes,
Ornados de pudíca continencia;
Obra por certo da celefte altura;
Eftas virtudes raras, e outras mais
Dignas todas da Homerica eloquencia
Jazem debaixo defta fepultura.

LXXXIX.

NO Mundo quiz o tempo que fe achasse
Obem que por acerto, ou forte vinha;

E por exprimentar que dita tinha,

Quiz que a fortuna em mi fe exprimentaffe.
Mas porque o meu deftino me mostrasse
Que nem ter efperanças me convinha,
Nunca nefta tao longa vida minha
Coufa me deixou ver que defejaffe.
Mudando andei coftume, terra, eftado.

Por ver fe fe mudava a forte dura:

A vida puz nas mãos de hum leye lenho,

Mas, fegundo o que o Ceo me tem moftrado, Já fei defte meu que bufcar ventura,

Achado tenho já que nao a tenho.

A

LXXXX.

Perfeição, a graça, o doce geito,
A Primavera cheia de frefcura,

Que fempre em vós florece; a que a ventura,
E a razao, entregáram efte peito:

Aquelle cryftallino, e puro afpeito,
Que em fi comprehende toda a formofura;
O refplandor dos olhos, e a brandura,
Donde amor a ninguem quiz ter refpeito:
S'ifto que em vós fe ve, ver defejais,
Como digno de ver-fe claramente
Por muito que de amor vos ifentais:
Traduzido o vereis tão fielmente.
No meio defte efpirito onde eftais
Que vendo-vos fintais o que elle fente.

LXXXXI.

VO's que de olhos fuaves, e ferenos
Com jufta caufa a vida captivais,

E que os outros cuidados condemnais
Por indevidos, baixos, e pequenos ;
Se de amor os domefticos venenos
Nunca provaftes, quero que faibais
Que he tanto mais o amor defpois que amais,
Quanto faó mais as caufas de fer menos.

E nao prefuma alguem que algum defeito
Quando na coufa amada fe aprefenta,
Poffa diminuir o amor perfeito:

Antes o dobra mais; e fe atormenta Pouco a pouco defculpa o brando peito Que amor com feus contrarios fe accrefcenta.

Q

LXXXXII.

Ue poderei do Mundo já querer,

Pois no mefmo em que puz tamanho amor,
Naó vi fenaó defgofto, e desfavor,

E morte, em fim, que mais nao póde fer?
Pois me nao farta a vida de viver,
Pois já fei que nao mata grande dor,
Se houver coufa que mágoa dê maior,
Eu a verei, que tudo potio ver.

,

A norte, a meu pezar me affegurou
De quanto mal me vinha: já perdi
O que a perder o medo me enfinou.
Na vida defamor fómente vi;

Na morte a grande dor que me ficou.
Parece que para ifto fó nafci.

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LXXXXIII.

Enfamentos
, que agora novamente
Cuidados vãos em mi refufcitais,
Dizeime: E ainda nao vos contentais
De ter a quem vos tem taó defcontente ?
Que phantafia he efta, que prefente,
Cad'hora ante os meus olhos me moftrais ?
Com huus fonhos taó vãos, inda tentais
Quem nem por fonhos póde fer contente?
Vejo-vos, penfamentos, alterados.
E nao quereis, de efquivos, declarar-me
Que he ifto que vos traz taó enleados?
Nao me negueis, fe andais para negar-me;
Porque fe contra mi eftais levantados,
Eu vos ajudarei mefmo a matar-me.

LXXXXIV.

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LXXXXIV.

SE
E tómo a minha pena em penitencia
Do error em que cahio o penfamento,
Nao abrando mas dobro meu tormento,
Que a tanto, e mais, obriga a paciencia,
E fe huma côr de morto na apparencia,
Hum efpalhar fufpiros vãos ao vento,
Nao faz em vós, Senhora, movimento,
Fique o meu mal em vofla confciencia.
Mas fe de qualquer efpera mudança
Toda vontade ifenta amor caftiga,
(Como eu vejo no mal que me condena

E fe em vós nao fe entende haver vingança,
Será forçado (pois amor me obriga)
Que eu fó da culpa voffa pague a pena.

LXXXXV.

de

A Quella que, pura caftidade,

De fi mefma tomou cruel vingança, Por huma breve, e fubita mudança, Contrária á fua honra, e calidade;

Venceo á formofura a honestidade; Venceo no fim da vida a efperança, Porque ficaffe viva tal lembrança, Tal amor, tanta fé, tanta verdade. De fi, da gente, e do Mundo esquecida, Ferio com duro ferro o brando peito, Banhando em fangue a força do tyrano.

Oh oufadia eftranha! Eftranho feito! Que dando breve morte ao corpo humano Tenha fua memoria larga vida!

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LXXXXVI.

O veftidos Elifa revolvia,

Que Enéas the deixára por memoria;
Doces defpojos da paffada gloria;
Doces quando feu fado o confentia.
Entre elles a formofa efpada via,
Que inftrumento, em fim, foi da trifte hiftoria;
E como quem de fi tinha a victoria,
Fallando fó com ella, affi dizia:

Formofa, e nova efpada, fe ficafte
Só porque executafles os enganos
De quem te quiz deixar, em minha vida;
Sabe que tu comigo te enganaste,
Que para me tirar de tantos danos
Sobeja-me a trifteza da partida.

LXXXXVII:

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H quaó caro me cufta o entender-te,
Molefto amor, que fó por alcançar-te,

De dor em dor me tees trazido a parte,
Donde em ti odio, e ira fe converte!
Cuidei que para em tudo conhecer-te
Me nao faltava experiencia, e arte;
Mas na alma vejo agora accrefcentar-te
Aquillò que era caufa de perder-te.
Eftavas tao fecreto no meu peito,

Que eu mefmo, que te tinha, nao fabia A
Que me fenhoreavas defte geito.

Defcubrifte-te agora; e foi por via,

Que teu defcobrimento, e meu defeito,
Hum me envergonha, e outro me injuria.

LXXXXVIII.

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